quarta-feira, 18 de março de 2015

O plano é jogar o PT na ilegalidade


Não é dos sons das panelas dos donos dos apartamentos dos bairros chiques das grandes cidades ou do português estropiado e ofensivo das faixas e cartazes dos "protestantes" que vem o maior perigo para o Partido dos Trabalhadores.

O "agitprop" da burguesia é apenas uma parte da estratégia da oligarquia para varrer os trabalhistas da cena política nacional.

O ato principal dessa tragicomédia está sendo montado pelo promotor Moro e sua banda, formada por delegados, policiais militares e promotores do MP paranaense.

O enredo é até simplório: prenda-se um executivo almofadinha dessas empresas acusadas de corrupção; tratem-no como um lixo humano durante alguns meses; extraia dele o que quiser, como passaporte para essa infâmia chamada "delação premiada".

O jorro das confissões destinadas a criminalizar os trabalhistas já teve início.

E como faltam provas de que eles receberam propinas, que tal forjar uma tese de que as doações legais das empresas para as campanhas eleitorais são ... ilegais?

Claro que o princípio da coisa é absurdo, kafkiano, surrealista - ou algo que o valha.

Mas é preciso lembrar que Moro e banda estão se especializando em compor melodias atonais, assimétricas e destrambelhadas.

O texto da peça que montam é para ser interpretado em palcos mal iluminados, penumbrosos, tal a sua falta de qualidade.

Estamos, porém, num país em que a Justiça condenou pessoas apenas porque elas deveriam saber dos crimes que estariam sendo pretensamente cometidos à sua volta.

A verdade é que, se a tese dos promotores moronianos for aceita, de que as doações legais para as campanhas eleitorais do PT são ilegais, será preciso anular todas as eleições e, junto com o PT, cassar o registro de todos os outros partidos políticos.

Isso porque todos eles receberam dinheiro das empresas citadas, de uma forma ou de outra, no inquérito de Moro e sua banda.

Um inquérito que, agora, mostra para que veio: se não dá para incriminar a própria presidenta, carimbá-la como corrupta de carteirinha, vamos, pelo menos, cassar o registro desse incômodo PT para que, ao menos em 2018, ele não possa participar das eleições.

Em outras palavras, vamos liquidar com o trabalhismo brasileiro e com sua principal liderança, esse nordestino analfabeto que ousou querer mudar o Brasil.

do http://cronicasdomotta.blogspot.com.br/2015/03/o-plano-e-jogar-o-pt-na-ilegalidade.html

As pautas que a direita não quer peitar



1 — Fim do financiamento privado das campanhas políticas

Quando se fala de financiamento privado de campanha, logo vem á tona a questão da corrupção.

O caminho da corrupção via financiamento privado deve ser eliminado, mas os corruptos não são os únicos interessados na questão. Há todo um mercado bilionário que também perderia. E muito.

É o mercado que desenvolveu o conceito de que a campanha boa é campanha cara, com modernos recursos tecnológicos/televisivos (sempre passíveis de edição, claro) e que muito mais do que mostrar conteúdo, quer vender “imagem”.

É um mercado de alto interesse para os grandes barões da mídia oligárquica, para a indústria da propaganda e, sem dúvida, para os “marqueteiros políticos”. Basta ver os “shows” que são os debates nas redes de televisão. Todos, claro, com patrocínio dos espaços vendidos nos intervalos…

Criamos, no Brasil, uma dependência dessa gente: eles inventaram o produto e convenceram a todos de que sem o seu produto poderiam perder. Logo, todos os políticos compram o produto, E precisam de dinheiro para isso. E pedem para as empresas. Que cobram o seu preço depois…

O financiamento público de campanha deve (ou tem que) acabar com isso. A limitação orçamentária trará as campanhas para de onde nunca deveriam ter saído: do chão, das ruas, sendo o uso da mídia apenas um recurso a mais, se e quando possível gastar a parcela que caberá a cada partido.

Acabando com o financiamento privado, matamos esses dois coelhos: a corrupção e o poder que hoje a mídia oligárquica tem sobre as campanhas e, quase que diretamente, sobre as eleições.


2 — Regulação econômica da mídia

Para algumas pessoas, abordar o tema vai parecer que estou “chovendo no molhado”. Não é o caso, se considerarmos que uma parcela, infelizmente ainda muito grande, da população brasileira só recebe (ou procura) informações pelos meios disponibilizados pela mídia oligárquica (seis famílias controlam 80% de todo mercado nacional de comunicação) e, portanto, não dispõe de informação alguma sobre o tema além da veiculada e sempre associada com censura ou com cerceamento da liberdade de expressão. Assim, há que ser didático.

a) Concessão pública

A começar, por recordar que os serviços de telecomunicações e de radiodifusão sonora, de sons e imagens são públicos, devendo ser explorados pelo Estado, diretamente, ou sob a forma de autorização, concessão ou permissão (CF, art. 21, XI e XII). O inciso XI ainda diz que cabe ao Estado dispor, nos termos da lei, “sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador…”.

Complementando o caráter público da questão, a CF ainda tem outros artigos:

— Artigo 220:

3º – Compete à lei federal:

I – regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada;

II – estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.

5º – Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.

— Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios:

I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;

II – promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação;

III – regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei;

IV – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.

Agora compare com a realidade da mídia brasileira:

— é um oligopólio onde apenas seis famílias (Civita, Marinho, Frias, Saad e Abravanel e Sirotsky) controlam quase 80% do mercado nacional de comunicação;

— Não existe a lei federal citada (a que existe é de 1962, anterior, portanto, à Constituição);

— nenhum dos princípios é seguido.

Estamos falando da Constituição Cidadã, da Constituição da Democracia. Portanto, não estamos falando de um projeto “comunista”, “bolivariano”, ou seja lá do que chamem. Estamos falando de uma constituição que está muito longe, no tempo, em relação ao atual governo. É a Constituição que deu ao povo brasileiro o comando da nação e ao Estado a obrigação de torna-la eficaz.

É nesse contexto — E SOMENTE NESSE CONTEXTO PÚBLICO — que todo e qualquer debate sobre os meios de comunicação deve ser feito. Qualquer outra forma , como tem feito a mídia oligárquica, não  passa de uma tentativa de enganar as pessoas para a manutenção de um sistema praticamente privado.

Luiz Afonso Alencastre Escosteguy
via http://www.contextolivre.com.br/2015/03/as-pautas-que-direita-nao-quer-peitar.html

Tratado sobre roubos


Roubam muito. Há anos. Trata-se de uma roubalheira generalizada. Empreiteiros roubam o Estado ao formarem cartel para participar de concorrências e ao corromperem burocratas para ter aditivos assinados. Políticos fazem indicações de seus apaniguados para cargos públicos para receberem benefícios posteriores, como a assinatura de contratos superfaturados. Surpreendo-me por que muitas pessoas estão descobrindo, só agora, o assalto dos órgãos públicos pelas empresas privadas. Durante a vida, já ouvi, mais de uma vez, sobre alguns diretores de órgãos públicos: “ele é da cota da empresa tal”. É muito comum órgãos reguladores serem dirigidos por representantes dos agentes econômicos que seriam regulados. Este controle de órgãos para efetivação de roubos é, de forma sutil, chamado de cooptação do órgão.

