quarta-feira, 29 de junho de 2016

Qual a prioridade? O banqueiro bilionário ou a criança faminta?

Por que existem alguns poucos bilionários no Brasil enquanto muitas outras pessoas passam fome?


Esses bilionários trabalham mais que os demais? Ou são mais inteligentes? Eles merecem suas fortunas? É uma questão de sorte?

Por que existem pessoas que trabalham muito durante toda a sua vida, vários são até considerados bem inteligentes, e mesmo assim não chegam nem perto de se tornarem milionários?

Por que algumas dessas pessoas, mesmo trabalhando muito e sendo capacitadas, vivem em condições precárias de vida?

Por que mendigos morrem de frio em frente a prédios com dezenas de apartamentos desocupados?

Essas perguntas, a princípio, possuem respostas bastante complexas, certo?

Pois é, mas há alguns dias eu estava folheando a revista do CREA/RS, edição de maio/junho de 2016, e me deparei com o seguinte gráfico representativo dos gastos do orçamento público brasileiro:




Só olhando para ele salta aos olhos a maior parte de todas as respostas para as perguntas que fiz acima. É tão flagrante que chega a ser constrangedor.  

Suponha que você fosse eleito para administrar o orçamento público e recebesse a informação que estava faltando dinheiro para os serviços básicos. Suponha ainda que você não tenha nenhuma noção de administração e finanças, e te mostrassem esse gráfico acima. Por onde devemos começar a mexer para ajustar o orçamento? Qual item é o mais crítico?

Uma criança seria capaz de responder facilmente a pergunta, é tão lógico que chega a ser infantil. Mas então por que só ouvimos os nossos governantes e nossos jornais citarem o “rombo” da previdência, o gasto com saúde, educação, programas sociais e quase nunca ouvimos falar em auditoria e renegociação da dívida pública?

Em resumo, praticamente metade de todo o nosso orçamento está indo para as mãos de banqueiros e especuladores financeiros, limpo, “legalmente”, enquanto crianças não têm acesso à educação básica e enquanto cidadãos que trabalharam a vida inteira estão morrendo nas filas de hospitais públicos sem atendimento. Esse tipo de gráfico explica em grande parte porque 0,9% dos brasileiros detêm 60% da riqueza do país. Veja bem: 46% para a tal dívida, enquanto a menos de 4% vai para a saúde e educação e pouco mais de 20% vai para custear a tão “badalada” Previdência Social.

Embora houve várias políticas inclusivas nos últimos anos e houve uma ascensão na renda das classes mais baixas da pirâmide social, nem o Presidente FHC, nem o Presidente Lula e nem a Presidenta Dilma tomaram qualquer atitude ou protagonizaram qualquer política para mexer nos privilégios dos poucos e riquíssimos brasileiros que se beneficiam da dívida pública para enriquecer sem produzir um único pirulito sequer. Nenhum deles jamais pensou em auditar essa grotesca e injusta dívida ou em taxar grandes fortunas. O fato de todos eles terem tido suas campanhas financiadas por grandes bancos e agentes financeiros deve ser pura coincidência.

Com o Sr. Michel Temer e sua “ponte para o futuro” obviamente não preciso nem dizer que não há possibilidade nenhuma de avanço nesse sentido. Os primeiros discursos de seus ministros apontam como ações para resolver o problema do orçamento público a Reforma da Previdência (fazendo novamente o trabalhador assalariado pagar a conta, se possível trabalhando e “contribuindo” até o dia de sua morte) ou então a genial “desvinculação de gastos públicos”, que retira a obrigatoriedade de reservar uma parte do orçamento para um determinado fim, como saúde e educação. Na prática, acabará diminuindo ainda mais os recursos para essas áreas, sucateando ainda mais a saúde e educação públicas, como ilustra bem a reportagem da BBC no link a seguir:http://www.bbc.com/portuguese/brasil/2016/05/160517_desvinculacao_saude_ab.

O fato das grandes empresas de planos de saúde serem também grandes financiadores de campanhas, inclusive os maiores financiadores das últimas campanhas do novo Ministro da Saúde Ricardo Barros, também deve ser pura coincidência.

Mas e nossa imprensa, por que continuam dizendo que a Previdência Social é o grande vilão do orçamento? (Veja você mesmo como o site da Rede Globo trata a questão do que chamam de “rombo” da Previdência: http://g1.globo.com/economia/noticia/2015/05/sem-mudar-fator-previdenciario-deficit-do-inss-ja-iria-r-7-tri-em-2060.html .

Por que as poucas família que controlam toda a nossa mídia (jornais, TVs, rádios e revistas) querem que os assalariados trabalhem até a morte e não discutem com clareza assuntos importantes como auditoria ou renegociação da dívida, ou ainda taxação de grandes fortunas? Por que os especuladores financeiros e donos de bancos continuam comprando seus helicópteros, lanchas e carros de luxo às custas do sangue da grande maioria da população e não há um Globo Repórter especial para denunciar esse escândalo?

Não vou responder a pergunta. Vou apenas citar alguns fatos abaixo e deixar que cada um chegue às próprias conclusões:

- Segundo a Revista Forbes, conforme publicação de 2014, a família Marinho, dona da Rede Globo, é a família mais rica do Brasil, com uma fortuna estimada em quase 30 bilhões de dólares:http://www.valor.com.br/empresas/3547766/familia-marinho-e-mais-rica-do-brasil-diz-forbes .

- Segundo reportagem da Revista Carta Capital, em 2015, mesmo com a crise financeira, o Grupo Globo aumentou seu lucro líquido, saltando para mais de 3 bilhões de reais, e grande parte desse lucro foi conseguido com o “mercado financeiro”, especialmente com a vulnerabilidade do câmbio e com a subida da taxa básica de juros. A reportagem é excelente e recomendo que tirem um tempo para leitura: http://www.cartacapital.com.br/blogs/intervozes/em-meio-a-crise-economica-globo-tem-lucro-liquido-superior-a-r-3-bi .

- A TV Globo vendeu mais de 3 bilhões de reis em cotas comerciais para 2006. Entre os seus principais parceiros estão os Bancos Itaú, Santander e Bradesco:http://propmark.com.br/midia/globo-vende-mais-de-r-3-bilhoes-de-cotas-comerciais-para-2016 .

Enfim, como disse antes, são só fatos. Cada um pode ligá-los como achar mais adequado.

Mas vou terminar o texto exatamente como comecei, com algumas perguntas para reflexão:


Será que a regulação da mídia e o controle de propriedade dos meios de comunicação, evitando o monopólio e a acumulação de meios por uma mesma família, como existe em quase todos os países desenvolvidos do mundo, pode ser considerado censura ou ataque à liberdade de imprensa?

