BOLSONARO MENTE
O registro da reunião ministerial de 22 de abril, cuja divulgação foi liberada por decisão de Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal, na 6ª feira (22), traz novas evidências conclusivas sobre o que já se suspeitava: o presidente Jair Bolsonaro mente.
Depois do vídeo, a versão presidencial de que queria interferir na sua segurança pessoal, e não na superintendência da Polícia Federal no Rio de Janeiro, torna-se completamente inverossímil.
Como demonstrou reportagem da TV Globo, menos de um mês antes da reunião Bolsonaro havia promovido o responsável por sua segurança e o substituído pelo então número dois na função.
No vídeo, o presidente fala textualmente:
"Já tentei trocar gente de segurança no Rio, oficialmente, e não consegui. E isso acabou. Eu não vou esperar foder a minha família toda (...) porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele. Se não puder trocar o chefe dele, troca o ministro. E ponto final. Não estamos para brincadeira".
Tudo o que ocorreu depois da reunião se encaixa na narrativa do ex-juiz Sergio Moro. Não há dúvidas de que o presidente trata da PF, um órgão de Estado, quando promete ir até o fim para fazer valer a sua vontade antes que a sua família seja atingida.
De resto, o encontro do ministério entra para a história dos 130 anos da República no Brasil como um dos episódios mais execráveis do exercício do poder presidencial.
Evidencia-se, nos termos chulos, nos rompantes autoritários e nas exibições de incapacidade gerencial diante de uma crise monstruosa, que Jair Bolsonaro aviltou e avilta a Presidência da República, colocada pelos constituintes de 1988 no pináculo do edifício democrático. A democracia que o elegeu é a mesma que tem sido vilipendiada por seus atos e suas falas.
Partem do próprio presidente as ofensas a governadores. O celerado à frente da pasta da Educação quer cadeia para ministros do STF, que qualifica de vagabundos.
Mandatários estaduais e municipais também serão alvo de pedidos de prisão, promete a exaltada ministra que cuida, paradoxalmente, dos Direitos Humanos.
Um elemento a mais aparece no vídeo. Bolsonaro afirma que tem acesso a um dispositivo de inteligência particular. Ora, nada no ordenamento constitucional, nem nos princípios que norteiam as sociedades democráticas, autoriza o chefe de Estado a dispor de um aparelho pessoal de bisbilhotagem.
Por tudo o que se mostrou, o procurador-geral da República, Augusto Aras, está obrigado a aprofundar a investigação acerca da conduta de um mandatário que, além de cercar-se de assessores insanos, autoritários e incapazes, pode ter cometido crimes. Que Aras se mostre à altura do cargo que ocupa.
A apuração não pode se deter, ademais, diante de ameaças abjetas como a do general Augusto Heleno, do GSI, segundo o qual uma eventual apreensão do celular presidencial teria consequências imprevisíveis.
Dados a baixeza e o desvario mostrados numa reunião formal, assusta de fato imaginar o que Bolsonaro diz em privado. (editorial dominical da Folha de S. Paulo)
Toque do editor — mais um editorial da Folha tem o tom inconfundível que os jornalões adotam quando a remoção de um presidente da República já foi decidida pelos poderosos e o processo entra em suas etapas derradeiras.
Aliás, também na edição de hoje (24), o jornal publica um minucioso e didático passo-a-passo de como retirar-lhe a faixa presidencial em função dos crimes de responsabilidade por ele cometidos, de seus crimes comuns ou dos crimes eleitorais da chapa Bolsonaro-Mourão. Ou seja, já não se discute o SE, apenas o COMO e QUANDO.
Dá-me um tédio imenso ver quantos internautas continuam torcendo para o lado perdedor de uma partida que, até onde eles conseguem entender o que presenciam, estaria 0x0, mas cujo verdadeiro placar é 7x1 contra o time para o qual torcem, faltando apenas uns 5 minutos para o apito final.
Por último: seria cômico, se não fosse trágico, ver o esforço desses torcedores em apresentar a divulgação do vídeo incriminador como uma vitória do Bolsonaro, quando, na verdade, foi catastrófica para ele em termos jurídicos (o diabo mora nos detalhes, e são exatamente os detalhes que mais facilmente passam despercebidos aos leigos) e causou uma impressão horrorosa nas pessoas dotadas de capacidade crítica, sofisticação e espírito solidário, tanto no Brasil quanto (mais ainda!) no exterior.
Ou seja, exultam em ver um presidente e seus ministros se comportando como fanfarrões delirantes, desmiolados e desbocados, o que fez daquela reunião "um dos episódios mais execráveis do exercício do poder presidencial" em toda a história de nossa República, como bem avalia o editorial da Folha.
O espetáculo de aberrações que se desenrola sob nossos olhos desde 2018 jamais poderá ser esquecido. Adiante, quando essa trupe grotesca tiver sido atirada na lixeira da história, certamente se atribuirá toda a culpa ao Bozo e seus celerados de estimação, assim como o nazismo foi apresentado como uma obra diabólica de Hitler e seus cúmplices imediatos.
Mas, nazista era quase todo o povo alemão antes de a guerra tomar outro rumo com a fracassada invasão da URSS. E 39% dos eleitores brasileiros foram capazes de tornar presidente da República um indivíduo que não preenchia os mais ínfimos requisitos intelectuais, equilíbrio mental, valores éticos e histórico pessoal para ser nem mesmo síndico de condomínio. (por Celso Lungaretti)