sábado, 17 de dezembro de 2016

Na capoeira, a volta é por baixo


“Levanta, sacode a poeira e dá volta por cima”, cantava Paulo Vanzolini. Seria esta a trilha sonora dos que finalmente tiraram o PT do governo federal? Nada disso.

Para começar, somos um país que nasceu sob o governo de um herdeiro da mesma monarquia que nos colonizou por séculos.

A abolição da escravidão foi adiada muitas décadas, à espera dos acertos necessários para impedir prejuízos à elite escravocrata.

A República foi decretada por um monarquista, junto a republicanos que tinham nojo de povo.

O golpe de 1930 foi dado por um ex-ministro do governo golpeado, que uniu a elite ao garantir controle férreo sobre as organizações sindicais.

Getúlio preferiu o suicídio e Jango, o exílio, a promover um levante popular contra aqueles que eram seus inimigos políticos, mas seus irmãos de classe social.

A “redemocratização” só começou após conchavos de gabinete garantirem impunidade aos carrascos da ditadura empresarial-militar.

Logo após ser aprovada, a Constituição “Cidadã” começava a perder direitos em votações no Congresso Nacional, graças a trocas de cargos e favores.

Finalmente eleito um governo de esquerda, ministérios e setores estratégicos ficaram sob controle da direita. Henrique Meirelles à frente.

Um golpe substituiu Temer por Dilma. Mas no ministério e no apoio parlamentar continua a escória que passou pelos vários governos petistas. Henrique Meirelles de volta.

Na verdade, nossas elites dominantes sempre deram a volta por cima, mesmo que nunca tenham levado tombo algum.

Aos que lutam, só resta manter a confiança nas mobilizações de baixo para cima. Aquelas que, inspiradas na capoeira, dão a volta por baixo para derrubar o inimigo.
http://pilulas-diarias.blogspot.com.br/2016/08/na-capoeira-volta-e-por-baixo.html

NOVA PROPOSTA PARA O BRASIL SAIR DA CRISE: ELEIÇÃO DE UMA CONSTITUINTE, QUE FORMARIA UM GOVERNO TRANSITÓRIO.

Numa situação tão dramática como a atual, todas as propostas consistentes de superação da crise política devem ser discutidas, até encontrarmos uma que coloque o ovo em pé.


A mais nova é a que o analista Demétrio Magnoli expôs em seu artigo deste sábado (17) na Folha de S. Paulo. Eis os trechos principais: 
"Desde o início, o governo Temer tenta obter, ao mesmo tempo, as graças da elite política, da opinião pública e do mercado. É a implicação inevitável de seu pecado original: a carência de legitimidade eleitoral.
FHC sintetizou a fragilidade, classificando-o como uma pinguela. Hoje, corroída pela ausência da esperada recuperação econômica e sob o bombardeio da megadelação da Odebrecht, a pinguela está prestes a ruir. Contudo, sintomaticamente, nenhuma força política tem a ousadia de indicar uma porta democrática de saída da crise...
Temer (...) precisaria reconstruir o governo, afastando-se dos seus companheiros de sempre, rompendo com as figuras carimbadas pela Lava Jato e constituindo um ministério suprapartidário capaz de persistir no rumo das reformas em meio ao turbilhão dos inquéritos judiciais. 
FHC parece investir nessa hipótese improvável quando conclama o PSDB a patrocinar uma obra emergencial de concretagem da pinguela.
O labirinto do minotauro era fichinha perto disto...
O combate à corrupção e as reformas econômicas são bens públicos valiosos –ao contrário do governo Temer, que é apenas fruto casual do fracasso dolulopetismo. A pinguela pode ser substituída, mas não pelos meios conjurados por especuladores de diversos matizes, que apostam no caos institucional.
A ideia recorrente de antecipação das eleições flerta com uma violação constitucional. A proposta mais recente, de atribuição de poderes constituintes limitados ao atual Congresso, equivale a um golpe parlamentar.
Diante da falência do governo Temer, a solução democrática seria a convocação de uma Assembleia Constituinte com poderes para formar um governo transitório e refazer o pacto político nacional.
No fim, a soberania pertence ao povo. A eleição de uma Constituinte soberana representaria o reconhecimento do colapso da Nova República, mas não uma ruptura com a democracia".
O DIABO ESTÁ NOS DETALHES