Políticos aprovam leis em que o roubo passa a ser legalizado. Trata-se das leis injustas, como é o caso da lei das concessões do petróleo. A empresa estrangeira fica com todo o petróleo produzido e deixa aqui royalties e, às vezes, a participação especial, que são uma parcela pequena do lucro. A sociedade vai reclamar para quem? Pois a empresa estrangeira está roubando nossa riqueza dentro da lei. Por isso, deduzo que os congressistas do mandato de 1995 a 1998 devem ter recebido grandes compensações para derrubarem o monopólio estatal do petróleo, que funcionava tão bem no país há mais de 42 anos. Foram os congressistas deste mandato que venderam seus votos para a reeleição, segundo a confissão de um deles. Por que eles não teriam vendido também seus votos em outros temas?

O roubo institucionalizado tem outra grande vantagem, pois a população pensa que não está sendo roubada. Os bancos são também agentes do roubo legal na sociedade. Será que alguém é inocente a ponto de pensar que os extraordinários lucros conseguidos por eles são devido a desenvolvimentos tecnológicos, a exportações ou à abertura para novos mercados? São conseguidos, usando uma palavra forte, na falta de outra melhor, graças à extorsão da população. Os bancos não competem com a taxa de juros, pois ela é alta em qualquer um deles. Podem competir nas propagandas e no atendimento, mas com relação à taxa formam um cartel, o que é proibido, mas difícil de ser comprovado. A população instigada a consumir pelas propagandas e carente de recursos, na sua maioria, cai na arapuca dos bancos. O que mais existe na economia é a formação de cartéis, que proporcionam lucros maiores do que se as empresas competissem.

Aliás, o Brasil é pródigo nos escândalos de roubos. Alguns deles do passado foram: anões do orçamento, Banestado, BNH, propinoduto, Jorgina de Freitas, máfia do sangue, Sivan, grupo Delfin, Marka e Fonte Cindam, e inúmeros outros. Na privatização mal explicada da Vale do Rio Doce não teria ocorrido um roubo de US$ 100 bilhões? Este é só um dos possíveis danos ao Estado das privatizações do governo FHC, se bem que o mais marcante. Infelizmente, o Brasil não era eficiente nas fases de investigação e denúncia à Justiça, e dos julgamentos.

O embaixador José Jobim foi morto, em 1979, porque contou que iria denunciar roubos na construção de Itaipu através de um livro que estava escrevendo. 35 anos depois, o Ministério Público Federal declarou que pretende abrir inquérito. No passado, a área de planejamento da Eletrobras fazia a estimativa do custo de cada obra cuja construção era recomendada pelo modelo de planejamento do setor elétrico. Este custo se mostrou, invariavelmente, menor que o valor de contratação da obra obtido através de concorrência. Por que seria?

Gostaria de ter uma informação fidedigna, após apuração que não seja da própria mídia, sobre a eventual sonegação de impostos da Rede Globo, pois até um processo da Receita Federal sumiu dentro do órgão. A apuração de desvios de dinheiro não seria para todos? Ainda sobre a mídia, tão crítica de políticos de esquerda, seria interessante saber se as quantias fabulosas pertencentes aos seus donos e apresentadores, que apareceram no “Swissleaks”, são derivadas de atividades lícitas, declaradas à Receita e remetidas para o exterior dentro da lei.

No entanto, se nos ativermos a roubos comprovados da mídia convencional, ela causa enorme prejuízo à sociedade ao roubar informação do povo, como parte de uma planejada ação de manipulação deste, tendo como maiores usufrutuários os capitais nacional e internacional. Pode-se dizer que a mídia convencional participa do conluio para explorar o povo. Este, se bem informado, decidiria melhor sobre as opções políticas, o que explica a razão por que buscam mantê-lo na inocência.

Muitos empresários roubam a mais-valia dos seus trabalhadores, acumulando riqueza e renda para si e pobreza e penúria para seus empregados. O capitalismo é o indutor da maioria dos roubos, à medida que privilegia a “esperteza”, baseia-se na ganância, no individualismo, na competição exacerbada e na falta de solidariedade. Ele prega o acúmulo de riqueza, que também é a motivação dos ladrões. Supor que a ação do capital pode ser realizada dentro da ética é algo passível de questionamentos, porque, quando se gera déficit de recursos de sobrevivência junto a trabalhadores, não se pode estar falando de uma atividade ética. Entretanto, não proponho outro sistema porque, no presente, o ser humano tem se mostrado despreparado para viver em um mundo socialista. Assim, sou obrigado a me contentar com a mitigação dos efeitos do capitalismo.

O capital, também, na sua perseguição pelo maior lucro, não “roubaria” a integridade da natureza? Lançando gases e partículas na atmosfera, rejeitos em rios, no mar e em qualquer terreno, enfim poluindo e criando déficit ambiental. O tratamento dos seus poluentes significaria custos e redução do lucro.

No sistema mundial, o capital instalado em um país desenvolvido busca roubar riquezas de países subdesenvolvidos, através da ação de suas empresas, respaldadas por seus governos, acordos internacionais e com a ajuda de traidores do povo existentes em cada país dominado. Assim, o capital internacional, estando sorrateiramente por trás dos países desenvolvidos, além de comandá-los, os remete para a dominação dos mais fracos, os subdesenvolvidos, para que transferências imensas de riquezas ocorram. Estas são, certamente, os maiores roubos do planeta.

Paulo Roberto Costa, Alberto Youssef, Nestor Cerveró, Renato Duque, Pedro Barusco, donos de empreiteiras e políticos roubaram a Petrobras. Recomendo, neste caso específico, que se descubra tudo, todo o esquema, todos envolvidos, não importando a época. Recomendo, também, o término do financiamento privado de campanhas políticas, que será um excelente começo.

Paulo Metri, conselheiro do Clube de Engenharia
No Correio da Cidadania
via http://www.contextolivre.com.br/2015/03/tratado-sobre-roubos.html

O chão firme que resta ao governo


"O governo não pode mais negligenciar aqueles que demonstram responsabilidade política e querem renegociar a transição em curso no país. 

Saul LeblonCarta Maior

Não há muito tempo, nem são tantas as opções assim. Os dados na mesa estão cada vez mais claros.

Eles exigem opções estruturais e coragem política para adota-las.

O banho-maria já não alivia a pressão da caldeira.

O governo precisa negociar o futuro do país.

E faze-lo dentro de certos critérios de bom senso histórico.

É preciso negociar com o país que ainda quer conversar sobre soluções coletivas  para os desafios nacionais.