Será que uma mídia mais diversificada e plural, com espaços para organizações públicas e não governamentais, não seria muito bom para o desenvolvimento da nossa sociedade e para uma participação mais ampla da mesma em temas polêmicos e importantes?

Será que são os políticos os únicos culpados pela pobreza, miséria, fome e violência existentes na sociedade brasileira?

Até onde pode chegar a ganância e o egoísmo em um ser humano?

“Quanto vale a vida”?

Até quando usarão a tal “meritocracia” para explicar o inexplicável e para justificar injustiças flagrantes?

A quem interessa que sejamos tão divididos?
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Vi no: http://francamente1909.blogspot.com.br/2016/06/qual-prioridade-o-banqueiro-bilionario.html




O QUE OS LEITORES QUEREM: UM JORNALISMO QUE BUSQUE O MÁXIMO DE ISENÇÃO OU UM ESPELHO DAQUILO QUE PENSAM?




fonte: Observatório da Imprensa


Há muito já sabemos que imparcialidade não existe nem em sentença judicial, quanto mais na produção diária de notícias. A crítica aos jornais deve também passar por uma crítica de consciência do leitor. Não basta acusar a ausência de imparcialidade das mídias jornalísticas, o que é importante, pois deve-se ir além. A busca pela imparcialidade está hoje mais na capacidade do leitor de buscar diferentes narrativas factuais e pontos de vistas entre as inúmeras fontes e formas de acesso trazidos pela era digital do que pela ação editorial dos jornais que, como já sabemos, nunca foram capazes de tal feito.
Anteriormente considerado um produto altamente perecível (o que as bancas de jornais não vendiam até o fim do período da manhã estava fadado ao encalhe), os jornais agora são reverberados pelos leitores através das redes sociais, durante o dia todo e, muitas vezes, pelos dias subsequentes (no último caso, o que importa não é a novidade da notícia em si, mas a capacidade de permitir passar a ideia que o leitor tem sobre o mundo ou seus problemas).
Cada vez menos o editor tem controle sobre o impacto do que é publicado. Segundo a Reuters, o brasileiro é o que mais consome notícias por redes sociais (70%) e o que mais comenta (44%). Uma notícia ou artigo em local de pouco destaque em um jornal pode ser compartilhado quase infinitamente, ganhando uma visibilidade antes impensada editorialmente. O 4º poder está mudando e isso deve-se muito à forma pela qual o leitor se relaciona com as notícias.
A pluralidade se esvai nos editoriais e nos artigos de opinião
Para repercutir uma mesma forma de pensamento vale qualquer coisa. De Joselito Müller a Diário Pernambucano, conhecidos por inventarem notícias falsas, são reproduzidos nas redes sociais como verdades desde que o artigo ou “notícia” tenha a mesma linha de pensamento de quem compartilha, o que, para muitos, parece ser o suficiente para ser verossímil.
Nesse ínterim, notícias sem qualquer relação com a verdade, como o gasto de milhões pelo Ministério da Cultura para a produção de uma estátua com mulheres seminuas em homenagem ao funk, tampouco com um discurso minimamente verossímil, como a instituição do bolsa-prostituta que daria dois mil reais ao mês para as mulheres que deixassem esta profissão,
Os grandes jornais de hoje não vivem só de novidades. Os artigos de opinião têm a capacidade de se aproximar do leitor (não necessariamente dialogar) e fogem da perecividade comum às notícias. Estas últimas servem, no entanto, como combustível para novos artigos opinativos, originais ou não, de qualidade ou não, repetitivos ou não. O número de artigos de opinião é quase tão grande quanto o noticiário. Basta ir a jornais como Folha de S.PauloEstadão e O Globopara perceber isso. Vendem, inclusive, a ideia de que essa pluralidade é sinônimo de isenção. Mas quem lê Guilherme Boulos, lê Kim Kataguiri?
A maioria dos articulistas conversa com um público específico, dado à reprodução de seus artigos nas redes sociais, pequenos sites, blogs ou demais páginas digitais, como música de uma nota só, repetitivamente, exaustivamente. Tal “pluralidade” defendida pelos jornais serve menos como análise dos fatos e mais como marcador de determinados pontos de vista ou ideologias compartilhadas por certos grupos de pessoas.
Nos pequenos portais de notícias, a pluralidade se esvai tanto nos editoriais, nos artigos de opinião, como nas notícias que produzem e reproduzem, geralmente contra ou a favor de alguma coisa. De Brasil 247 à Folha Política, quem entra lá sabe exatamente o que vai encontrar. Funcionam como as reprises dos programas e desenhos infantis – muitas vezes fantasiosos –, que não cansam as crianças mesmo sendo repetidos e repetidos indefinidamente, sem apresentar novidades no enredo. Diz a psicologia infantil que isto está ligado à capacidade das crianças de terem controle sobre o que veem. Sem surpresa, sabem, de antemão, que o rato dará um jeito de escapar do gato até final do episódio e que tudo acabará como deve acabar: sem sustos. O mesmo comportamento parece permanecer em muitos leitores, já adultos.

