Por Alexandre Figueiredo
Os mais velhos eram crianças ou mal haviam nascido quando Bill Gates e o falecido Steve Jobs lançaram novidades na Informática. Não puderam acompanhar a primeira geração do punk rock, e não viveram as amarguras sócio-políticas causadas pelo AI-5. Eram muito pequenos para perceber a agonia da ditadura militar e os mecanismos traiçoeiros da "indústria cultural" politiqueira.
Já os mais novos nem haviam nascido em boa parte dessa época. Quando muito, nasceram quando a ditadura militar já havia passado. E também eram pequenos para perceber as artimanhas do governo Collor, os efeitos das concessões clientelistas de rádio e TV do governo Sarney e o problema da mediocrização artística dos tempos atuais.
Depois de 1978, nasceu uma geração que, salvo exceções, não acompanhou os rumos da História e se tornou praticamente dependente do poderio midiático. Os mais velhos não eram estimulados a ter um diálogo com os pais, os mais novos já tinham esse estímulo, mas não conseguiam compreender a vida de maneira amplamente questionadora.
Quando a década de 90 trouxe a reboque todo o processo de mediocrização sócio-cultural que foi da cultura popular ao rock, do cinema à moda, da literatura à televisão, os mais velhos mal entravam na puberdade e os mais jovens ainda estavam para encerrar a infância.
Em ambos os casos, são pessoas que só agora, tardiamente, redescobrem o Brasil e o mundo em que vivem. Os mais velhos tiveram que se tornar pais para ver que, por exemplo, os anos 80 não eram só Menudo, Dr. Silvana, Silvinho Blau-Blau e Xou da Xuxa. Os mais jovens começam a experimentar o ceticismo em relação a referenciais "institucionalizados" dos anos 80 para cá.
Eles são chamados de "geração Y", um termo até um tanto discutível, mas que se refere a pessoas que nasceram ou cresceram sob a influência da informática e do poder midiático, que de tão inserido em seus inconscientes, perdem a noção até mesmo do que é "cultura de massa" ou "cultura midiatizada", porque tudo lhes parece tão natural como a própria Natureza.
NASCIDOS ENTRE 1978 E 1987 SÃO MAIS "FECHADOS"
Nota-se, entre essas duas gerações, que aqueles nascidos entre 1978 e 1987 são em sua maioria bastante fechados nos seus referenciais culturais. O fato de terem nascido num período de crises sociais profundas e desajustes familiares os fizeram criar um "sistema de defesa" praticamente isolado nos referenciais situados no tempo e no espaço.
A alegoria pode ser comparada com o caso do garoto da bolha de plástico, o caso de um menino com problemas imunológicos que inspirou um filme de 1976,
O Rapaz da Bolha de Plástico (The Boy in the Plastic Bubble), estrelado por John Travolta no papel-título, o mesmo que a geração de 1978-1987 conheceria em 1994 com o filme
Tempo de Violência (Pulp Fiction), de Quentin Tarantino.
Eram pessoas para as quais só prestava aquilo que era produzido a partir de 1975 e que era "moeda corrente" na "indústria cultural" dos anos 80 e 90. Desprezando os anos 60, que pelos lamentos de seus pais foram tidos como uma "década perdida" (a Contracultura não havia conseguido combater os diversos reacionarismos sócio-políticos do mundo), a geração 1978-1987 se fechou no seu tempo.
Eles só apreciavam coisas que lhes eram "palpáveis" e "presentes", como aquilo que viam no rádio e TV desde a infância. A falta de compreensão do que seria anos 80 os levaria a considerar até mesmo desenhos animados dos anos 60 e seriados dos anos 60-70 como "cultura dos anos 80". É porque passava na televisão quando eles eram crianças, na década oitentista.
Por isso são raros os referenciais pré-1975 que apreciavam. Um Pelé, uma Hebe Camargo, um Roberto Carlos passavam, por razões óbvias. Mas o rock clássico virou demodê, o máximo é ouvir
poser metal. A MPB ficou ultrapassada, o jeito é bregalizar de vez. Raciocinar e olhar longe viraram práticas negativas e repudiadas até com certa fúria.
Só aceitavam, como contemporâneos, Raul Seixas, Bob Marley e Che Guevara, mesmo assim de forma confusa, como se eles tivessem sido irmãos "doidões". E as tragédias lhes foram poucas, pois, fora Ayrton Senna, Mamonas Assassinas e Cássia Eller, a geração 1978-1987 não viveu grandes perdas, até sofrer o impacto da morte de Michael Jackson em 2009.
NASCIDOS APÓS 1987 SÃO ABERTOS, MAS ACEITAM TUDO SEM VERIFICAR
Já a geração nascida após 1987 encontrou um quadro sócio-político ainda mais "arejado", seja por conta das pressões sociais exercidas contra muitos abusos e irregularidades, seja pela consolidação da democracia, seja pela liberdade de informações e perspectivas sociais um tanto mais otimistas.
Com um diálogo mais aberto com seus pais, em relação à relação imediatamente anterior de pressões profissionais e afetivas que desestruturaram muitas famílias ou as fizeram sobreviver unidas num ambiente de ceticismo e busca pela sobrevivência, os nascidos após 1987 aceitam mais novidades e antiguidades do que seus similares um pouco mais velhos.