Com o país que ainda se dispõe a erguer as linhas de passagem racionais e necessárias para a reordenação do seu crescimento e a capacitação da democracia, a quem caberá, afinal, ordenar e escrutinar a transição de ciclo econômico em marcha, determinada substancialmente pela desordem neoliberal reinante no mundo.

O governo teve entre sexta-feira e domingo um painel vivo do conflito latejante no tabuleiro.

Um conflito que ganha nitidez vertiginosa entre os que ainda querem e os que não parecem ver mais sentido em uma conversa democrática, liderada pela Presidenta reeleita com 54 milhões de votos.

Duas massivas manifestações tiveram lugar no mesmo palco simbólico da luta pelo poder no Brasil.

A plutocrática avenida Paulista, em São Paulo, tem menos de três quilômetros.

Mas condensa o poder dos bancos e das entidades empresariais, projetando-se, ademais, como um território cultural simbólico da elite derrotada em outubro de 2014.

Na sexta-feira marcharam os rostos do Brasil que vive nas periferias e ocupa os degraus de baixo da pirâmide de renda.

Foram tratados e olhados como marcianos pela mídia e por aqueles que veem em cada passo da iniciativa popular no país – do Bolsa Família, aos Mais Médicos, passando por uma passeata ou greve - as dores do parto de uma nova Cuba irrompendo do asfalto de sua pista de bike.

A crescente intolerância com essa dimensão nova da política brasileira manifesta-se no esforço de manter invisível, ilegítimo e subestimado o peso desse protagonista numericamente majoritário da sociedade.

A dificuldade cognitiva em enxerga-lo exceto nas funções subalternas é tão arraigada e difundida que a cada derrota eleitoral dos candidatos da elite o país vive um terceiro turno virulento dos inconformados.

Não por acaso, a presença desse Brasil invisível na Paulista na sexta, 13, foi reduzida à quarta parte da sua presença real pela Política Militar do governo tucano paulista e pela Globo.

‘Gente paga’, acusou o inconformismo de muitos daqueles que no domingo, tingiram a mesma avenida com uma massa colossal de rosto e demanda distintos.

A mesma dobradinha policial midiática que reduziu a um quarto os 41 mil manifestantes da sexta, segundo o Datafolha, multiplicou por cinco os 210 mil presentes ali no domingo, estimados pelo mesmo instituto de pendores sabidos.

Não se trata apenas de uma casquinha estatística.

Trata-se de criar comoção.

Aquela reação que desautoriza e abastarda a razão, a reflexão e a política e, portanto, qualquer outra opinião em contrário que desafie e ‘unanimidade esmagadora’ da sociedade –conceito que em si choca o ovo da serpente.

Foi o que fez a emissão conservadora  durante todo o domingo em flashs desde cedo que rastreavam o país em busca de acepipes para motivar o deslocamento da classe média paulista à praça da apoteose.

O 'vem para a rua' conservador teve a partir da tarde o impulso fundamental do bate-bola entre as redes de televisão e a Polícia Militar do Estado de São Paulo.

Em menos de duas horas, no afã de lotar o palco, a PM de Alckmin e a Globo multiplicaram por quatro o seu próprio exagero: de anunciados 240 mil pessoas na Paulista, por volta das 15 hs, mais que dobraram o contingente meia hora depois, para 580 mil e, na sequência, em escalada fulminante para dobrar de joelhos qualquer relutância, com perceptível sofreguidão nas vozes de um entusiasmo explicito, saltaram para a marca almejada: ‘mais de um milhão na Paulista nesse momento’.

Só então sossegaram, trocando passes para consolidar o ‘consenso’ em repetições autocomemorativas.

Orson Wells fez algo parecido em 1938, quando os recursos disponíveis eram substancialmente inferiores aos atuais.

Em 30 de outubro a rede de rádio CBS (Columbia Broadcasting System) interrompeu a grade musical repentinamente para noticiar uma invasão de marcianos.

A ‘notícia’ transmitida com requintes de realismo assustador era a primeira frase de um radio-teatro de ficção científica ‘A Guerra dos Mundos’.

A CBS  manteria o assunto no ar durante 60 minutos como se fosse verdade.

A narrativa tensa entrelaçada de flashs em espiral apavorante informava a chegada de centenas de marcianos a bordo de naves extraterrestres à cidade de Grover's Mill, em Nova Jersey.

A coisa se tornou ‘viral’, como se diz hoje consolidando-se como um marco no exercício de manipulação da opinião pública pela mídia – razão pela qual seu poder precisa ser regularizado com o antígeno da pluralidade, que os barões do oligopólio local chamam ironcamente de ‘bolivarianismo’.

A peça radiofônica de 1938, que gerou comoção e fuga em massa para locais não ‘atacados’, induzidos pela CBS, ficou conhecida como a ‘radiofonia do pânico’ ou a ‘emissão do pânico".

O que esse episódio evidenciou com notável realismo é que a emissão do pânico não torna uma sociedade vulnerável apenas a marcianos.

O peso político dos consensos manipulados pode ter efeitos desastrosos na trajetória de uma Nação.

A história do Brasil mostra isso.

O acervo do Ibope guardado no Arquivo Edgard Leuenroth, da Unicamp, reúne pesquisas de opinião pública feitas às vésperas do golpe de 1964.

Os dados cuidadosamente ocultados naqueles dias assumem incontornável atualidade cotejados com a ação do aparato midiático nas horas que correm.

Enquetes levadas às ruas entre os dias 20 e 30 de março de 1964, quando a democracia já era tangida ao matadouro pelos que bradavam em sua defesa e contra a corrupção, mostram que:

a) 69% dos entrevistados avaliavam o governo Jango como ótimo (15%), bom (30%) e regular (24%); b) apenas 15% o consideravam ruim ou péssimo, fazendo eco do que afirmavam os jornais; c) 49,8% cogitavam votar em Jango, caso ele se candidatasse à reeleição em 1965; d) 41,8% rejeitavam essa opção; d) 59% apoiavam as medidas anunciadas pelo Presidente na famosa sexta-feira, 13 de março  (em comício que reuniu 150 mil pessoas na Central do Brasil Jango assinaria decretos que expropriavam as terras às margens das rodovias para fins de reforma agrária, nacionalizara  refinarias de petróleo e cogitara plebiscitos para autorizar o voto dos analfabetos, ademais de promover uma reforma política –ele que, como Dilma, era refém de um Congresso conservador).

As pesquisas sigilosas do Ibope formam o contrapelo estatístico de um jornalismo que ocultou elementos da equação política, convocou, exortou, manipulou, orientou  e criou a comoção necessária à legitimação da derrubada violenta do Presidente da República, em 31 de março de 1964.

Em editorial escrito com a tintura do cinismo , um dos centuriões daquelas jornadas, o diário O Globo, fez recentemente a autocrítica esperta de sua participação na ficção política em que os marcianos eram os comunistas cubanos.