UM POUCO DE HISTÓRIA: XADREZ DO BREXIT BRASIL



A história é repleta de paradoxos. É como uma espiral, sempre dá voltas retornando ao mesmo lugar, mas alguns degraus acima, como dizia o músico e filósofo Koellreutter. Há enormes semelhanças entre as crises das primeiras décadas do século 20 e as atuais, culminando com o Brexit do Reino Unido, a campanha pela saída do Reino Unido da Comunidade Europeia, que foi vitoriosa no referendo.
Desde o século 19 há a disputa pelo controle das políticas econômicas nacionais, entre a proposta globalizante – liderada pelo grande capital internacionalizado – e os projetos nacionais.
Esta disputa está na raiz da economia como ciência. De um lado, o pensamento majoritário de crença no mercado, que nasce com Adam Smith, com o mundo racionalmente integrado por economias nacionais, cada qual fundando-se em suas vantagens comparativas.
De outro, o desenvolvimento da economia política, a convicção sobre o papel do Estado nacional para criar a competitividade sistêmica, a partir das ideias do norte-americano Alexander Hamilton, sistematizadas depois pelo economista alemão Friedrick List. Nesse modelo, mercado interno passa a ser tratado como ativo nacional, assim como a proteção das indústrias nascentes, os investimentos estratégicos para conquistar mercados etc.
Na base de tudo, sistemas eleitorais nos quais os dois lados irão vender suas utopias, sobre qual modelo é mais eficiente para levar o bem-estar à maior parte da população eleitora.
Primeiro passo - a integração dos mercados
No século 19, a expansão da economia global, as novas rotas marítimas, a integração continental com as ferrovias, permitiram alguma integração internacional através do comércio.
O passo seguinte foi através dos fluxos de capitais, a primeira articulação efetiva entre países, a partir da coordenação do Banco da Inglaterra, tendo como parceiros os bancos centrais da Europa e dos países periféricos – no caso nosso, do Banco do Brasil cumprindo essas funções.
A cooptação das elites nacionais se dava através de três personagens centrais:
1.      Os capitalistas locais, que já mantinham relações com a banca inglesa.
2.      Economistas portadores das últimas novas da nova ciência, incumbidos de criar a utopia de que a livre circulação de capitais traria a prosperidade geral.
3.      Políticos eleitos, turbinados pelos recursos dos capitalistas e pelas utopias dos economistas.
A globalização viceja fundamentalmente em países democráticos, em que o jogo se decide pela cooptação dos vários agentes de opinião pública: intelectuais, jornais, políticos, advogados.
No meu livro “Os Cabeças de Planilha” detalho melhor esse modelo e a maneira como cooptaram Rui Barbosa, o primeiro Ministro da Fazenda da República.
Com esse pacto instituiu-se o predomínio do capital financeiro, abolindo qualquer forma de controle e regulação de mercados em um longo período que vai das três últimas décadas do século 19 até a Primeira Guerra Mundial.
Permitiu-se a criação de uma gama extraordinária de novas operações de mercado, visando turbinar ainda mais a especulação.
No tempo de Rui Barbosa, já se batizara de “tacadas” as jogadas possíveis com o controle da moeda, do crédito e a liberação do câmbio, que incluíam jogadas em bolsa, concessões ferroviárias escandalosas, operações de crédito com estados e União.
Esse modelo gera uma dinâmica que se espalha por várias economias até implodir o próprio modelo: Força política --> Desregulação de mercado --> Criação de novos instrumentos financeiros --> Geração de bolhas especulativas --> Implosão.
No caso brasileiro, o resultado foi a grande crise cambial do encilhamento, no nascimento da República, que atrasou por trinta anos o desenvolvimento do país.

Segundo passo - O choque de realidade
Aí chega a conta. Sucessivas bolhas especulativas minam as economias nacionais, mas o sistema político não consegue reagir porque, no período de predomínio da financeirização, sufocam-se as alternativas democráticas de mudança de rota.
Os cidadãos são tomados de profundo ceticismo em relação ao modelo político vigente, tanto interna quanto externamente, em relação às instituições multilaterais, em geral criadas para impor o poder do credor sobre os devedores.
As consequências fazem parte da história: Primeira Guerra, marcando o início do fim do modelo; crise de 1929 assinalando seus estertores; as disputas cambiais-comerciais entre nações; o nascimento do comunismo na Rússia (ainda uma economia feudal) e do nazi-fascismo a partir das disputas eleitorais na Alemanha, França e Espanha; a incapacidade da Liga das Nações em arbitrar conflitos nacionais. Na sequência, a consolidação de regimes ditatoriais até o desfecho final na Segunda Grande Guerra.
Os tempos são outros, o desfecho certamente será distinto, mas os sintomas são os mesmos.
Desde 1972, a financeirização passou a comandar as políticas nacionais. A expansão do capitalismo norte-americano turbinou a China, da mesma maneira que o inglês turbinou os Estados Unidos no século 19. Montaram-se os grandes blocos econômicos, abolindo as fronteiras nacionais.
No plano socioeconômico, abriu uma enorme janela de oportunidades, brilhantemente aproveitada pela China e pelos Tigres Asiáticos, relativamente aproveitada pela América Latina.
Países com baixos salários começaram a se industrializar, como chão de fábrica das grandes corporações. E países que não lograram desenvolver uma estratégia eficiente ficaram fora do baile.
Mais que isso, com o avanço das redes sociais e das diversas formas de comunicação global, a expansão do mercado de consumo e dos valores ocidentais, e sua contraposição, nos movimentos fundamentalistas em países de pouca tradição democrática,abrem espaço para um redesenho da geopolítica mundial. Nesse entrechoque de culturas, países inteiros foram destroçados devido ao desmonte de suas instituições. Trocaram uma ordem anacrônica, antidemocrática, pelo caos.
Em fins do século 19, as diversas guerras e crises europeias e do Oriente Médio promoveram um formidável fluxo de migração para os emergentes, beneficiando substancialmente EUA e América do Sul com mão de obra de qualidade superior.
No século 21, o fluxo migratório inverteu, com populações inteiras de nações destroçadas ou que perderam o dinamismo, invadindo o mercado de trabalho dos países centrais, já assolado pelas perdas de direitos, consequência dos ajustes que tiveram que serem feitos para impedir a quebra dos sistemas bancários nacionais.
Os efeitos são visíveis:
1.      Aumento do individualismo e da xenofobia.
2.      Crise dos partidos tradicionais e das instituições internas.
3.      Crescimento dos partidos de direita, estimulados pelas mídias nacionais, que pretenderam cavalgar a onda para ampliar seu poder político, ante as novas formas de comunicação.
É o que explica o referendo britânico.
A integração europeia era defendida pelo establishment político, financeiro, acadêmico. E foi derrotada pelo voto de protesto difuso, no qual se misturaram  a ultradireita xenófoba e a esquerda antiglobalização. Ou seja, a elite perdeu o controle das massas. O regime democrático torna-se disfuncional. E a maneira encontrada para controlar as pressões nacionais – a camisa de força da União Europeia – começa a fazer água.
Os desdobramentos no Brasil
Todos esses episódios têm desdobramentos no Brasil.
De 2008 a 2012 o Brasil se beneficiou da estratégia anticíclica de Lula e da sobrevida da especulação internacional com commodities, que garantiu alguns anos a mais de fartura.
Quando a crise derrubou as cotações de commodities, depois de dois anos de bom governo Dilma perdeu o rumo. Não conseguiu definir uma estratégia econômica, política, ou social, como ocorreu na crise de 2008 com Lula.
A crise derrubou o ânimo nacional e incendiou as ruas, com multidões insufladas pela mídia e compondo uma geleia geral ideológica: contra os impostos e a favor da melhoria da educação e saúde públicas.
A insatisfação foi turbinada pela Lava Jato, pela piora nas expectativas econômicas e pelos problemas com os serviços públicos. Mas não resultou em um conjunto articulado de propostas, encampado por algum partido político ou alguma liderança emergente. Houve apenas a insatisfação generalizada que abriu espaço para a ação descoordenada de grupos oportunistas de diversas espécies, como os grupos de Cunha-Temer, a Lava Jato, a mídia, os mercadistas. E isso em uma quadra da história em que escassearam as figuras referenciais, na política, na Justiça, no MPF, nos partidos e na mídia.
Essa frente entregou o poder de bandeja para uma das organizações mais suspeitas da moderna história política brasileira: o grupo de Michel Temer, Eduardo Cunha, Eliseu Padilha, Geddel Vieira de Lima e Romero Jucá.
A chance de dar certo é próxima de zero, conforme se verá a seguir. 