Embora criados pelo mesmo pano-de-fundo da ditadura midiática, os mais jovens buscam uma flexibilidade e um nível de compreensão menos atrofiado. Não precisariam trabalhar com patrões mais velhos ou se tornarem pais para verificarem que o mundo ia muito além dos quintais cronológicos dos jovens.
São mais receptivos a referenciais culturais antigos e outros que não fazem parte do escasso elenco de "sucesso" que seus semelhantes um tanto mais velhos apreciavam. Têm maior liberdade de apreciar as coisas, mas carecem ainda de uma visão mais questionadora sobre o que realmente vale a pena ou não em matéria de cultura.
Se a geração de 1978-1987 se apegava a um pragmatismo quase masoquista - "com tanta coisa ruim, até que o que eu gosto e acredito satisfaz minha vida" - , a que veio depois já vai um pouco além dessa baixa auto-estima, saindo das "bolhas de plástico" para ver um mundo que, no entanto, lhes deslumbra demais, como se fosse um admirável mundo de certezas pré-estabelecidas.
"PÓS-MODERNISMO" DE RESULTADOS
Se a geração de 1978-1987, na medida em que chegava aos 30 anos, se limitava a "redescobrir" cafonices como Waldick Soriano, Odair José e Ray Conniff, enquanto superestimava falecidos recentes como Michael Jackson e Wando, a geração mais nova, sem romper com tal perspectiva, pelo menos insere alguma criatividade e jovialidade.
Certo, é um "pós-modernismo" de resultados, pois ninguém espere de jovens nascidos depois de 1987 no Brasil uma geração empenhada em reciclar as lições do Modernismo e da Contracultura, já que, se os mais velhos eram culturalmente "sub-nutridos", os mais jovens apostam numa "gororoba".
É o que se vê nos ídolos em ascensão, que vão além de um fechado pragmatismo brega-comercial dos anos 90. Já não é mais obsessão defender o ruim por ser "melhor que o pior", mas de buscar alguma coisa boa da qual a juventude contemporânea, em sua curiosidade mal orientada, não consegue discernir qual é.
Em outras palavras, se a geração de 1978-1987 era bem mais fechada no que era o
hit-parade, o status quo e o que "vier por aí" porque, "com tanta coisa ruim, até que tudo isso é bem legal", a geração pós-1987 já aprecia coisas bem mais diferentes, embora sejam incapazes de separar o joio do trigo.
Daí a comparação, por exemplo, da blogueira nascida depois de 1978 que pensou que "How Soon is Now?", clássico dos Smiths, era uma música da lavra autoral do Love Spit Love, e da geração pós-1987 que se divertia com a jocosa montagem que, de forma surreal, juntava a voz de Morrissey com o som rítmico do É O Tchan.
No primeiro caso, o isolamento no tempo ignorava que certos sucessos eram, na verdade, versões de músicas ainda mais antigas. No segundo caso, é a curiosidade desmedida e a busca aleatória por misturas inusitadas em que se despreza o questionamento de juntar coisas tão antagônicas num resultado que não é tão bom quanto parece, embora "divertido" à primeira vista, como piada pronta.
A geração pós-1987 consegue apreciar um Wilson Simonal, um Doors, ler obras literárias sem fazer cara feia, e parar para ver uma obra de artes plásticas, num salto para a geração anterior, que por sua ânsia de pragmatismos e "atualidades", preferia ver desfiles de moda banais como se eles substituíssem qualquer exposição de pintura ou arquitetura.
EM AMBOS OS CASOS, A INFLUÊNCIA DA GRANDE MÍDIA
O que se pode perceber é que, apesar de tais diferenças, as duas gerações têm em comum a influência forte do poder midiático, tão forte que, como um vírus que entra no organismo e ninguém sente os sintomas, as pessoas não percebem tal influência.
A geração mais velha das duas citadas, por ser a mais "fechada", é a que sofre ainda mais o peso do poderio midiático, embora em muitos casos se esforce, até de forma neurótica, em desmenti-lo. Isso porque seus valores ainda são carregados de influência da ditadura midiática, por mais que esses defensores definam tais valores como "da sociedade" e "acima de toda ideologia e poder".
Já a geração mais jovem tem uma maior liberdade. Ela já nasceu consultando a Internet, enquanto a mais velha construiu seus valores em emissoras como Globo e SBT e em rádios FM controladas por oligarquias, da Som Zoom Sat nordestina à 89 FM paulista. A geração mais nova já começou consultando portais e sítios que destoam do lero-lero midiático dos anos 90.
É certo que, num caso e em outro, há alguém da primeira geração hipermidiatizada que se abre para a "gororoba" cultural, e outro da segunda geração que é bem mais "fechado". Mas, no conjunto, as duas gerações se delimitam nas tendências descritas, até pelo quadro sócio-político que, depois de 1988, tornou-se mais flexível.
Resta saber se, no futuro, haverá uma geração que possa estar aberta ao mundo, não para apreciar tudo de forma não-verificada, mas para ver o que vale ou o que não vale a pena. Depois da geração "bolha de plástico" e da geração "gororoba", espera-se que surja uma geração capaz de separar o joio do trigo e que devolva ao Brasil um nível de compreensão sócio-cultural perdido há 50 anos.