elio gaspari
O MUNDO IRREAL DE DORIA E GUEDES
Exatamente uma semana depois de a PM de Wilson Witzel ter sujado a festa do Flamengo, o governador João Doria disse no domingo (1º) que “São Paulo tem uma polícia preparada, equipada e bem informada”.
Naquela hora, os corpos de nove jovens estavam no necrotério, pisoteados depois de uma entrada truculenta de sua PM num pancadão de Paraisópolis. Nas bancas e na rede, nesse mesmo domingo, estava também a entrevista do ministro Paulo Guedes à repórter Ana Clara Costa, na qual ele explicava o timing de suas reformas:
"Você dá pretexto para os outros fazerem bagunça. (...) Chamar pra rua manifestação ordeira e pacífica, como a que fazem quase todo fim de semana, problema nenhum. Agora, chamar para a rua para fazer igual no Chile e quebrar tudo foi uma insanidade, irresponsabilidade".
Há algumas semanas o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional, acompanhando uma ameaça vinda de um filho do presidente, havia cantado a pedra do perigo chileno como justificativa para um surto ditatorial:
"Acho que, se houver uma coisa no padrão do Chile, é lógico que tem de fazer alguma coisa para conter".
É irresponsabilidade (ou desejo) trazer o espantalho chileno para a situação brasileira, e a tragédia de Paraisópolis, bem como a pancadaria da festa do Flamengo, mostram que nos dois casos a insanidade saiu da PM. Não é de hoje que isso acontece.
Em outubro do ano passado, durante a gestão do governador Márcio França, a PM entrou num pancadão de Guarulhos e três pessoas morreram em situação semelhante à de Paraisópolis. Doutor Dória poderia examinar a investigação do episódio de Guarulhos. Com uma polícia preparada, equipada e bem informada, deu em nada.
Um morador de Paraisópolis contou que a PM “chegou jogando bombas de efeito moral”. Pode ser que não tenha sido assim, mas na noite de 13 de junho de 2013 a PM paulista bloqueou uma passeata que protestava contra o reajuste dos ônibus na esquina da rua da Consolação com a Maria Antonia. Quem estava lá viu que uns vinte policiais vieram do nada, jogando bombas de efeito moral. Aquela passeata era ordeira, convocada pelo Movimento Passe Livre e povoada por gente de tênis baratos e camisetas.
Começavam as jornadas de 2013. Anos depois, as manifestações transmutaram-se e a presidente Dilma Rousseff foi deposta. [Vale lembrar que o governador tucano Geraldo Alckmin e o prefeito petista Fernando Haddad, do PT, que haviam reajustado as tarifas, estavam num evento em Paris, onde cantaram Trem das onze durante um jantar.]
Guedes teme que apareça gente quebrando tudo, mas, até agora, quem apareceu quebrando os outros foram policiais, em São Paulo e no Rio. Esse comportamento persiste pela garantia da impunidade.
Nas divagações chilenas de Guedes e do general Heleno insinuam-se paralelos de incitação política. Já que é assim, pode-se temer também que a incitação política venha de outro lado.
Em 1968, ela vinha de um maluco chamado Aladino Félix. Antes que terroristas de esquerda começassem a assaltar bancos e a matar gente (naquele ano), ele roubava dinamite e armas. Assaltou pelo menos um banco, explodiu uma bomba na Bolsa e outra num oleoduto.
Como era doido, não se pode acreditar na sua palavra quando dizia que estava ligado a um general da reserva que, por sua vez, teria conexões com o governo. Uma coisa é certa: no seu grupo estavam 14 soldados e sargentos da Força Pública de São Paulo, mais tarde transformada numa Polícia Militar.
Naqueles dias o governador de São Paulo, Abreu Sodré, denunciava uma conspiração nos "subúrbios do poder". (por Elio Gaspari)
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TOQUE DO EDITOR — Para quem não tiver entendido direito o que Elio Gaspari está insinuando, vou dar uma aclarada.
Em 1968 havia uma disputa acirrada nos bastidores do poder entre os militares que haviam dado o golpe (a corrente castellista, que pretendia devolver o poder, saneado, para os civis) e a linha dura (que queria continuar usufruindo as muitas vantagens obtidas por seus membros desde a instalação do arbítrio).
Então, paralelamente ao surgimento das primeiras ações de guerrilha urbana da esquerda, muito mais na linha da propaganda armada sem vítimas que da de "matar gente" (Gaspari sempre fez abordagens preconceituosas a tal respeito), entrou na história um guru picareta de extrema-direita, muito parecido com outro da atualidade.
A diferença é que o espertalhão daquele tempo saía na chuva para se molhar, ao contrário do atual, que delega a outros o serviço sujo e se mantém em total segurança no além-mar.
O charlatão anterior foi convencido pela linha dura a realizar atentados para criar o alarmismo propício à radicalização do regime; Gaspari sugere que matanças como a de Paraisópolis têm exatamente a mesma finalidade.
Eis como evoquei a saga do guru picareta anterior num artigo de 2011:.
"...já houve um bizarro episódio histórico no Brasil envolvendo um debiloide obcecado por discos voadores e a extrema-direita.
Em 1968, os militares da chamada linha dura estavam empenhados em radicalizar ainda mais o regime, promovendo o fechamento total (que acabaria vindo com o AI-5).
Então, incentivaram um lunático chamado Aladino Félix (foto ao lado), vulgo Sábado Dinotos, a efetuar ações armadas, espalhando para que elas fossem imputadas à esquerda. Uma versão tupiniquim do incêndio do Reichstag, enfim.
Liderando um bando de soldados e sargentos da Força Pública, a Polícia Militar da época, Félix foi responsável por 12 explosões de bombas e um assalto a banco.
A ação mais espetaculosa: mandar pelos ares alguns carros do estacionamento localizado diante do prédio do Deops.
Os aprendizes de feiticeiro eram descuidados: uma unidade policial alheia ao esquema de acobertamento prendeu o guru.
E este, ao ser torturado, confessou que agira sob orientação do general Jayme Portela, chefe da Casa Militar da Presidência da República..."
(por Celso Lungaretti)