O Globo lamenta agora o apoio explícito ao golpe de Estado, mas justifica a violência institucional: era  inevitável, afirma, diante do quadro caótico e extremado vivido então.

O editorial da família Marinho omite a sua decisiva participação na semeadura do pânico caótico e extremado vivido então.

A comoção  inoculada  no imaginário  brasileiro  nesse momento - leiam as manchetes de qualquer jornal e listem a coluna das perdas e danos - é anterior ao consenso estatístico criada pela invasão de ‘mais de um milhão’ na Paulista - troco arredondado para ‘Milhões contra Dilma e a corrupção’, no site do Globo nesta 2ª feira.

Dilma e o PT não tiveram o apoio da classe média da Paulista nas urnas de outubro.

Não há razão para acreditar que o teriam agora em um quadro em que, sem a neutralidade do horário eleitoral para argumentar, o governo se resigna a entrevistas de ministros convocadas na verdade pela mídia para repercutir suas manchetes do dia anterior.

O agravamento da crise, com a escalada do dólar que atingiu o nervo não negligenciável de um segmento cuja pátria é o turismo internacional, ademais de elevar o custo de vida e o risco do desemprego, tudo isso foi habilmente martelado pela mídia para desaguar na catarse anticorrupção que energizou o milhão de domingo e os milhões da segunda-feira ‘contra Dilma’. 

Em time que está ganhando em saltos de mil para milhão e de milhão para milhões em um átimo de tempo, não há razões para se acreditar em mudança.

Quem precisa mudar é o governo.

Sua margem de manobra se estreita, ou melhor, ganha a nitidez prática que o bom senso político já advertia antes das eleições.

A nitidez mostra um governo sem canal de comunicação com a sociedade sendo encostada na parede por uma parte dela, para ‘atender’ a uma demanda de natureza difusa, irracional e ultimatista.

A agenda da comoção cobra de Brasília uma plataforma que não reserva outro espaço ao exercício da política que não a derrubada do governo.

Se não, vejamos.

A reforma política proposta para atacar a corrupção pela raiz, com o fim do financiamento privado de campanha, é tratada como ‘embromação’, no douto dizer de um ‘analista’ isento do jornal Valor nesta 2ª feira.

A austeridade ortodoxa – exigida pelo conservadorismo — e concedida pelo governo, é diuturnamente classificada como ‘insuficiente’, ao mesmo tempo em que se difunde o terror diante das consequências negativas que as medidas já tomadas acarretam à sociedade (desemprego com inflação em alta, dólar mais caro e juros siderais).

Mas não, ‘Dilma não assumiu o ajuste’ e , ao mesmo tempo , ‘ as medidas do ajuste já sinalizam a recessão’ , regurgitam colunistas do glorioso jornalismo de economia, auto mandatados para o exercício militante da incoerência.

As tímidas tentativas do Planalto de fazer o que o PT deveria ter  providenciado imediatamente após as eleições ou, melhor ainda, durante a campanha, ou seja, uma repactuação do país para a transição rumo a um novo ciclo de desenvolvimento são respondidas de forma peremptória pelo PSDB.

‘Não é hora de afastar Dilma nem de pactuar’, sentenciou o pavão Fernando Henrique Cardoso, assessorado pelo galo de briga das caçarolas de cobre, Aloysio Nunes Ferreira, ‘Eu quero sangrar a Dilma (para evitar Lula em 2018)’.

O que sobra, então, para traduzir as ruas em exercício político da democracia?

O impasse criado por quem insufla um milhão, ou ‘milhões’, mas não oferece alternativas críveis, exceto o sangramento de sua conveniência, costuma ser resolvido na história latino-americana da forma que sabemos.

Os selfies multiplicados na Paulista neste domingo no reencontro idílico entre uma classe média de sabidas tradições e integrantes da tropa de choque de Alckmin, evidenciam o terreno fértil à prática dessa lavoura regional.

Voltamos assim ao preâmbulo da nota publicada neste espaço na sexta-feira, após a manifestação do ‘tostão’, segundo a mídia, no mesmo palco do ‘milhão’ de domingo.

O que se dizia ali é que, se há aprendizado em política, o governo não poderia mais  ignorar o que ali se evidenciou.

O que se evidenciou ali é que existe – ainda - uma base social maior talvez do que o próprio governo supõe,  que transgrediu todas as dificuldades impostas (não só pela mídia, mas pelo PT, que se omitiu, e por Brasília, que titubeou e ficou distante) para ir ao templo das elites e ali promover uma passeata dos 50 mil tostões, antes da blitzkrieg estatística do domingo.

No altar do dinheiro e da elite paulistana, rostos, roupas e vidas de recorte predominantemente humilde -- tudo muito distinto da bem nutrida alegoria do domingo -- deixariam ali um recado que nem o temporal copioso do dia, nem o aluvião midiático posterior conseguiriam apagar: ‘Temos críticas, temos restrições, temos exigências e temos propostas. Mas queremos negociar com o governo democraticamente eleito da Presidenta Dilma’, diziam as faces de seriedade algo apreensiva debaixo da chuva inclemente.

Ainda há tempo de Brasília ouvir o recado.

O governo democraticamente eleito da Presidenta Dilma necessita, de forma urgente, negociar a repactuação do país com o futuro.

Até para tornar compreensível e tolerável as restrições do presente, que são reais.

Precisa ter um interlocutor credenciado para construir essa ponte em nome da Presidenta, com legitimidade e força política incontestável.

E precisa começar procurando quem quer conversar.

Mas, sobretudo, quem demonstra responsabilidade e discernimento político para se oferecer como um chão firme alternativo à ‘emissão do caos e do pânico’.

Esse que, infelizmente, não leva apenas a um domingão de selfies com centuriões da tropa de choque na avenida Paulista.

Ou o governo reconhece esse interlocutor e mexe no tabuleiro do xadrez com as peças que se dispõem a permanecer no jogo democrático, e de lance em lance altera a rigidez das demais, ou o governo será tomado ele próprio por uma rigidez cadavérica.

Aquela a partir da qual o xeque-mate é uma questão de tempo." 

Ter muito dinheiro torna as pessoas piores?


BBC Brasil

"De avarentos mal-humorados aos lobos de Wall Street, Hollywood já abordou sob diversos ângulos o poder corruptor do dinheiro. Mas esses relatos da tela grande são confiáveis? O dinheiro nos torna pessoas más?

O psicólogo social Paul Piff passa algumas tardes cruzando uma faixa de pedestres à beira-mar de Los Angeles, em meio a skatistas e passeadores de cães.

Graças ao grande número de endinheirados na região, não faltam carros luxuosos, híbridos ou esportivos pelas ruas.

Piff está ali para ilustrar um de seus experimentos mais provocativos: ela quer saber se motoristas ricos param menos para os pedestres do que pobres.

Motoristas são, por lei, obrigados a parar se alguém quiser atravessar a rua. E, enquanto um Lexus passa na sua frente sem deixar que ele cruze a rua, Piff explica o que seus pesquisadores descobriram.