"Uma profunda autocrítica"
Uma vantagem a proposta de Magnoli traz: a solução que aponta é compatível com a Constituição atual. O diabo são os detalhes.
  • Como impedir que sejam eleitos para tal Constituinte os políticos que respondem a processos ou estão sendo investigados por corrupção, sem nenhuma condenação já lavrada? E, se participarem, que autoridade moral terá esta Constituinte, já que cidadãos abaixo de todas as suspeitas estariam nela metendo suas colherzinhas imundas?
  • Se a última Constituição, gerada num momento político bem mais otimista e esperançoso, acabou distorcida por uma infinidade de lobbies que incluíram na Carta Magna dispositivos favoráveis a interesses particulares, descendo a minúcias ridículas e tornando-a um verdadeiro mostrengo (tal sua elefantíase e as incongruências nas quais incidiu para acomodar apetites tão vorazes), a tendência é de que agora a coisa seja pior ainda, pois na desmobilização e desmoralização generalizadas da atualidade, quem se organizaria para colocar seus representantes na Constituinte seriam exatamente os muitos interessados em colher vantagens quase sempre espúrias.
  • Não me parece que o povo vá se considerar genuinamente representado por um governo escolhido de forma indireta por  constituintes eleitos pela via direta. Não passaria de um copo meio cheio e meio vazio. Pelo que conheço das ruas, em termos de repercussão popular isto pouco diferiria de um governo eleito indiretamente pelos senadores e deputados federais após o TSE cassar a chapa Dilma-Temer. 
"Em 1984 havia candidatos que entusiasmavam ao povo"
Tenho, portanto, a impressão de que ainda não seja esta a solução que buscamos.

E de que não exista verdadeiramente uma solução, ao mesmo tempo, ideal e plausível sob a presente correlação de forças.

E de que, com a faca e o queijo nos bicos, os tucanos não deixarão escapar a oportunidade de tomarem diretamente o poder (via Congresso, caso o TSE casse também o Temer) ou indiretamente (como eminências pardas do atual governo, sustentando-o mas passando a ditar as decisões mais importantes, ou seja, itamarizando-o).

Os erros grotescos cometidos lá trás não nos deixam boas opções à frente. O melhor caminho, claro, seria a antecipação da eleição presidencial. Mas, se nem em 1984, com o povo todo do nosso lado, conseguimos algo parecido, agora a empreitada estaria mais para missão impossível.

No momento das diretas-já, o povo estava sem votar para presidente da República desde 1960 e tinha candidatos que realmente lhe entusiasmavam. Hoje, guarda a lembrança de haver caído num conto do vigário em 2014 (o estelionato eleitoral) e não mostra verdadeiro entusiasmo por nenhum candidato, a ponto de preferir, por enquanto, um que dificilmente terá condições legais de disputar o pleito. 
Não exageremos. Já a morte política...

O principal, neste instante, é reconstruirmos a esquerda, pois a que nos conduziu à debacle atual descredenciou-se totalmente. Precisamos fazer uma profunda autocrítica das lambanças que cometemos, depurar nossas forças e definir novas estratégias e táticas, bem diferentes daquelas que ruíram fragorosamente. 