Um interino vulnerável moral e penalmente


A notícia de Temer recebendo Eduardo Cunha reservadamente no Palácio Jaburu, por si, seria motivo de impedimento de Temer. O presidente interino conversando reservadamente com um parlamentar cujo cargo foi suspenso por suspeita de corrupção, apontado em vários desvios e proibido de frequentar a Câmara, justamente para não conspirar contra a Justiça. Certamente a conversa não girou sobre o Brexit nem sobre a atual campanha do Vasco da Gama. E só foi oficialmente divulgada após os vazamentos sobre o encontro sigiloso.


Para o interino se expor dessa maneira, mostra uma relação nítida de interesses.
A qualquer momento, Temer poderá ser fuzilado por uma das seguintes alternativas:
1.      Uma delação de Cunha ou de outros membros da quadrilha.
2.      Uma denúncia da Procuradoria Geral da República.
3.      Vazamentos de informações pelos jornais e redes sociais.
Será possível ao país conviver com um interino com tais vulnerabilidades, com uma biografia polêmica, uma companhia suspeita e tendo nas mãos a mais poderosa caneta da República? 

Um interino sem dimensão política


Dilma entendeu a dimensão da crise, mas não teve competência para enfrentá-la. Temer sequer logrou um diagnóstico consistente sobre o cenário atual. É surpreendente que, em algum momento de sua vida, criasse fama de intelectual. Suas declarações públicas não conseguem ir além dos ecos da imprensa.
A maneira como se escora em Cristovam Buarque é deprimente. Alardeou aos quatro ventos o grande elogio recebido de Cristovam, que disse que só votaria pela volta de Dilma se ela mantivesse Henrique Meirelles e a equipe econômica. Ou seja, o aggiornamento de Cristovam não foi apenas em relação ao PT, mas à própria social democracia e à função do Estado que um dia fizeram parte de sua biografia.
Cristovam é uma espécie de Eugenio Bucci do Senado, equilibrando-se permanentemente entre extremos através de declarações rasas de um equilibrismo vazio.
A receita da lição de casa – os sacrifícios impostos aos cidadãos - funcionou quando podia se invocar o fantasma da hiperinflação. Qualquer sacrifício seria legítimo, pois todos eles visariam impedir a volta do fantasma.
O momento é outro. Têm-se uma população que experimentou períodos de bonança, conquistou direitos, incluiu-se no mercado e não aceita retrocessos. Para ela, Temer acena com mudanças radicais na Previdência, cortes nos gastos sociais com educação e saúde, aparelhamento da máquina pública com o que de pior a fisiologia política criou, a corrupção endêmica, profundamente enraizada na atuação política do grupo que empalmou o poder.

A democracia sem votos


É nessa sinuca que se desenvolve a tese da democracia sem votos, um sistema controlado pelas corporações públicas, pelo Ministério Público Federal e Tribunais superiores, pelos Tribunais de Contas associados à mídia.
É por aí que se entende a geopolítica norte-americana, de aproximar-se das estruturas dos Ministérios Públicos e Judiciários nacionais. Aliás, como bem lembrou Dilma na entrevista à Pública, a interferência externa não é agente central do golpe, que é fundamentalmente coisa nossa.
Será impossível se aplicar as teses neoliberais a seco. Nem encontrar políticos de discurso claro e vida limpa para conduzir o desmonte do Estado social sem ter o que mostrar pela frente.
Olhando todas essas peças do jogo, há movimentos que tenderão a crescer exponencialmente:
1.      Contra o golpe, ganhará fôlego a tese da constituinte exclusiva para a reforma política, suprapartidária, tendo como bandeira comum a crítica à crise de representatividade do Parlamento e dos partidos.
2.      Como aprimoramento do golpe, inicialmente a tentativa de tucanização de Temer, esbarrando na dinâmica da Lava Jato, de criminalizar também as lideranças tucanas até agora poupadas. Todos fazem parte do mesmo balaio.
3.       Como saída alternativa, o impedimento da chapa Dilma-Temer seguido de eleições indiretas visando consagrar alguém fora da política tradicional para completar o trabalho.
4.       Como lance final, maneiras de inviabilizar as eleições de 2018, pela óbvia impossibilidade de vencer eleições montado na velha lição neoliberal de desmonte das conquistas sociais.

Por Luis Nassif (Fonte: Jornal GGN - aqui).