“Nenhum dos motoristas dos carros mais baratos desrespeitou a lei, enquanto quase 50% dos motoristas de carros mais caros desrespeitou”, diz ele.

Piff também perguntou a diversas pessoas de diferentes classes sociais como elas se comportariam em diferentes cenários.

No passado, a percepção pública tendia à noção de que os mais pobres tinham probabilidade maior de agir de forma ilegal, por estarem sob pressão financeira e sob condições mais difíceis.

Mas a pesquisa de Piff sugere o contrário: que ter mais dinheiro faz com que você se preocupe menos com os outros e se sinta no direito de colocar interesses próprios em primeiro lugar.

Após quase uma década de pesquisas nessa área, Piff chegou à polêmica conclusão de que a prosperidade, em vez de transformar você em um benfeitor, pode ser algo ruim para sua bússola moral.

“(O dinheiro) torna você mais afinado com seus próprios interesses e seu próprio bem-estar”, ele diz.

“De certa forma, isso o isola de outras pessoas, psicologicamente e materialmente. Você prioriza suas necessidades e objetivos e fica menos conectado às pessoas ao seu redor. Se eu lhe der uma caneta e pedir que você desenhe um círculo para representar a si mesmo, quanto mais próspero você for, maior será seu círculo em relação ao tamanho dos círculos desenhados pelas pessoas mais pobres.”

Teste do ditador

Em seu laboratório psicológico, Piff já conduziu estudos que sugerem que as pessoas com mais dinheiro têm mais propensão a trapacear em jogos de dados, a comer doces guardados para crianças e menos vontade de ceder seu tempo para ajudar os demais.

Usando uma ferramenta conhecida dos psicólogos, o “teste do ditador”, Piff reuniu um grupo de pessoas e deu US$ 10 a algumas delas. Disse a elas que poderiam compartilhar tudo, uma parte ou nada do dinheiro com os participantes que não haviam recebido a quantia.

“A economia racional diria que os mais pobres tenderiam a guardar mais dinheiro para si mesmas e os ricos tenderiam a doar mais. Descobrimos o oposto”, disse ele. “Quanto mais rico você é, levando-se em conta diversas outras variáveis, menos generoso você é. Você dá porções significativamente menores para a outra pessoa. E os pobres eram bastante mais generosos.”

Em outro estudo, ele manipulou um jogo de Banco Imobiliário para privilegiar um jogador, dando-lhe mais dinheiro no inicio. Após dezenas de jogos, notou-se que a vitória trazia à tona o pior lado desse jogador – em modos prepotentes, no uso do espaço e até comendo mais salgadinhos do pote comunitário.

Quando nos sentimos prósperos, conclui Piff, precisamos menos das outras pessoas. No mundo real, quando as pessoas têm menos dinheiro, elas contam mais com suas relações sociais. Por isso, essas relações acabam sendo priorizadas.

Os mais ricos, em contraste, podem pagar por sua própria paz, tranquilidade e espaço – além da solução para a maioria de seus problemas. Nada como uma carteira cheia para animar os ânimos durante uma crise. Só que isso tende a isolar as pessoas das experiências das demais.

Questionamentos

As descobertas de Piff certamente têm seu encanto. Traz conforto pensar que os donos das vantagens financeiras pelo menos pagam um preço por isso. Mas nem todos estão convencidos.

A psicologia é uma disciplina carregada de dificuldades. Estudos sempre trazem fatores que confundem as conclusões: será que a pessoa que atravessa a rua o faz de modo mais confiante se estiver diante de um carro barato? Será que o motorista é realmente rico ou ele pegou a BMW emprestada de seu tio?

E dados de pesquisas populacionais são difíceis de serem decifrados. É difícil separar causa e efeito, e participantes de pesquisas de laboratório dão respostas que podem ou não ter relação com a vida real.

É só quando estudos com diferentes métodos chegam a conclusões semelhantes que os resultados começam a ser vistos como significativos.

Desde que Piff publicou sua primeira leva de descobertas, em 2010, outros cientistas ao redor do mundo têm tentado replicá-los. Alguns resultados confirmam as pesquisas de Piff; outros trazem conclusões opostas.

Um estudo holandês feito com milionários identificou que estes eram mais generosos do que a média quando se tratava de doar ou guardar para si pequenas quantidades de dinheiro.

Análises de dados populacionais feitas por acadêmicos europeus não encontraram elos entre prosperidade e falta de generosidade. No máximo encontraram o oposto: que indivíduos prósperos tendiam a oferecer mais tempo e dinheiro aos demais.

A essência do dinheiro

Mas um estudo de Kathleen Vohs, da Universidade de Minnesota, pode ajudar a explicar as conclusões de Piff. Na pesquisa, ela derrubava “sem querer” pacotes de lápis para saber se as pessoas ajudam a pegá-los do chão.

Primeiro, porém, ela preparava metade dos participantes do estudo, “alimentando-os” com frases relacionadas a dinheiro para decifrar ou notas de dinheiro para contar.

Esses participantes “preparados” costumavam ser menos predispostos a ajudar a pegar os lápis. E, em outro estudo, eles se mostraram menos generosos quando convidados a doar dinheiro para caridade.

Ao contrário do que mostravam as pesquisas de Piff, essa evidência obtida por Vohs parece ter pouca relação com o fato de os participantes serem ricos ou pobres. E os resultados foram replicados em 19 países.

“Parece que há algo na ideia de dinheiro e na forma como ele é representado na cabeça das pessoas que provoca essas reações, e parece que isso tem pouca relação com a sensação de se estar rico ou pobre”, diz ela.

Vohs afirma que basta pensar em dinheiro para evocar uma “mentalidade autossuficiente”, refletindo o fato de que o dinheiro carrega, em sua essência, transações com estranhos e o cálculo de como priorizar interesses próprios.

Você não costuma usar dinheiro nas relações com as pessoas mais queridas.

Como resultado, o dinheiro nos torna mais determinados, mas também menos sensíveis às necessidades e sentimentos dos demais.

Pesquisadores em Hong Kong levaram essa ideia além. Os professores Zhansheng Chen e Yuwei Jiang descobriram que participantes de pesquisas condicionados a pensar em dinheiro tendiam a aceitar mais transgressões morais – como colar em provas ou mentir em currículos – quando diante de dilemas éticos.

E, durante jogos envolvendo punições a participantes com barulhos altos, os preparados para pensar em dinheiro costumavam submeter seus adversários a barulhos mais altos e por mais tempo. O ato de pensar em dinheiro os torna mais agressivos.

Ou seja, o foco em preços, lucros, contas bancárias e orçamentos pode não ser benéfico para o ambiente em seu escritório ou para a integridade de sua organização.

Se você quer que seus funcionários cooperem entre si e se mantenham honestos, não os “suborne” com bônus, diz Jiang. Ele oferece uma alternativa.