Só depois de colocarmos nossa casa em ordem é que poderemos pensar em imprimir rumos diferentes ao nosso país. Por enquanto, o mais sensato seria deixar a burguesia descascando o abacaxi do qual tanto quis apossar-se, assistindo de camarote enquanto ela arca com todo o desgaste inerente.
https://naufrago-da-utopia.blogspot.com.br/2016/12/nova-proposta-para-o-brasil-sair-da.html

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Democracia como farsa


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A democracia brasileira é um tecido de qualidade duvidosa, sendo tencionado por todos os lados, resultando em rasgos que se abrem por toda sua extensão. O que está em questão hoje, é o que o Brasil é, e sempre foi; um país pobre, com uma incipiente e frágil institucionalidade, com partidos políticos que nada mais são que a extensão de interesses privados; grandes empresas, sócias inconfessas do Estado, e com a própria ideia de nação como algo distante e sem sentido.
No momento mesmo em que escolas e universidades e assembleias legislativas são invadidas; ruas, estradas e avenidas interrompidas; policias que abandonam sua função e se juntam aos manifestantes; operações da PF e do Ministério Público que se avolumam por todos os cantos do país; em que os líderes maiores do poder nacional articulam na calada da noite; quando o próprio presidente da República carrega a suspeição de ser parte de todo o esquema de corrupção; em que a velha imprensa faz política nas manchetes dos jornais, que a crise econômica assombra o indivíduo comum, o que se desenha com clareza é o poder e suas instituições, perdendo a legitimidade que os mantém.
O que todos se perguntam, é como pode o presidente do senado federal, ter uma dezena de processos na mais alta corte de justiça nacional, e tais processos dormitarem a mais de uma década, sem que nada lhe aconteça. O STF, é agora parte do jogo em que se tenta de todas as maneiras e artifícios, domesticar uma parte desse poder, Judiciário, levando a Lava Jato pro lugar, pensam eles, de onde ela jamais deveria ter saído, o anonimato das pastas e gavetas do ministério público, deixando impunes os corrupto, sejam grandes ou pequenos.
Ao mesmo tempo em que tudo acontece, o elemento novo é uma população digital, empurrando morro acima, a necessidade de alguma justiça e punição, algo raro, impensável e distante da realidade de quem se acostumou com o poder e a impunidade.
Embala esse teatro de horrores, o vácuo de poder político que se abriu com a bancarrota da esquerda. Com o impeachment, e a perda espetacular de prefeituras, à esquerda, nessa última eleição, o país vê levantar-se uma onda de descontentamento, de sentimentos conservadores reprimidos por décadas de politicamente correto, e autoritarismo ideológico da esquerda. A ausência de outra coisa que não fosse a esquerda liberal, no cenário cultural e político, tornando ilegítimo qualquer sentimento outro, soterrou a possibilidade do desenvolvimento de forças e ideias diferentes, e que fossem acolhidas legitimamente no palco da democracia. O resultado é agora, uma avalanche de sentimentos contidos e reprimidos que não querem apenas ser ouvidos, quer destilar ódio, vingar e afrontar, eliminando tudo e todos que de alguma maneira possam ser associados a “democracia” da esquerda liberal.
O resumo dessa história é um país carcomido pela corrupção, com todas as principais instituições do Estado e seus representantes, não apenas envolvidos na lama fétida da corrupção, mas o fato de que o próprio poder não tem mais legitimidade pras curar-se dos tumores que produziu. Esse é o buraco mais fundo de onde sairemos com imensa dificuldade; as instituições da democracia e seus representantes não tem mais legitimidade ou, perdem o pouco que tem, impedindo uma solução pelas vias legais e reconhecidas juridicamente.
A Lava Jato nos levará se assim conseguir, frente a frente com o que a democracia da esquerda liberal produziu, um modus operandi político assentado na corrupção como meio de governar. Mas se obtiver sucesso em sua empreita, o resultado será um país esfacelado diante da farsa que se tornou, por descobrir, que não construiu uma democracia, construiu uma concertação de corrupção estatal-empresarial, montada na sela de uma ideologia vendida como iluminação e modernidade.

http://lucianoalvarenga.blogspot.com.br/2016/11/democracia-como-farsa.html#.WFL4JlMrK1s

De volta ao pesadelo lulista?