segunda-feira, 27 de junho de 2016

Para onde vamos? Impasses da atual crise brasileira


A atual crise brasileira, talvez a mais profunda de nossa história, está pondo em xeque o sentido de nossso futuro e o tipo de Brasil queremos construir.
Celso Furtado com frequência afirmava que nunca conseguimos realizar nossa auto-construção, porque forças poderosas internas e externas ou articuladas entre si sempre o tinham e têm impedido.
Efetivamente, aqui se formou um bloco coeso, fortemente solidificado, constituído por um capitalismo que nunca foi civilizado (manteve a sua voracidade manchesteriana das origens), finaneiro e rentista, associado ao empresariado conservador e anti-social e ao latifúndio voraz que não teme avançar sobre as terras do donos originários de nosso país, os indígenas e de acrescimo as dos quilombolas. Estes sempre frustraram qualquer reforma política e agrária, de sorte que hoje 83% da população vive nas cidades (bem dizendo, nas periferias miseráveis), pois esta sentia-se deslocada e expulsa do campo. Estas elites altamente endinheiradas se associaram a poucas famílias que controlam os meios de comunicação ou são donos delas.
Esse bloco histórico será difícil de ser desmontado, uma vez que o tempo das revoluções já passou. As poucas mudanças de orientação popular e social introduzidas pelos governos do PT estão sendo bombarbeadas com os canhões mais poderosos. Os herdeiros da Casa Grande e o grupo do privilégio estão voltando e impondo seu projeto de Brasil.
Para sermos sucintos e irmos logo ao ponto central, trata-se do enfrentamento de duas visões de Brasil.
primeira: ou nos submetemos à lógica imperial, que nos quer sócios incorporados e subalternos, numa espécie de intencionada recolonização, obrigando-nos a ser apenas fornecedores dos produtos in natura (commodities, grãos, minério, água virtual etc.) que eles pouco possuem e dos quais precisam urgentemente.
segunda: ou continuamos teimosamente com a vontade de reinventar o Brasil, com um projeto sobre bases novas, sustentado por nossa rica cultura, nossas riquezas naturais (extremamente importantes após a constatação dos limites da Terra e do aquecimento crescente), capaz de aportar elementos importantes para o devenir futuro da humanidade globalizada.
Esta segunda alternativa realizaria o sonho maior dos que pensaram um Brasil verdadeiramente independente, desde Joaquim Nabuco, Florestán Fernandes, Caio Prado Jr e Darcy Ribeiro até Luiz Gonzaga de Souza Lima num livro que até agora não mereceu a devida apreciação e atenção (“A refundação do Brasil: rumo à sociedade biocentrada”, RiMA, São Carlos, SP 2011) e da maioria dos movimentos sociais de cunho libertário.
Estes sempre projetaram uma nação autônoma e soberana mas aberta ao mundo inteiro.
A primeira alternativa que agora volta triunfante sob o presidente interino Mchel Temer e seu ministro das relações exteriores José Serra, prevê um Brasil que se rende resignadamente ao mais forte, bem dentro da lógica hegeliana do senhor e do servo. Em troca recebe imensas vantagens, beneficiando especialmente os endinheirados (Jessé Souza) e os seus controlados.
Estes nunca se interessaram pelas grandes maiorias de negros e de pobres que eles desprezam, considerando-os peso morto de nossa história. Nunca apoiaram seus movimentos. E quando podem, os rebaixam, difamam suas práticas e com o apoio de fortes setores do parlamentodo  por eles controlado, os criminalizam.
Eles contam com o apoio dos USA, como o nosso maior analista de política internacional Moniz Bandeira, em sucessivas entrevistas, tem chamado atenção, pois não aceitam a emergência de um potência independente  nos trópicos.
Donde nos poderá vir uma saída? De cima não poderá vir nada de verdadeiramente transformador. Estou convencido de que ela só poderá vir de baixo, dos movimentos sociais articulados, de outros movimentos interessados em mudanças estruturais, de setores de partidos vinculados à causa popular. O dia em que as comunidades favelizadas se conscientizarem e projetarem um outro destino para si e para o Brasil, haverá a grande transformaçao, palavra que hoje substitui a de revolução. As cidades estremecerão.
Ai sim poderão os poderosos serem alijado de seus tronos, como dizem as Escrituras, o povo ganhará centralidade e o Brasil terá sua merecida independência.
Leonardo Boff é articulista do Jornal do Brasil e escritor.
https://leonardoboff.wordpress.com/

O poder transformador da empatia nas relações humana

Sanguessugado do RevistaPazes 


“A empatia é a arte de se colocar no lugar do outro por meio da imaginação, compreendendo seus sentimentos e perspectivas e usando essa compreensão para guiar as próprias ações.” Segundo John Donne, nenhum homem é uma ilha, sendo cada indivíduo um pedaço do continente, uma parte do todo.

Durante muito tempo pensou-se que a empatia fosse uma capacidade exclusivamente humana. Hoje, sabemos que diversas espécies animais são capazes de sentir empatia e coordenar impulsos “levando em consideração” o outro. Assim, nossa capacidade de sentir empatia está ligada à herança genética, que é uma consequência evolucionista.

Segundo o autor (KRZNARIC, p. 28) do livro “O Poder da Empatia – A arte de se colocar no lugar do outro para transformar o mundo”, a empatia é o antídoto para o individualismo absorto em si mesmo, que herdamos do século passado. A necessidade de desenvolver empatia está no cerne do esforço de encontrarmos soluções para problemas mundiais como violência étnica, intolerância religiosa, pobreza extrema, fome, abusos dos direitos humanos, aquecimento global. O autor denomina esta capacidade como uma espécie de pílula da paz.

Historicamente, conseguimos enxergar alguns “impedimentos” que nos colocamos para usarmos intensamente a empatia: Preconceito, autoridade, distância e negação. O preconceito é como uma venda em nossos olhos, é um julgamento feito em um momento considerando informações superficiais, sem comprovação; é um estereótipo do qual devemos fugir. Ao exercer enorme influências sobre os indivíduos, a autoridade foi utilizada como desculpa para cumprir tarefas execráveis. Também, não só a distância física, mas a temporal e, principalmente, a social, nos induzem a ser menos empáticos. E ainda, após sermos bombardeados com imagens de problemas sociais em diversas partes do mundo, com o tempo vamos nos tornando insensíveis a elas, “negando’’ sua existência.

O uso de nosso eu empático pode também estar intrinsecamente ligado à resolução de questões do nosso dia a dia. Ao tentar se colocar no lugar do outro no ambiente de trabalho, temos muito a ganhar expandindo nossa capacidade de compreensão dos problemas que nos rodeiam. Este exercício nos proporciona experimentar outras visões diferentes das nossas e observar aspectos antes ignorados por nós, pela simples constatação que enxergamos tudo a nossa volta considerando nossas próprias experiências pregressas. Essas mesmas experiências nos moldam ao longo do tempo, desenvolvendo, mesmo que inconscientemente, o poder da empatia.

A habilidade de aceitar e conviver bem com a diversidade nos torna mais empáticos e tolerantes. É o que vai nos permitir entrar numa sala de reuniões de uma organização transnacional para uma apresentação a ser feita e transmitir a mensagem que queremos de forma adequada para cada membro da plateia.

Outro aspecto muito importante que a empatia contribui é para a liderança. Nos dias de hoje, e com o modelo dinâmico de organizações que vivemos, não cabe mais o líder autocrático, altamente técnico, mas que não consegue se comunicar bem com seus liderados. É um exercício diário observar os colegas, subordinados e superiores e desenvolver a habilidade de ser empático com cada um deles.

Isso significa compreender as demandas individuais e atendê-las de forma abrangente. Um subordinado demanda orientações para o desenvolvimento da tarefa de forma a contribuir com a meta do grupo em que está inserido. Um superior demanda informações já tratadas para o processo decisório. Mesmo tratando de um assunto comum, as abordagens são completamente diversas e cabe ao líder compreender essa diferença. Para isso, vai usar muito de sua capacidade de ser empático com ambos.

Ser empático não se restringe às pessoas que conhecemos, mas principalmente com os desconhecidos ou mesmo com personalidades antagônicas. Este é um grande esforço que demanda sensibilidade, inteligência emocional e vontade, para se colocar no lugar do outro e experimentar uma nova perspectiva. Esta é uma habilidade que pode ser aprendida, mas que precisa ser diariamente cultivada.

