Por Sergio Saraiva

A difícil vida do PSDB
A ideia de apropriação indébita do que seria a agenda dos tucanos pelo PT é cômoda, mas equivocada
O DIAGNÓSTICO feito pelo ex-senador Tasso Jereissati para a perda de expressão do PSDB sintetiza, com crueza, as opiniões predominantes na cúpula partidária: "O PT roubou a nossa agenda".
Apesar da concordância de fundo, os encontros partidários que buscam possíveis soluções não tornam mais convincente aquela conclusão. E ainda agravam o impasse entre correntes na cúpula partidária.
Daí, a rigor, a estranhada ausência de uma exposição de fins jornalísticos, por breve que fosse, do que se passou na reunião feita para análises e propostas inovadoras.
O constatável, por transbordamento, foi a oposição ainda mais explícita da corrente de José Serra à presença do deputado pernambucano Sérgio Guerra na presidência do partido. Sérgio Guerra, por sinal, muito qualificado para o posto.
A situação do PSDB não é simples. Já a partir da ideia generalizada de que o governo Lula se apropriou, e o de Dilma mantém, "a agenda" dos peessedebistas.
Só os petistas obcecados contestam que Lula, enquanto Antonio Palocci e Henrique Meirelles foram as figuras centrais do governo, continuasse a política econômica de Fernando Henrique.
Essa continuidade foi a opção estratégica que neutralizou a engatilhada reação do sistema financeiro privado e, em geral, do poder econômico a Lula e ao ilusório "governo do PT". Mas não foi daí que emergiu a onda lulista. São inseparáveis, na ascensão, três fatores.
Com a substituição de Palocci por Guido Mantega e a entrada de Dilma Rousseff no círculo da Presidência, aos componentes conservadores da política econômica foram acrescentadas a pregação de Lula pelo crescimento e medidas objetivas nesse sentido. A neutralidade do poder econômico privado deslizou assim para adesão, difícil de disfarçar, ao governo e a Lula.
O terceiro fator nesta série foi a projeção do Brasil no mundo, com significação especial nos países importantes e nos organismos por eles dominados. Obra da política externa, com seus lances inéditos de soberania e com a contribuição pessoal do íntimo metalúrgico nas cortes e nos tapetes aristocráticos. Quase nada considerado até agora, este fator, suponho, teve influência muito grande também na projeção interna de Lula, em todas as classes sociais.
Em outro plano, o assistencialismo de grande escala, sem precedente no Brasil, e a persistente presença pessoal de Lula no país todo, com farta propagação pela mesma mídia que o repudiava, conjugaram-se como engrenagens relojoeiras. Com efeitos não só nas classes beneficiadas, mas até para a projeção internacional, sob o rótulo de distribuição de renda.
Todos esses traços do período de Lula estariam muito bem em um governo social-democrata, como deveria ser o do PSDB ao menos para justificar seu nome. Mas ficou muito longe disso. Exceto a identificação das políticas econômicas na primeira parte da administração Lula, houve divergência em tudo o mais que foi determinante para a caracterização dos dois governos.
A ideia de apropriação indébita do que seria a agenda dos peessedebistas é cômoda, mas equivocada. Seu governo de oito anos não fez o que não quis. O sucessor, a par dos seus defeitos e deficiências, quis e fez o que o governo do PSDB não fez porque não quis. O que também pode ser dito assim: não fez porque fazê-lo não era sua agenda.
O problema que o PSDB encontra, e não reconhece, é de identidade. Pensou representar a social-democracia e quem a praticou, nos seus próprios termos, foi outro. Sem olhar-se no espelho, o PSDB não poderá sair para vida nova.