Em 28/11, Marcos Coimbra publicou artigo na Carta Capital sobre as eleições de 2018. Segundo ele, “a oposição de esquerda está em vantagem e o governismo vai mal”.  

Presidente do instituto Vox Populi, o articulista cita pesquisas recentes em que Lula, sozinho:

...tem a mesma intenção espontânea de voto que a soma de todos os outros nomes. Possui mais que o dobro de qualquer candidato do PSDB, de Marina Silva (...), seis vezes mais que Temer e outros nomes à direita. Não perde para ninguém nos cenários de segundo turno, empatando com os mais bem colocados, apesar de estar no pior momento de sua trajetória.

Diante disso, diz Coimbra, ou as esquerdas disputam “com ampla chance, a próxima eleição”, ou adiam qualquer “expectativa razoável de chegar ao poder” por uns “20 anos”.

Este cenário pode facilmente se inviabilizar caso Lula se torne réu. Algo muito provável, aliás. Mas, caso contrário, nos veríamos novamente às voltas com um projeto que se mostrou totalmente incapaz de enfrentar o conservadorismo. Ou não?

Cabe aos petistas demonstrar o oposto se comprometendo com algo menos vago que justiça social e retomada do crescimento do PIB. Por exemplo, auditoria da dívida pública, corte dos juros, reforma agrária, taxação dos ricos, democratização dos meios de comunicação e revogação da legislação antiterrorista, só para começar.

Mas, acima de tudo, precisariam se comprometer a ajudar na organização de grandes mobilizações, única forma de realmente enfrentar a atual onda direitista.

Será?

Pode esquecer. Muito mais provável seria vivermos novamente o pesadelo de ver o lulismo disputando com a direita tradicional o apoio de nossos inimigos. 

http://pilulas-diarias.blogspot.com.br/2016/12/de-volta-ao-pesadelo-lulista.html

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

NERO DO SÉCULO 21: O QUE FARÁ TRUMP ENQUANTO O MUNDO ARDE EM CHAMAS? TOCARÁ TROMPETE?

DONALD TRUMP E A EVIDÊNCIA 
DO DESASTRE MUNDIAL
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"A verdade não resulta do número dos que nela creem"
(Galileu Galilei, físico italiano do século 17) 
Quando ruiu o muro de Berlim em 1989, a ideia era de que o capitalismo liberal finalmente havia trinfado sobre o socialismo real, colocando por terra a crítica marxista. Predominava, mais uma vez, a superficialidade coletiva sobre a natureza das relações sociais mercantis e sobre o conhecimento da teoria do próprio Marx pelos marxistas e seus opositores.  

Da mesma forma, setores majoritários (ou, no mínimo, bastante expressivos) da sociedade associam a vitória de Donald Trump ao triunfo do capitalismo, sentindo-se autorizados a contrariar qualquer defesa de posturas humanistas, tradicionalmente anticapitalistas, tais como a solidariedade social; a luta contra o aquecimento global e poluição do planeta; o acolhimento aos imigrantes fugidos da guerra, da fome e das falências dos estados nacionais; o apoio às greves dos trabalhadores empregados e movimento dos desempregados; a proteção dos direitos dos segmentos socialmente segregados como gays, negros, mulheres, etc. 
Queda do muro: fim do socialismo real e da guerra fria.

Estes dois acontecimentos recentes significam justamente o contrário do que aparentam ser. 

O muro de Berlim ruiu sem um tiro sequer, da mesma forma que a União Soviética se desintegrou, simplesmente porque o capitalismo de Estado impunha um critério de globalização da economia de mercado que não permitia a vida mercantil intramuros então praticada nessas regiões. 

Não é que o capitalismo liberal haja vencido o socialismo real (este último igualmente capitalista, tendo apenas uma feição política diferenciada), mas sim que ambos experimentam o fenômeno da convergência de comportamentos diante do limite interno da capacidade de expansão dos mercados sem a qual desaba todo o aparentemente sólido edifício capitalista. 