As organizações têm muito a ganhar desenvolvendo a empatia em seus colaboradores, que naturalmente passam a trabalhar mais alinhados com seus líderes, uma vez que se sentem compreendidos. Isso gera coesão na equipe, e é um diferencial de mercado, que impacta na rentabilidade, gerando mais resultados.

Precisamos reconhecer a empatia como uma força capaz de promover mudanças nos diversos meios onde atuemos. Podemos fazer esse exercício diariamente, em nossas famílias e em nosso ambiente de trabalho, melhorando nossas relações interpessoais.

Fazer esforço consciente para se colocar no lugar de outra pessoa – inclusive no de nossos inimigos – para rasgar rótulos, reconhecer sua humanidade, individualidade e perspectivas: eis um dos grandes diferenciais daqueles que se esforçam para se destacarem em liderança.


* Este artigo é de autoria de Alzira Azeredo

Observção do bloguezinho mequetrefe:

Tem uma cara que falou há dois mil anos atrás: Não faça ao outro o que não queres que te façam a ti.
via: http://gilsonsampaio.blogspot.com.br/2016/06/o-poder-transformador-da-empatia-nas.html

MORTES E RESSURREIÇÕES DA DEMOCRACIA BRASILEIRA

Como personagem de ficção do chamado realismo fantástico, a democracia brasileira morreu e voltou à cena duas vezes em nossa história, mas Latuff cometeu um equívoco nessa charge.

