"A terceira revolução industrial é considerada, e não sem razão,
a causa de longe mais profunda da nova crise mundial. Pela
primeira vez na história do capitalismo, os potenciais de
racionalização ultrapassam as possibilidades de
expansão dos mercados." (Robert Kurz)
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O PÊNDULO DA INEFICÁCIA
Se é verdade que o pensamento socialista sempre teve uma dose elogiável de humanismo, expressa na conquista de avanços sociais e defesa de direitos civis, é igualmente verdade que se constituiu apenas numa forma política de capitalismo. Daí a sua insustentabilidade.
É por assim ser que terminou sempre por se quedar à imperiosa lógica autotélica e segregacionista do capital, que se opõe ao melhor sentimento humanista. Daí decorre que o socialismo não passa de um conjunto de ideias bem intencionadas, constituindo-se, no final das contas, em algoz do interesse popular e no contrário do que anuncia ser (mesmo quando suas intenções são honestas e não um mero oportunismo eleitoral para a conquista do poder).
O capital é uma forma de relação social subtrativa do esforço coletivo de modo a criar riqueza abstrata concentrada num processo de acumulação que tende ao infinito, segregando a maior parte dos seus súditos como forma de satisfação de seu sentido tautológico, vazio de sentido virtuoso. E isto só até o momento de alcançar o limite interno absoluto de expansão, quando definha e morre, não sem antes arrastar toda a humanidade para o abismo, caso não seja contida a sua derrocada final.
As vitórias eleitorais do socialismo de esquerda (1) sempre se deram por conta da ingovernabilidade do aparelho de Estado pela direita e seus métodos segregacionistas de promoção dos privilégios do capital e dos capitalistas.
Ora, é de se perguntar: por que todos os governos de direita, com todos os mecanismos de controle institucionais, monetários e midiáticos a seu favor, fracassam e ensejam a simpatia popular eleitoral ao pensamento socialista?
Esta indagação pode ser complementada por outra: por que todos os governos socialistas de esquerda fracassam e ensejam a antipatia popular como se fossem traidores dos seus próprios postulados e bandeiras, acabando por ensejarem a volta da direita, numa eterna e infrutífera alternância de poder e sem questioná-la como tal?
A resposta é óbvia: isto se dá porque todos os governos apenas obedecem e aplicam os ditames de uma lógica de relação social (o sistema produtor de mercadorias) que, por sua natureza específica, impõe sacrifícios ao povo e transforma o Estado em sua força de coerção militar, além de instrumento de regulamentação legal e de controle monetário.
Os governantes não governam, mas são governados.
Os governantes, quando sentam na cadeira dos poderes do Estado, não têm vontade soberana, a não ser em questões periféricas e de escolha de prioridades dentro da escassez de recursos do Estado para atendimento das demandas sociais globais.
QUANDO A REALIDADE BATE À PORTA
Assim, quando é atingido o estágio do limite interno absoluto de expansão e a realidade de sua essência ontológica bate à porta sem subterfúgios sob a forma de miséria e desespero social inesperado, como agora ocorre, isto provoca a explicitação de alguns pontos, a saber:
a) a identidade na aplicação do receituário da administração financeira da crise por qualquer partido que esteja no poder, independentemente de sua inclinação ideológica, capitalista ortodoxa ou socialista (2).
b) a verdadeira função e caráter do Estado. Este, antes de ser um provedor das demandas sociais, é um coletor de impostos que mascara o pesado ônus que impõe aos exauridos ombros dos trabalhadores (duplamente extorquidos, pelo capital e pelos tributos estatais) com serviços públicos cada vez mais ineficientes; e que exige do contribuinte a pagamento da conta da infraestrutura da produção mercantil e do funcionamento dos poderes institucionais que sustentam a opressora lógica mercantil. O trabalho e o trabalhador são categorias capitalistas que sustentam o Estado, a máquina de coerção sistêmica.
c) o desejo de grande parte da população da volta à situação anterior, quando da ascensão capitalista. Então os trabalhadores conseguiam sobreviver, embora miseravelmente, e tinham esperança de subirem na vida, enquanto a minoritária classe média, formadora de opinião, vivia razoavelmente bem – isto com diferenciações de país para país, dependendo do grau de capacidade de produção de mercadorias de cada nação (a classe média dos Estados Unidos sempre teve benefícios estatais e confortos maiores que a classe média do Haiti, obviamente);
d) a consciência, para uma pequena minoria formada pelos mais argutos, de que a crise não é uma questão de mau gerenciamento do Estado, decorrendo, isto sim, da falência dos próprios fundamentos de uma relação social que se tornou anacrônica e não consegue promover a mediação social de modo minimamente aceitável.
A tal da classe média, consciente de que seus privilégios ora definham, prefere, por comodidade e medo do novo, embarcar na cantilena midiática de que toda a crise decorre da corrupção com o dinheiro público, como se o combate a tal cancro institucional (que não passa de um subproduto endêmico de uma corrupção sistêmica) fosse uma varinha de condão, capaz de promover a restauração do status quo antigo. E, assim, influencia toda a população.
A escolha dos Sérgio Moro e Joaquim Barbosa da vida como salvadores da pátria desfoca o cerne do problema e, ainda que aprovemos as suas atuações, não podemos ser ingênuos a ponto de crer que a corrupção se constitua na causa maior das nossas agruras. Ademais, o desvirtuamento do foco da crise estrutural para o combate a corrupção é do interesse do sistema, pois serve como desculpa para o seu fracasso e para o aumento da miséria enquanto perdurar a agonia do capitalismo.
Quando se compreende o significado do processo eleitoral e da função dos partidos e dos políticos como um mecanismo de legitimação jurídico-institucional de uma forma de relação social segregacionista, não há que querermos melhorar o seu desempenho com a eleição de cidadãos honestos e partidos bem intencionados, na esperança de que mudem os padrões éticos de comportamento, quaisquer que sejam os seus matizes ideológicos.
Isso não passa de sonho de uma noite de verão, pois tal desejo é irrealizável sob uma base de relações sociais de natureza capitalista, mercantil, que tem na subtração do valor produzido pelos trabalhadores (leia-secorrupção original) a sua razão de ser. Sob o capital, toda a institucionalidade funciona em falso, e dessa falsidade não pode nascer nada de bom do ponto de vista coletivo.
Temos de denunciá-la e combate-la, ao invés de a fortalecer. Temos de buscar a produção fora do mercado, paulatinamente, exaustivamente, como modo de afirmação da vida.
Agora, quando a realidade bate à nossa porta e torna explícita a falsa dicotomia entre direita e esquerda sob o capitalismo, só nos resta negar o próprio capitalismo e suas categorias fundantes (valor, trabalho abstrato, mais-valia, dinheiro, mercadoria, mercado, Estado, política, políticos, democracia, socialismo, nacionalismo, capital, etc.).
Temos de enfrentar tal gigante de pés de barro com todas as nossas forças; o preço a se pagar por isso não é pequeno, mas a vitória é possível. (por Dalton Rosado)
- existe também socialismo de direita, como foram os casos do Partido Nazista de Hitler, que se definia como nacional socialista; e do fascismo italiano de Mussolini, que defendia lemas ditos socialistas e nacionalistas, tendo sua legislação trabalhista sido copiada pelo ditador brasileiro Getúlio Vargas.
até ontem governando a França, Nicolas Sarkozy, de direita, foi defenestrado do poder pelo socialista François Hollande, o qual, por sua vez, hoje não consegue sequer ser candidato à reeleição, com os novos Sarkozys se apresentado como competentes governantes capazes de superar a crise do capital instalada na União Europeia.