Donald Trump é a imagem de um país tradicionalmente orgulhoso de sua supremacia econômica, mas temeroso da realidade e que vê os seus empregos desaparecerem na globalização da produção de mercadorias, pois o capital migra em busca de trabalho abstrato barato para fazer face à concorrência de mercado sob a qual erigiu o seu edifício portentoso. Os Estados Unidos, um país endividado que se mantém pujante graças aos artificialismos da emissão de moeda sem lastro e do próprio endividamento, é uma bomba relógio prestes a explodir. 

Neste contexto, Donald Trump, com seu discurso xenófobo, racista, nacionalista e protecionista, representa uma fuga kamikaze pra frente. A economia mundial decadente, mais do que nunca, precisa da interação econômica entre as nações como forma de sobrevida, enquanto Trump vai na contramão desta necessidade; portanto, tudo leva a crer que logo os fatos demonstrarão a pequenez do discurso oportunista (desconfio que ignorante) com o qual seduziu um eleitorado igualmente desconhecedor da natureza da crise.
Assim, Trump, ao invés de significar o triunfo do capitalismo, representa justamente os últimos suspiros de um moribundo, que busca na irracionalidade desesperada uma saída que só aumenta o seu infortúnio, pois, como dizia Robert Kurz, “há uma contradição lógica e estrutural entre economia nacional e mercado mundial”. O discurso nacionalista de Trump é insustentável dentro da própria lógica capitalista.   

Mas a queda dos Estados Unidos é indesejada pelo mundo capitalista, aí incluída a China, detentora de reservas cambiais em dólar estadunidense e que tem nos EUA o seu maior comprador de mão única. O mundo capitalista não resistiria à falência de sua nação mais poderosa, razão pela qual dará sustentação a tal gigante de pés de barro por aparelhos. 

Mas esta sustentação artificial tem custos sociais elevados. O mundo assiste, perplexo, à progressão da crise econômica mundial: 
  • os Bric's, outrora ilhas de prosperidade, patinam (caso do Brasil e da Rússia, além da queda vertiginosa do crescimento do PIB da China);
  • vários estados africanos se dissolvem, transformando-se num turba de traficantes da guerra, de milícias étnicas, de máfias de bandidos (que agem com métodos primitivos os mais bárbaros) e de fundamentalistas religiosos.
Uma nova diáspora mundial está em curso em várias regiões e pelos mesmos motivos: a incapacidade de produção de mercadorias em níveis de produtividade compatíveis com a concorrência de mercado e a inviabilidade da vida social pela mediação do dinheiro.

O mercado agoniza, e com ele a política e o Estado capitalistas. Mas, infelizmente, predomina o medo do novo (no caso, um modo de produção que sepultasse de vez o mercado). É que tal transição significa a negação de tudo que está posto, afetando os interesses de quem detém as rédeas do poder econômico ou é a ele submisso.  

Que reação podemos esperar de um Donald Trump, se lhe dissermos que temos de doravante produzir para a satisfação das necessidades humanas e não para a maximização dos lucros empresariais? Pois bem, este homem vai comandar o maior arsenal bélico do mundo e, evidentemente, seu primeiro impulso será sempre usar a razão da força ao invés da força da razão. Defenderá seus interesses, que são intrinsecamente genocidas. 

Mas este confronto épico entre, de um lado, a irracionalidade do sistema produtor de mercadorias e seus defensores ora no poder, no ápice de suas contradições internas; e, do outro, a forma de produção que negue a riqueza abstrata concentrada em benefício da riqueza material socializada, está agendado. Teremos de enfrentá-lo, queiramos ou não. 
No Brasil vivemos a explicitação da crise política causada pela insustentabilidade econômica de um país periférico, o que assanha os interesses de políticos ansiosos por se servirem do estado; isto, ao invés de capacitar o Estado para cumprir suas funções estratégicas de salvação do sistema capitalista, torna-o frágil para tal desiderato. Sem o quererem, contribuem para o fim inevitável deles mesmos.  