Como personagem de ficção do chamado realismo fantástico, a democracia brasileira morreu e voltou à cena duas vezes em nossa história, mas Latuff cometeu um equívoco nessa charge.
Por Raul Longo
Depois de assassinada em 1º de Abril de 1964, a democracia não ascendeu ao Planalto Central em 1985 por soberana decisão do povo. O povo brasileiro bem lutou por isso, mas foi traído inclusive pelo então chamado “Senhor Diretas”, o Ulisses Guimarães, quando ao invés dos compromissos que assumiram com o povo nos comícios do Movimento das Diretas Já, os políticos do MDB aceitaram as imposições dos algozes da democracia para concorrer com a ARENA por votos indiretos dos parlamentares do período ditatorial.
Até se pode argumentar que se não fosse aceita a imposição, a democracia não renasceria 8 anos depois. Argumentar pode, embora não convença. Com toda a mobilização do “Diretas Já” e o total desgaste, inclusive internacional, da ditadura, perdeu-se ali grande oportunidade de promover a consciência dos brasileiros sobre a própria soberania, como ocorre entre todos os povos livres que muitas vezes podem errar elegendo maus políticos, mas sabem exigir respeito às suas escolhas.
Mas lá, instituições, partidos políticos, magistrados, policiais, funcionários de qualquer órgão público, seja o que for referente ao Estado; são do povo. No Brasil e em todos os países da América Latina o que é público não existe em razão do público que o mantém, mas das elites que através desses órgãos se protegem e protegem a impunidade de seus crimes.
E isso todo mundo sempre soube e sempre quis que se investigasse e se condenasse os que corrompem o que é público. O problema é que a justiça pública julga o público roubado, não as elites que o roubam.
Aqui, quando surge quem queira investigar os roubos, as concessões públicas concedidas à mídia se empenham para convencer o público de que quem investiga o roubo é o ladrão. E o ladrão é o herói! Ou alguém acredita que a mídia que diz que sabe de tudo, até do que jamais aconteceu; já não soubesse das falcatruas do Eduardo Cunha antes do MP da Suíça?
Até quem não é da mídia sabia de Cunha, como é que a mídia não ia saber desde quando o vendia como um de seus heróis?
E assim, sejam armados ou por artifícios político/jurídicos, os golpes promovidos pela mídia matam a democracia à bala ou por colapso como em roteiro de novela, naquela fórmula que o Roberto Marinho detalhou à BBC a respeito de sua própria cria, o Collor de Melo: “Nós o pusemos, nós o tiramos!”. Fácil, fácil!
Desse jeito a democracia brasileira morreu e foi enterrada conforme bem interpretou o Latuff nessa charge, mas se equivocou quanto às efemérides e é preciso conhecer com exatidão o memorial da falecida para o caso de algum dia ela aparecer na esquina de um futuro qualquer, não ficarmos na dúvida se é ou não uma certa senhora com a qual já esbarramos em outros momentos da história da nação. Afinal não se trata de uma democracia qualquer, mas de uma que morreu e renasceu para morrer novamente como uma fênix a se desfazer em cinzas pelo desapreço à soberania do povo. Observemos seu voo:
O difícil parto da democracia brasileira se deu muitas décadas depois de um golpe das elites latifundiárias contra a Monarquia que emprenhou o Brasil de República maquiada de democracia. O golpe de1889 foi fruto da abolição da escravatura por D. Pedro II no ano anterior, 1888. Desgostosas por a terem alijado da força de trabalho gratuita, instituíram a República para reparar o que consideraram prejuízo instaurando o servilismo feudal.
O sistema de relações sociais retrocedeu em duas eras e para mascarar esse retorno à Idade Média se manteve as eleições periódicas já instituídas desde Império, quando éramos regido por uma Monarquia parlamentarista. No entanto a farsa democrática novamente nos subjugou ao poder feudal dos coronéis, tal qual estivéramos subjugados pelos capitães donatários logo após o descobrimento do país. E nessa condição a chamada democracia limitava-se à escolha de votar em quem o coronel mandava ou a perder a vida. Em caso em mais ameno, expulsão da terra, o que equivalia ao mesmo, pois numa economia agrária a terra era o único meio de sobrevivência.
Essa realidade só foi transformada em 1930 quando através de uma revolução Getúlio Vargas tomou o poder. Dois anos depois as elites feudalistas reagiram com outro ato revolucionário, mas Getúlio resistiu e em 1937 instituiu uma ditadura: o Estado Novo.
Paradoxalmente foi nessa ditadura que se começou a democratizar os direitos públicos e as elites passaram a ser obrigadas a respeitar determinações de leis trabalhistas e a pagar impostos para manutenção de sistemas de educação e saúde pública. Não obstante, o regime político foi ditatorial.
Somente em1945 conseguiram depor o ditador, substituindo-o pelo candidato que ele mesmo indicou. Quem indicou foi o ditador, mas o primeiro presidente realmente eleito por voto livre e democrático no Brasil foi o general Gaspar Dutra.
Nascia então a democracia brasileira, com a concorrência pelo voto popular por 4 partidos:
PSD – Partido Social Democrático – de centro e influências getulistas.
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro – de base eleitoral no operariado urbano, fundamentando-se no projeto de realização de Assembleia Constituinte com manutenção de Getúlio Vargas na Presidência da República.
UDN – União Democrática Nacional – de orientação conservadora, em defesa dos interesses das elites econômicas, frontalmente opositora à política e à pessoa de Vargas.
PCB – Partido Comunista Brasileiro – fundado em 1922, proscrito no Estado Novo e então legalizado.
Os candidatos da UDN e do PCB foram derrotados pelo da coligação PSD e PTB. Não obstante, depois de assumir o general Eurico Gaspar Dutra trai a Getúlio Vargas, a coligação partidária e seus eleitores, aliando-se a UDN.
Em 1946 é promulgada nova Constituição onde se prevê o controle estatal da produção de petróleo. No ano seguinte, 1947, a UDN obtêm de Dutra a aprovação ao Estatuto do Petróleo, projeto de lei que altera a determinação constitucional permitindo a exploração do petróleo nacional pelo capital estrangeiro.
Militares nacionalistas e legalistas se contrapõem lançando a Campanha do Petróleo da qual surge o primeiro grande movimento popular nacional: O Petróleo é Nosso!
Na eleição de 1950 a UDN coliga-se com 3 novos partidos criados durante o governo Dutra, apresentando candidatos à presidência e vice-presidência, cargo criado pela Constituição de 1946 para escolha democrática, independente da eleição à presidente.
O PCB fora novamente cassado pelo governo Dutra em 1947 e um novo partido, o PSB – Partido Socialista Brasileiro, apresenta seus candidatos.
A coligação PSD/PTB, com demais novos partidos, é novamente vitoriosa na eleição dos dois cargos: presidente e vice-presidente. Getúlio Vargas retorna, dessa vez eleito democraticamente.
Getúlio cria a Petrobras e a reação da UDN é feroz. Sem tréguas os porta-vozes dos interesses do capital estrangeiro: jornal O Estado de São Paulo, jornal e rádio Globo e o jornalista Carlos Lacerda se esforçam para denegrir sua imagem perante o Brasil, acusando-o de corrupto.
O então grande empresário de comunicação era Assis Chateaubriand, dono de uma rede de emissoras de rádio e jornais diários em cada capital de estado, da revista de maior circulação nacional, O Cruzeiro, e da primeira emissora brasileira de TV, a TV Tupi fundada em 1950. Chateaubriand se declara disposto a defender Getúlio com a condição de que desistisse da Petrobras, evidenciando que nem mesmo o rei da mídia do Brasil teria condições de enfrentar as forças movidas pelos interesses do capital estrangeiro que financiavam os políticos da oposição.
Contando com o apoio de militares entreguistas o golpe foi precipitado por tresloucado atentado contra Lacerda que supostamente haveria ferido o pé do jornalista, mas efetivamente matou a um oficial das Forças Armadas. Ao ser informado do atentado, Getúlio lamentou: “Acertaram um tiro no pé do Lacerda e me deram um tiro nas costas”. De fato, o atentado provocou um documento militar, “A Carta dos Generais”, exigindo a renúncia de Getúlio.
Ciente de que seu afastamento da presidência resultaria na internacionalização da Petrobras, Getúlio encontra num ato trágico uma última tentativa de proteger o maior patrimônio da história do país, E suicida-se em 1954.
A reação popular é violenta. No Rio de Janeiro o povo empastela a rádio e o jornal O Globo, obrigando Lacerda a fugir do país. Assume o vice-presidente democraticamente eleito pelo PSB: Café Filho.
Café Filho fora eleito por apoiar a candidatura de Getúlio à presidência, mas como Dutra rompe com a linha nacionalista do getulismo e apresenta candidatos próprios para eleição de 1955, sendo derrotado pela coligação PSD/PTB que apresentara Juscelino Kubistchek e João Goulart. Completando a traição, apoia nova manobra golpista afastando-se da presidência para que assuma o presidente da Câmera Federal, Carlos Luz.
Do PSD, mas nitidamente abduzido pela UDN, Luz é deposto 3 dias depois por militares legalistas que percebem a manobra e impedem que se rasgue a Constituição desonrando a soberania democrática. Assume Nereu Ramos, também do PSD e da presidência da Câmara, que finaliza o mandato e o transfere a JK, eleito pela maioria dos brasileiros.