“Você pode premiar um funcionário com uma viagem para o Havaí. As pessoas não pensam em dinheiro quando vão para o Havaí.”

segunda-feira, 16 de março de 2015

A anatomia do golpismo no Brasil


Osvaldo Bertolino, Fundação Mauricio Grabois

"Desde que o mundo é mundo, prever o futuro tem sido um desafio constante. Da cigana que lê a mão aos videntes e futurólogos de todos as matizes, ainda não se conheceu ninguém que fosse capaz de predizê-lo regularmente e com precisão. Seria absurdo, portanto, esperar que os “analistas” políticos que proliferam na mídia formassem um gênero diferenciado e mais eficaz de pitonisas. Eles sempre erram, e isso qualquer observador do mundo político que se preze sabe. Mas, convenhamos, suas bolas de cristal talvez poucas vezes estiveram tão ativas como agora.

Na verdade eles tentam fazer luz sobre os pontos obscuros da campanha golpista que ganhou intensidade nos últimos dias. Seguindo o velho manual da direita, a explicação básica é a necessidade de tirar o Brasil da “beira do abismo”, o clássico lugar-comum que no caso concreto tem a denominação de antipetismo, uma calculada mistificação e manobra política para aterrorizar e ludibriar a população. Essa falsa imagem, contudo, tem um objetivo nada imaginário.

Componentes de fora

O Brasil não está à beira de nenhum abismo. Pelo contrário; marcha para frente, um pouco aos trancos e barrancos, à boa maneira brasileira, buscando seu próprio caminho de desenvolvimento progressista e independente. Só pessoas completamente analfabetas em assuntos políticos — para não dizer sociológicos — acreditam nesse engodo. E o golpismo, inspirado, ditado, determinado e teleguiado por forças também nada imaginárias, vem, ele sim, se convertendo em perigo muito real e muito presente. Querem, tão somente, se instalar no poder com suas armas e bagagens.

A montagem da peça golpista tem componentes de fora, com sinais emitidos longe daqui, e vem sendo comandada por especialistas e peritos — muitos, como os grupos midiáticos, com aexpertise do golpe de 1964 —, uma operação meticulosa de preparação psicológica. A técnica da mistificação, “cientificamente” planejada, explora a fundo o ódio ao “petismo” — corruptela que expressa toda a gama de pensamento e ações que se opõem ao ideário da direita —, lucrativa indústria para alguns e preconceito incutido à força de repetição para outros.

Esse espectro “petista”, que há muito tempo vem sendo agitado sobre as cabeças desprevenidas e que há mais de uma década se transformou em realidade concreta, é o alvo das marchas da família com Deus (heresia das heresias) e os tucanos. A campanha, funcionando a todo vapor e abundantemente lubrificada com a bufunfa dos ditos bem-nascidos, prega o rótulo de “petista” em tudo o que cheira, de longe ou de perto, a ideias, opiniões, proposições, medidas, projetos, programas, reivindicações de caráter progressista.

Fariseus da politicagem

O epíteto aparece em todos os comentários da direita sobre o que pretende tocar, mesmo que de leve e de forma moderada, nos aspectos mais atrasados e nos conteúdos mais obsoletos das estruturas econômicas e sociais do país. A obseção antipetista, calculadamente dosada, empesteia o ar, disseminando pavor e terrorismo, contaminando até mentes equilibradas. Nos bastidores do medonho espetáculo, os conspiradores golpistas friamente dão os retoques à empulhação, ensaiando o coro comandado pela malta de mercenários: petismo, petismo, petismo...

Sem dúvida, muita gente de boa fé está se deixando influenciar pela onda publicitária, caindo no conto do vigário. Mas o que ninguém poderá negar, honestamente, é que nunca houve no Brasil governos que assegurassem ao povo em geral maior soma, nas condições brasileiras, de direitos democráticos como nesta era “petista”. Nenhuma perseguição arbitrária ou processo por motivos políticos, nenhuma restrição ilegal à liberdade de crítica. E ninguém pode esquecer até que ponto chegaou a virulência da mídia nesse período.

Na verdade, os fariseus da politicagem sentem horror à movimentação das massas populares. Estão, à sua lógica, com razão: a atividade política do povo é um fenômeno saudável e fecundo, sinal de vitalidade e vigor do processo de avanço, ampliação e aprimoramento das instituições democráticas. Para eles, democracia é o seu direito de manter a imensa maioria da sociedade na passividade e no conformismo, na convivência social à base do “sim-senhor”. Ou seja: o oposto de qualquer regime democrático medianamente decente.

Sacudir pelas entranhas

Dizem também que o “petismo” quer implantar uma “ditadura comunista”, a base da argumentação golpista para justificar a repugnante campanha contra a “corrupção” que teria se infiltrado por todos os poros do governo. Quando se analisa os autos, contudo, o que se vê são fatos que desmentem a falácia de cabo a rabo. E chega-se facilmente à conclusão de que a argumentação da direita é um mostrengo sem pé nem cabeça, histórias de bicho-papão, lobisomem, assombração e outras tenebrosas patranhas para enganar a legião de incautos e ignorantes — que ainda é grande neste velho mundo.

Sem máscara, os golpistas mostram sua brutal nudez. Seus objetivos reais consistem unicamente em interromper o ciclo de desenvolvimento e de crescente democratização da vida política e social do país. Eis porque se define, cientificamente, a direita brasileira como gente reacionária e antinacional. “Os déspotas sempre foram ilusionistas”, dizia o escritor russo Anton Pavlovitch Tchekhov.

Essas coisas são duras de dizer, mas devem ser ditas e repetidas. É preciso sacudir pelas entranhas os cegos que não querem ver e os surdos que não querem ouvir. Entre outras razões porque o Brasil não pode se transformar em um país de mudos, como pretende a direita com a monopolização da comunicação. Não tem outro sentido o terrorismo organizado contra a inteligência brasileira. O terror midiático é hoje o mais escandaloso dos escândalos. Ele se traduz no cerceamento ao debate, à controvérsia, à palavra de discordância, à opinião pública.

Consciência popular

Os golpistas e seus mentores (e motores) enfeitam-se, mascaram-se e se auto-proclamam os guardiões da moralidade porque sabem que o povo brasileiro, acompanhando a maioria dos povos da Terra, atingiu um certo grau de consciência democrática e de arraigado apego às liberdades constitucionais. Necessitam, por isso, enganar a opinião pública com a falácia do caos e da deterioração da democracia, agitando freneticamente o perigo da “ditadura petista”.

A essência de tudo está em que as ideias, quando apoderadas pelas massas, se transformam em força — segundo o pensamento de Karl Marx. Com suas manobras e mistificações publicitárias, os golpistas dão a oportunidade aos que olham a realidade com lentes argutas de comprovar na prática o pensamento marxista de que a força das armas da direita não é suficientemente forte para enfrentar e derrubar a força das ideias ancoradas na consciência popular.