No atual quadro de escassez, as instituições se digladiam na defesa de interesses corporativos, sem compreenderam a verdadeira natureza funcional da vida mercantil no seu estágio de inviabilidade de mediação social. Há furos por todos os lados, o barco faz água e surgem muitos pretendentes a heróis salvadores da pátria que não passam de pigmeus da vida social (que me perdoem os pigmeus de verdade, cuja estatura humana é bem maior...).         

Saberemos superar tudo isso sem que haja uma hecatombe bélica mundial? Esta é a pergunta que não quer calar. (por Dalton Rosado)

https://naufrago-da-utopia.blogspot.com.br/2016/12/nero-redivivo-trump-vai-tocar-trompete.html

DOM PAULO EVARISTO ARNS, O PASTOR DE QUE SEU REBANHO CARECIA NUM TEMPO DE LOBOS: IMPRESCINDÍVEL!

"Há homens que lutam um dia, e são bons;
há outros que lutam um ano, e são melhores;
há aqueles que lutam muitos anos, e são muito bons.
Porém há os que lutam toda a vida, esses são os imprescindíveis."
(Bertolt Brecht)

Para os revolucionários que prezamos os direitos humanos, dom Paulo Evaristo Arns foi um daqueles imprescindíveis a que se referiu Brecht.

Neste Brasil de ganância exacerbada e competição insana que o capitalismo globalizado engendrou, é fundamental, até para servir de antídoto, respeitarmos e exaltarmos exemplos como o que ele deixou.

Quando o entrevistei longamente em 2003, dom Paulo já era um homem combalido, que caminhava com dificuldade e tinha problemas de audição — decorrentes, esclareceu-me, de ferimentos sofridos quando de uma tentativa de sequestro num país latino-americano (pretendiam obter, em troca, a liberdade de um chefão do narcotráfico).

Tal entrevista permanece bem atual, daí eu estar reproduzindo aqui seus principais trechos, sem alterações na forma como então a redigi. Não quis privar os leitores da oportunidade de conhecer-lhe a história a partir de suas próprias palavras, que tive o privilégio de escutar numa ensolarada tarde de dia útil, no convento franciscano que fica ao lado da tradicional Faculdade de Direito do Largo São Francisco.

No final, apesar de sua dificuldade de locomoção, fez questão de percorrer comigo o longo caminho até o corredor. E se despediu com uma frase marcante: "Precisamos contar essas histórias [do que aconteceu neste país durante a ditadura militar] às novas gerações. É importante que elas saibam de tudo isso!"

A MISSÃO DO EDUCADOR

Muitos programas pioneiros, na linha da inserção social, foram introduzidos na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) entre novembro/1970 e maio/1998, período em que, como arcebispo metropolitano de São Paulo, dom Paulo foi Grão Chanceler da instituição.

Logo que se tornou o principal responsável pelos rumos dessa universidade, dom Paulo fez primeira visita ao Conselho da PUC. E disse: "Não quero uma escola de 2º grau melhorada. O que me interessa é que vocês façam uma pós que dê bons professores para todos os lugares do Brasil; e que todas as teses e tudo o que vocês discutirem além da escola se refira ao povo e ajude o povo. Que isso seja a norma daqui para a frente".

Os resultados não tardaram, diz dom Paulo. "A Arquidiocese se organizou em pastorais diferentes – p. ex., a Operária, a da Terra, a do Trabalhador –, então eu consegui que a Faculdade de Direito se interessasse em ir, durante a semana ou no sábado, à periferia e ver como se poderia ajudar essa população e quais os problemas reais da periferia. A mesma coisa aconteceu com a assistência social, que, aliás, está trabalhando nessa linha até hoje, com métodos sempre novos e recebendo apoio da Europa e de outros lugares, com uma eficiência muito grande."