Dentre as Forças Armadas, a Aeronáutica era a mais ligada à UDN e logo após a pose de JK um major e um capitão decolam do Campo dos Afonsos no Rio de Janeiro para pousar em Jacareacanga no sul do Pará. Dominam algumas cidades da região e mais uma vez ameaçam a democracia.
Novamente os militares legalistas desmantelam o levante golpista prendendo um dos líderes. Os demais fogem para a Bolívia, mas Juscelino magnanimamente anistia a todos os envolvidos.
Se como ditador Getúlio deu início à democratização social e implantou a indústria de base com a criação da siderurgia nacional e a nacionalização da exploração mineral, criando a Companhia Vale do Rio Doce com a estatização de tudo o que na Velha República os coronelistas haviam entregado ao empresário e especulador internacional estadunidense, Percival Farquhar; JK deu prosseguimento aos empreendimentos que possibilitaram a industrialização do Brasil, promoveu a indústria naval, construiu grandes hidroelétricas, implantou a indústria automobilística e transferiu a capital do Rio de Janeiro para o interior do país, expandindo as fronteiras administrativas e produtivas para o oeste.
Brasília se torna modelo internacional de modernidade e urbanismo e o país alcança um crescimento de mais de 7% ao ano, ainda que os altos investimentos do governo de JK tenha dado início à dívida externa, através de empréstimos ao FMI.
O desenvolvimento alcançado pelo país em breve cobriria a dívida contraída e não foi por essa razão que em 1960, pela primeira vez, o eleitor brasileiro escolheu por vias democráticas a um candidato apoiado pela UDN. Jânio Quadros atraiu diversos apoios partidários apesar de seu estilo essencialmente personalista e sem qualquer identificação com as linhas dos partidos que o apoiavam.
Exibicionista, dramático e demagógico, Jânio obteve uma ascensão meteórica conquistando o eleitorado paulista através de discursos pelo combate à corrupção. Seu símbolo era o de uma vassoura com a qual dizia que varreria a sujeira do país.
Um jornalista perguntara a Getúlio Vargas, o político que por mais tempo presidiu o país, qual teria sido a tarefa mais difícil que enfrentara no governo. A resposta foi imediata: “- O combate à corrupção.”
Tampouco Jânio combateu corrupção alguma e na verdade pouco governou. Sete meses depois de eleito renunciou justificando-se pressionado por “forças terríveis”.
Realmente Jânio Quadros conquistara no Congresso ferrenha oposição daqueles que o apoiaram, inclusive da própria UDN que embora aplaudisse medidas moralistas como  proibição do uso do biquíni nas praias, do maiô nos concursos de miss e do lança-perfume em bailes de carnaval; não aceitava a política externa independente às determinações dos Estados Unidos. E de forma alguma pôde admitir a outorga da maior condecoração nacional, a Grão Cruz da Ordem do Cruzeiro do Sul, a Ernesto Che Guevara.
Se cogitou que a verdadeira razão da renúncia fora um mal fadado intento golpista e, de fato, muitos anos depois um sobrinho de Jânio revela publicamente que o tio lhe confidenciara haver acreditado que o povo o reconduziria ao governo como ditador.
Jânio se iludira com a reação do povo ao suicídio de Getúlio e imaginou que simulando um suicídio político os brasileiros o ajudariam a eliminar seus opositores do Congresso, assim como expulsaram Lacerda do país em 1954. Mas o povo brasileiro não amou Getúlio por ser ditador e, sim, por ter sido o primeiro a dar início a democratização social.
O personalismo megalômano de Jânio Quadros o impediu de perceber o apreço do eleitor brasileiro pela democracia evidenciado pela eleição de seu vice. Ainda que iludido pelo discurso vazio de combate à corrupção, preventivamente o eleitor novamente confiou a vice-presidência a Jango Goulart do PTB.
Mais uma vez o golpismo inerente aos políticos da UDN se opôs à Constituição e, sempre escondidos atrás das fardas entreguistas, tentaram impedir a pose do vice-presidente eleito democraticamente.
Em 1955 Jango já fora eleito ao mesmo cargo com mais votos do que os obtidos por JK à presidência, confirmando o PTB como maior representação popular da política brasileira e, naquele ano de 1961, o povo atendeu à mobilização de Leonel Brizola através da Campanha da Legalidade, garantindo a pose de Jango, também com respaldo de militares legalistas.
No entanto os poderes de manipulação política do setores econômicos e dos interesses do capital estrangeiro pressionam e o Congresso condicionou a pose de Jango à mudança do sistema de governo do presidencialismo para o parlamentarismo e se empossou Jango como presidente e Tancredo Neves, do PSD e ex-ministro do governo Vargas, como Primeiro Ministro. No ano seguinte, 1962, Neves renuncia para concorrer ao governo do estado de Minas Gerais e sucedem-se dois outros no cargo de Primeiro Ministro até que em1963, através de plebiscito democrático, mais uma vez o povo brasileiro reverenda Jango Goulart com plenos poderes para representá-lo, rejeitando o parlamentarismo.
A opção pelo presidente que elegera duas vezes se fez ainda mais inequívoca pelas dificuldades econômicas decorrentes da forte oposição parlamentar ao Plano Trienal, elaborado por Celso Furtado e Santiago Dantas. Impedindo a aprovação do plano econômico através da política do “quanto pior, melhor” a UDN obriga o Brasil a mais uma vez recorrer ao FMI, provocando aumento da inflação. Através de seus aliados de setores de produção e distribuição desabastecem o mercado de produtos básicos, mas o povo resiste aceitando substitutivos como a carne de baleia e enfrentando longas filas para aquisição de alimentos essenciais: açúcar, pão, farinha, café, etc.
Novamente capitaneados por Carlos Lacerda que retornara ao Brasil e concedia entrevistas à imprensa estrangeira denegrindo a Petrobras, o governo e o exército brasileiro; os golpistas aumentam a tensão sobre a população e os militares solicitam ao presidente a implantação de estado de sítio. Jango expõe a proposta dos militares ao Congresso que a rejeita e a Jango apenas resta a apresentação de seu plano de reformas de base em comícios para multidões que se concentravam em amplos espaços públicos em otimista apoio ao futuro social do país:
Reforma Agrária – desapropriação de grandes áreas improdutivas ou utilizadas para produções inapropriadas.
Reforma Educacional – valorização do magistério, investimento no ensino público, combate ao analfabetismo através do método de Paulo Freire.
Reforma Fiscal – limitação de remessas ao exterior, sobretudo pelas multinacionais.
Reforma Urbana – implantação de projetos do IAB – Instituto de Arquitetos do Brasil, para solucionar problemas de concentração populacional nas cidades e oferecimento de habitação condigna à população desabrigada.
Reforma Bancária – ampliação de crédito a médios e pequenos produtores.
A inequívoca manifestação democrática nas urnas que por duas vezes elegeram Jango à vice-presidência, a completa indiferença popular à renúncia de Jânio Quadros, as manifestações de rua em defesa da pose, a fragorosa vitória democrática do presidencialismo e o amplo apoio popular às reformas de base não foram suficientes para conter a insurgência golpista que reuniu em passeatas chamadas de Marcha de Deus com a Família as senhoras da alta classe média paulista. Empresários e banqueiros de São Paulo e Minas Gerais investem numa organização de manifestações católicas medievalistas, mas de cunho evidentemente fascista, a TFP – Tradição, Família e Propriedade.
Por fim, conforme revelado pela abertura de arquivos do Pentágono neste século, o embaixador dos Estados Unidos, Lincoln Gordon, com malas de dólares compra os generais de pouca projeção dentro das instituições militares. Os arquivos do órgão de defesa daquele país também revelaram que Gordon obteve do então presidente dos Estados Unidos o envio da frota da marinha de guerra, a mais poderosa do mundo, para as costas brasileiras.
Assim, em 1º de abril de 1964, se assassinou a democracia brasileira com apenas 19 anos de idade. Apenas 19 anos desde quando pela primeira vez em nossa história o povo brasileiro elegeu livremente ao general Eurico Gaspar Dutra. Um erro, conforme se confirmou ao longo de seu mandato, mas um erro democrático.
Embora efêmera, essa história se torna extensa pelos tantos sobressaltos golpistas de que foi vítima. Tão extensa que para se contar de sua ressurreição, da sua segunda existência, igualmente ameaçada pelas mesmas forças que outrora se concentraram na UDN, posteriormente chamada de ARENA, em seguida PFL, e, além de PSDB e DEM, disseminadas por siglas que outrora requereram a redemocratização como o antigo MDB e atualmente golpista PMDB, além de outras tradicionais abreviaturas partidárias que se identificavam pela defesa da democracia, mas hoje compõem a ampla coligação contrária à manifestação eleitoral da soberania popular, como o PTB e o PSB do saudoso Miguel Arraes.
Infelizmente, à triste realidade do povo brasileiro a cada vez que lhe foi imposto um presidente ilegítimo e sem respaldo democrático, não se faz possível imprimir o tom humorístico de Jorge Amado, mas se poderia parodiar o título de uma de suas obras prometendo a segunda parte desta história da Morte e a Morte da Democracia Brasileira.
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