Daí a tática da tergiversação, da mistificação, da confusão, que tem sido a tônica ideológica da direita. Pretendem com isso amortecer, desfigurar, desnaturar a autenticidade das ideias democráticas e libertárias que favorecem o curso do processo dos avanços sociais. A força só é realmente fecunda quando posta a serviço de ideias progressistas e generosas, a serviço dos interesses gerais da nação. Aí ela é concretamente emanada do povo. A força pela força não resolve nada; é mero instrumento de opressão e despotismo, que só se mantém à base da mentira e da hipocrisia.

Pouca imaginação

De resto, o cinismo da direita hoje é o mesmo de sempre. Basta recordar que igual mistificação se fez no Brasil durante a campanha abolicionista. Já em 1871, durante os debates do Projeto de Lei do ventre-livre, o gabinete conservador do Visconde do Rio Branco foi acusado, em pleno parlamento, de “governo comunista, governo do morticínio e do roubo”. Em 1884, o governo Souza Dantas, que apresentara à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei dos sexagenários, elaborado pelo então deputado Rui Barbosa, foi também chamado de “comunista”.

O deputado Souza Carvalho, defensor radical dos interesses escravistas, disse que o governo era cúmplice de “manifestações subversivas”. O Projeto, segundo ele, não passava de “pretexto para agitação, revolução e subversão social” e para “lisonjear os anarquistas e gritadores das ruas”, favorecendo “as passeatas incendiárias e demonstrações estrondosas”, permitindo “certa associação comunista” que promovia “ruidosa agitação contra uma propriedade legal, em edifícios públicos, no seio de uma escola superior”. Referia-se às manifestações organizadas pela Confederação Abolicionista e pelo Centro Abolicionista da Escola Politécnica.

Esses exemplos demonstram que a direita tem pouca imaginação, repetindo sempre as mesmas táticas e práticas. Foi assim também no golpe do Estado Novo em 1937 com o “Plano Cohen”, no governo do general Eurico Gaspar Dutra com a cassação do registro e dos mandatos do Partido Comunista do Brasil, no segundo governo de Getúlio Vargas, na conspiração fascista contra o governo João Goulart que resultou no golpe militar de 1964 e nos ataques incessantes ao governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva."

As lições de civilidade do Coelho, o anticomunista


O sociólogo Antonio Geraldo de Campos Coelho, um dos tipos inesquecíveis de minha juventude na então pacata Jundiaí dos anos 70, foi protagonista de várias crônicas que escrevi para este espaço.

A primeira foi publicada no dia 5 de novembro de 2008 - uma tentativa de retratá-lo e, ao mesmo tempo, matar a saudade de seu convívio. Ela se chama "O Coelho e o Fim das Coisas".

Outra, saiu em 4 de setembro de 2013. Nela traçava um paralelismo entre o sofisticado anticomunismo do Coelho e a indigência dos argumentos da direita de hoje. "Pensar dá Trabalho, Xingar é mais Fácil" é o seu título.

Reproduzo as duas crônicas porque acho que elas mostram, ainda que de uma forma imperfeita, como era bom viver num mundo em que as pessoas debatiam ideias e argumentavam logicamente, embora discordassem profundamente sobre muitas coisas.

E terminavam a tertúlia rindo, alegres, felizes pelo fato de sentir que, acima de tudo, o que valia naqueles momentos era a celebração da amizade e o prazer de conviver com a civilidade.

Sem mais, aí vão as duas crônicas:


Pensar dá Trabalho, Xingar é mais Fácil

O maior anticomunista que conheci nestas seis décadas de vida não foi um daqueles militares raivosos que tomaram conta do Brasil por 21 anos, nem algum político defensor do "livre mercado" ou fã de carteirinha do "american way of life". 

O maior anticomunista que conheci chamava-se Antonio Geraldo de Campos Coelho, era sociólogo, escrevia artigos quase indecifráveis para os jornais de Jundiaí, onde nasceu, viveu e morreu. 

Também era um tipo esquisitão, noctívago, cheio de manias, que tentou ser professor, mas devido ao seu temperamento um tanto quanto explosivo, acabou cuidando de uma biblioteca de uma escola da cidade.

O Coelho, como o chamavam todos os que o conheciam, adorava discutir política, mas não essa paroquial, do dia a dia, do toma-lá-da-cá, e sim as grandes linhas de pensamento filosófico, as mais intrincadas teorias, as diversas correntes sociológicas, todo esse tesouro que compõe a civilização humana.

Procurava combater o marxismo que repudiava com paixão com argumentos que supunha sólidos, irrebatíveis.

Dizia, naqueles idos tempos da ditadura militar, que era difícil encontrar alguém de direita que conseguisse sustentar um debate com algum comunista de carteirinha.

Para ele, o Brasil sofria desse problema: a direita era burra e truculenta. 
O Coelho morreu há cerca de uma década.

Acho que, se estivesse vivo, certamente reforçaria essa sua convicção de quanto tosca e primária é a direita brasileira - o noticiário e os artigos dos jornais e da internet seriam uma extraordinária fonte para fortalecer seu pensamento.

Pessoas como o Coelho, que pretendem convencer os outros com a conversa, usando o raciocínio, e não com mentiras absurdas, xingamentos, expressões de ódio de classe e puro preconceito - e até mesmo o mais rasteiro racismo - são extremamente difíceis de encontrar hoje em dia.

Nestes tempos em que a velocidade predomina, em que tudo tem de ser feito às pressas, o que se vê é cada vez mais a intolerância, o berro e a violência, substituírem a razão e o debate civilizado de ideias.

O Coelho podia, quando expunha seus pontos de vista, ser obscuro, quase ininteligível, até mesmo intransigente.

Mas ele deixava, na maioria das vezes, seu oponente numa situação complicada. Impressionava a plateia.

E, convenhamos, isso é uma maneira bem mais eficiente para convencer os outros que a sua posição é a mais correta do que chamar o adversário de "petralha" e outras imbecilidades desse tipo.

É, dá trabalho pensar...


O Coelho e o Fim das Coisas

A revista Reader's Digest traz até hoje uma seção chamada Meu Tipo Inesquecível. O título é auto-explicativo: as pessoas lembram de outras que as marcaram pelo resto da vida.

Não sei se todos tiveram o privilégio de encontrar um tipo inesquecível. Afortunado, posso dizer que lá pelos anos 70, na então pacata Jundiaí, topei com uma dessas pessoas que não se esquecem facilmente, pela simples razão de que são, de alguma maneira, diferentes das outras.

Quem conheceu o sociólogo Antonio Geraldo de Campos Coelho certamente sabe que ele era uma desses tipos. Maluco, diziam alguns; apenas excêntrico, diziam outros. Certo é que ninguém que conversasse com ele, por poucos minutos que fosse, sairia indiferente da prosa.

O Coelho tinha uma erudição total para temas que o fascinavam, como a sociologia política, e era absolutamente analfabeto para outros, mais triviais, como o futebol - ou o ludopédio, como se referia ao esporte preferido dos brasileiros.