Hoje, essas iniciativas pioneiras da PUC/SP encontraram muitos seguidores e há um sem-número de empresas e instituições esforçando-se para dar uma contribuição positiva à sociedade.

OFÍCIOS PARA VÍTIMAS DA DITADURA  

"Os estudantes da USP me procuraram em 1973 quando um colega [Alexandre Vannucchi Leme] foi assassinado pelos órgãos de segurança. Os estudantes se reuniram, uns 10 mil, e mandaram representantes à minha casa, à noite, para que eu fosse lá falar aos alunos. Eu disse que era melhor reunir os estudantes, mas não dava para fazer no campus da universidade, porque ele estava cercado por policiais e oficiais do Exército.

"Então, decidi fazer na catedral. Eu disse: 'Na catedral, nós falamos o que queremos, e nós falaremos aos estudantes. Encham a catedral de estudantes e de povo, que nós diremos a verdade'. E foi o que eles fizeram. Às 15h, eu fui lá, fiz aquele ato solene em favor do estudante e celebrei a missa para o falecido. Fiz o sermão sobre o não matarás!, o mandamento central dos 10 mandamentos. Foi sobre isso que eu falei para eles, e eles participaram, vivamente, da missa e de toda manifestação religiosa posterior.

"Depois, em 75, foi a vez do Herzog; em 76, a do Manuel Fiel Filho; e em 79, a do Santo Dias, quando recebemos de 150 mil a 200 mil pessoas, que andaram desde a igreja de Nossa Sra. da Consolação. A multidão foi engrossando. Ao chegar na Catedral da Sé, não cabia nem na igreja nem na praça, então nós fizemos uma cerimônia mais curta, mas muito mais participada por todos os operários."
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MISSA DE 7º DIA DE VLADIMIR HERZOG

Foi celebrada na Catedral da Sé, simultaneamente, por religiosos de três confissões: a católica (dom Paulo), a judaica (rabino Henry Sobel) e a protestante (reverendo James Wright).

"Quando o Herzog foi assassinado – lembra D. Paulo –, em 1975, os jornalistas me pediram que houvesse um ato ecumênico na catedral. Os judeus fazendo o ato deles em hebraico, portanto, não na língua que compreendêssemos. Foi impressionante e muito bonito."

Modesto, D. Paulo evitou comentar que sua decisão foi um ato de enorme coragem. Primeiramente, porque a alta hierarquia católica não viu com simpatia sua iniciativa de oficiar missa ao lado de um rabino e de um reverendo.
Depois, por ser um desafio frontal ao regime militar, que o ditador Geisel engoliu, pedindo apenas a D. Paulo que segurasse seus radicais, “enquanto eu seguro os meus”.

Finalmente, por ter, em nome de ideal de justiça e solidariedade cristãs, corrido o risco da ocorrência de tumultos e mortes que teriam um peso devastador em sua consciência de religioso.

Graças a ele, foi viabilizado o ato que acabou se tornando um divisor de águas: a partir desta vitória sobre a intimidação, a ditadura começou sua lenta, mas irreversível, marcha para o fim.

INVASÃO DA PUC EM 1977 

"Eu estava em Roma quando o Erasmo Dias, então secretário da Segurança do estado de São Paulo, invadiu a PUC sem dizer ou ter motivo nenhum. Os estudantes estavam em exame e os policiais destruíram mais de 2 mil cópias de documentos, estragaram o refeitório, danificaram os instrumentos musicais e até derrubaram um professor no chão.

"Eu fui chamado às pressas de Roma e, na manhã seguinte, já dei uma declaração ao desembarcar no aeroporto, dizendo que 'na PUC só se entra prestando exame vestibular, e só se entra na PUC para ajudar o povo e não para destruir as coisas'. Depois, nós fizemos toda uma reação contra eles e toda uma manifestação junto aos estudantes.

