O Deus Mercado e a safadeza do rentismo
Quem vive em imóvel alugado sabe do que estou falando: na hora de alugar um imóvel para morar, o candidato a locatário pena feito um miserável. Exigem comprovação negativa de débitos (te fazem pagar por certidões e ficha), bons antecedentes, avalista ou fiador, caução, o diabo a quatro. Por fim, você assina um contrato onde todas as normas só obrigam você a tudo, sob as estritas condições do locador – muitas vezes representado por algum advogado ou administrador de imóveis – e sob ameaça de pesadas multas e evicção por qualquer transgressão ou falha.
A partir daí, você paga os reajustes anuais segundo índices apontados pelo locador, com a ressalva de que se houver índice mais alto ou periodicidade menor permitidas por lei durante a vigência do contrato, esses serão utilizados. Paga o IPTU – que é um imposto sobre propriedade e não sobre o uso – devendo por tal razão caber ao proprietário e não a você, paga seguro contra incêndio e taxa municipal de incêndio (idem), paga qualquer dano causado ao patrimônio do proprietário, mas se algo não estiver funcionando bem é um problema seu já que devia ter notado o problema quando alugou o imóvel.
Mas o pior ainda está por vir: ao fim do prazo inicialmente previsto para a locação, em geral de 30 meses, o contrato se torna a prazo indeterminado e o valor pode ser repactuado (ou melhor, majorado ao sabor da conveniência e vontade do dono do imóvel ou de seu advogado), passando a ser reajustado aleatoriamente a cada ano. Puta sacanagem!
Nessa hora, a do reajuste aleatório, te falam que o reajuste régio que você pagou ano a ano não acompanhou o ‘mercado’, e que pela avaliação deles de mercado, o aluguel do imóvel já está valendo muito mais. Você então contesta que também fez uma pesquisa e que descobriu que já está pagando o teto do mercado para aquele tipo de imóvel e local, mas respondem que não é bem assim e que a procura é imensa e o jeito é pagar ou sair.
Quem faz o mercado somos nós, a cada ação individual. Se chutamos o preço de algo para cima ou aceitamos qualquer imposição, estamos ajudando a inflá-lo. Se um bem essencial (casa, moradia) é mercadoria sujeita a normas unilaterais de valor, a parte mais fraca (isto é, quem depende desse bem para morar) está perdida e esse desequilíbrio na relação não se ajusta só por leis mágicas mercadológicas.
O rentista tem seu direito protegido pela Lei do Inquilinato e pelo Código Civil, mas o locador só tem duas alternativas: ou paga ou sai, podendo fazê-lo voluntariamente ou ser expulso – caso no qual poderá fazer pé mole e dificultar o despejo, hipótese na qual poderá ser condenado a pagar custas processuais e mais multas. A Lei do Inquilinato não protege o inquilino – deveria, portanto, chamar-se Lei do Senhorio: seria bem mais fiel à realidade.
do: http://salafehrio.blogspot.com.br/2014/09/que-lei-ou-cataclisma-instituiu-o-culto.html