Era cheio de manias. Não admitia, por exemplo, que o chamassem de professor - embora, em certa época da vida tivesse dado aulas. Para ele, o "epíteto" soava degradante, pois o igualava ao instrutor de capoeira, que, para o senso comum, também era professor.

Também apelidava amigos e inimigos. Entre nós havia o Chocolate, o Estilingue, o Peixe-Galo, o Menino Lobo, o Homem de Palha. Não sei porque, fiquei fora da lista.

Mas o que distinguia mesmo o Coelho dos outros mortais era o fato de que ele se dedicava, com uma paixão cega, a combater o marxismo. E, como em várias outras coisas, fazia isso de um modo peculiar: procurava vencer o inimigo por meio de argumentos, numa época em que as armas usadas em tal batalha eram outras, mais dolorosas e letais.

O Coelho escrevia, sempre contra o marxismo, para os jornais da cidade. Seus artigos eram longos, tediosos e incompreensíveis para as pessoas comuns, ou seja, quase todos os leitores. Fenomenologia era a palavra mais simples que usava.

Na verdade, não eram bem artigos: eram esboços de teses, dissertações abastecidas de notas de rodapés e citações de filósofos e pensadores de antanho, com argumentos que julgava sólidos para demolir a notável arquitetura do pensamento marxista. Como ninguém o contestava, é impossível saber se ele estava ou não com a razão.

O tempo passou, o muro de Berlim caiu, o socialismo real da União Soviética se desmanchou, e o Coelho e seu antimarxismo radical passaram apenas a fazer parte de minhas lembranças quase esquecidas dessa época de sonhos.

As poucas notícias que tive desse tempo era que ele havia abandonado seus artigos político-sociológicos e passado a falar sobre o amor platônico. Achei a opção natural. Ele apenas trocava o alvo de suas preocupações. Se não havia mais o perigo de o comunismo triunfar, que o amor fosse então vitorioso.

Há poucos anos, fiquei sabendo que o Coelho havia morrido. Antes disso, porém, talvez vendo que já estava perto da viagem final, combinou com os poderes constituídos trocar a sua biblioteca por um túmulo no cemitério que mais apreciava, por ter sido feito num morro e ser bastante amplo.

E lá ele descansa. E estaria ainda num lado de minha memória não fossem essas últimas notícias, vindas de todas as partes, dando conta de que também o capitalismo - ou pelo menos seu lado mais radical - não deu certo e a nação mais poderosa do mundo, ícone supremo da livre iniciativa, elegeu seu primeiro presidente negro para consertar a lambança feita pelo antecessor branco, de extrema-direita, cristão fundamentalista, um verdadeiro horror.

Gostaria que o Coelho estivesse por aqui para me explicar algumas coisas que eu não consigo entender muito bem.
http://cronicasdomotta.blogspot.com.br/2015/03/as-licoes-de-civilidade-do-coelho-o.html#more

Qual será a resposta do governo e do PT?


Breno Altman, Opera Mundi 

"A escalada contra a presidente Dilma Rousseff se transformou, a partir deste domingo, em movimento reacionário de massas. A última vez que assistimos fenômeno dessa natureza foi às vésperas do golpe militar de 1964, com as marchas que abriram alas para os tanques.

Ainda que a situação política seja distinta e não estejamos às beiras de uma ruptura constitucional, menos ainda da intervenção militar apregoada por frações do antipetismo, mudou de qualidade a disputa entre os dois campos nos quais se divide atualmente o país.

Setores numerosos das camadas médias colocaram na ordem do dia a derrubada de um governo legitimamente eleito. Contam com a associação dos principais meios de comunicação e partidos de direita, incluindo elementos da base aliada.


A chefe de Estado e o Partido dos Trabalhadores precisam decidir qual rumo irão tomar diante deste novo fato político.

A patética entrevista dos ministros Miguel Rossetto e José Eduardo Martins Cardoso, na noite de ontem, aponta o caminho da conciliação e do acordo.

Não tiveram a elegância de ir a público no dia 13, quando o movimento sindical e popular saiu às ruas para defender a democracia e protestar contra o ajuste fiscal.

Mas açodadamente se apresentaram para conferência de imprensa, ao vivo, depois das manifestações convocadas pela República de Higienópolis. Seu discurso as avalizou como democráticas por terem sido pacíficas, além de oferecer uma mão estendida e trêmula para o diálogo.

Não foram capazes nem sequer de denunciar atuação partidária e manipuladora da Rede Globo, uma concessão pública, claramente transformada em porta-voz da intentona reacionária.

Possivelmente o complemento desta atitude seja imaginar que o governo, para se proteger, deva abrir ainda mais espaços para o conservadorismo na composição do gabinete, dobrar-se com maior genuflexão ao parlamento e renunciar mais claramente à agenda sufragada nas eleições de outubro.

O raciocínio implícito a esta orientação é de que sempre existe a possibilidade de evitar o confronto contra classes sociais e grupos políticos hostis a quaisquer mudanças que minimamente afetem seus interesses ou potencialmente ameacem sua hegemonia.

Getúlio Vargas ceifou a própria vida porque acreditou nesta suposição e viu-se encurralado. João Goulart foi apeado do poder e morreu fora do país porque partilhou a mesma ilusão.

Se for esta a estratégia, por falar em história, o governo correrá o risco de repetir cenário provocado por Neville Chamberlain, então primeiro-ministro inglês, quando cedeu a Tchecoslováquia para os alemães, em 1938, tentando apaziguar Hitler. “Entre a guerra e a desonra, escolheu a desonra, e terá a guerra”, afirmou Winston Churchill, seu clarividente conterrâneo e sucessor.

Mas há outras alternativas à disposição da presidente e do PT.

A mobilização do dia 13 demonstrou que existem potentes reservas de apoio para Dilma recompor o bloco político que permitiu seu triunfo em outubro. Há espaço para a construção de uma frente ampla que defenda a democracia e as reformas populares, buscando reunir nas ruas as forças que faltam ao governo dentro das instituições.

Obviamente este passo será possível apenas se a política econômica e a própria composição ministerial forem revistas.

A presidente instalou um clima de confusão, divisão e desânimo nos últimos meses, com as medidas de ajuste fiscal e a nomeação de ministros sem qualquer compromisso com o programa vitorioso em 2014.

Talvez acreditasse que seu problema principal fosse o mesmo de sempre: como obter maioria parlamentar e apaziguar o capital, de tal forma que sua administração pudesse evitar o isolamento e enfrentar as dificuldades da economia.

A dimensão da jornada antidemocrática, no entanto, mostra que é outra a questão crucial: sem uma repactuação urgente com o campo popular, o petismo perderá as condições de disputar vitoriosamente as praças públicas, os corações e mentes dos milhões de trabalhadores que formam sua base social.

Não há tempo a perder, esta é a verdade.

Os próximos dias e semanas valerão por anos.

O projeto histórico representado pelo PT e a esquerda está em perigo real e imediato.
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