ELEIÇÃO DIRETA PARA REITOR DA PUC
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"No início dos anos 80, nós queríamos nos opor ao regime totalitário que estava vigorando no Brasil e provar que funcionários, professores e alunos são igualmente capazes de escolher o diretor, o reitor ou o presidente da instituição.

"Antes eu reunia o conselho de cada classe, para ter uma certa democracia entre os professores, e pedia que me indicassem o nome. Achei que era pouca democracia. Então, pedi à reitora e aos três vices para haver uma escolha entre todos os alunos, que eu aceitaria o resultado e mandaria para a aprovação de Roma.

"E Roma aprovou imediatamente. Então, foi a primeira eleição dentro de uma universidade pontifícia católica e, também, foi a primeira vez que se escolheu um reitor entre todos os funcionários, alunos e professores."

Florestan Fernandes
CONTRATAÇÃO DE
 PROFESSORES PERSEGUIDOS 

"O ministro da Justiça ordenou a expulsão de vários professores da Universidade de São Paulo. Então a reitora da PUC me telefonou perguntando se podia admiti-los entre nós. Eu disse: 'Não só pode como  deve, porque são excelentes professores e patriotas'.

"O Florestan Fernandes até escreveu um artigo me agradecendo. Ele ficou satisfeito porque pôde dirigir os estudantes da pós-graduação na PUC da maneira mais livre possível.

Paulo Freire
"Quanto ao Paulo Freire, eu fui a Genebra para convencê-lo a voltar ao Brasil, depois de 10 anos de exílio. Garanti que eu iria cuidar da chegada dele aqui. 

E mandei toda a nossa Comissão de Justiça e Paz, que eram mais de 40 pessoas, junto com amigos, para recebê-lo em Campinas.

"De fato a polícia o prendeu, mas, depois de duas horas de interrogatório, eles viram que todos estavam contra eles e soltaram o Paulo Freire, que ficou conosco, com uma grande amizade comigo, até o momento da sua partida."

CONVICÇÕES E ESPERANÇAS 

Sobre o Governo Lula, antes mesmo da crise do mensalão, D. Paulo já mostrava uma ponta de apreensão, ao se dizer esperançoso de que “o Brasil não perca esta ocasião e não afunde o barco em vez de conduzi-lo a uma margem da terra onde haja outra terra e outro céu, como diria a Sagrada Escritura; onde haja outra possibilidade de sonhar e outra possibilidade de viver com dignidade, mas para todas as pessoas e não só para uma parte".

E, inquirido sobre o menor engajamento atual da Igreja às causas sociais, ele finalizou com uma mensagem de esperança: "A Igreja é o povo. Se o povo se mobiliza bem, a Igreja também se mobiliza. Então, é preciso unir esses dois conceitos, o povo de Deus e o povo, simplesmente. Nós precisamos caminhar para a fraternidade, para uma possibilidade de todos serem respeitados como filhos de Deus e irmãos uns dos outros".
EPÍLOGO 

Não há como retratarmos a grandeza de um D. Paulo Evaristo Arns numa única entrevista. Faltou dizer, p. ex., que ele criou a Comissão de  Justiça e Paz de São Paulo e foi o grande artífice do projeto Brasil: Nunca Mais (livro sobre as violações de direitos humanos durante o regime militar), integrando também o movimento Tortura Nunca Mais, dele decorrente.

O principal, no entanto, é que suas gestões junto às autoridades salvaram a vida e evitaram a tortura de resistentes, no pior momento da ditadura.

Fiel ao espírito da igreja das catacumbas, foi o pastor que tudo fez para  que seu rebanho sobrevivesse a um tempo de lobos. Um imprescindível, enfim.
https://naufrago-da-utopia.blogspot.com.br/2016/12/dom-paulo-evaristo-arns-o-bravo-pastor.html