quinta-feira, 11 de junho de 2015

Não seja uma mulher perfeita


Nathali Macedo, DCM

"Há quem diga que está faltando homem. Me parece que quanto mais essa ideia toma forma diante de nossos olhos, mais o desespero feminino se torna latente. Essa é uma constatação tão provável quanto lamentável: estamos perdendo o jogo pra nós mesmas.
Ao passo em que a máxima de que toda mulher, pra ser mulher, precisa de um homem ao lado se solidifica, traz consigo a ideia de que (quase) todo defeito masculino é aceitável: Ele te trai, mas tá faltando homem. Ele te subjuga, mas tá faltando homem. Te trata mal, te expõe ao ridículo e não te faz feliz, mas é melhor – sempre melhor – do que não ter um homem ao lado. Ele é namorado da sua melhor amiga, da sua irmã, da sua mãe ou da sua prima, mas se ele der mole é melhor aproveitar: Não é em qualquer esquina que se encontra um homem (tão valioso que dá em cima da melhor amiga/filha/irmã/prima da própria companheira).

Passamos a nos trair e nos comportar – digo “nós” como mulher, mas, sem hipocrisia, nem de longe compactuo com este comportamento e nem posso generalizar – como se estivéssemos numa guerra permanente em que o prêmio é ter um homem pra chamar de seu.

O pior de tudo isso – sim, ainda pior do que nos trair e nos submeter a comportamentos masculinos inaceitáveis – é que algumas mulheres estão simplesmente deixando de ser quem são: tudo isso em nome de um relacionamento amoroso, ainda que capenga, inútil e infeliz – porque antes mal acompanhada do que só.

O mal do século é que me parece que toda mulher gosta de futebol, toda mulher é tranquila, gente boa e equilibrada. Toda mulher vira a melhor amiga da sogra e dos amigos dele, e faz carinho no Totó dele e torce pelo time dele.

Toda mulher conhece todas as posições sexuais do mundo, é fogosa e completamente liberal: puta na cama e santa na rua, como nove entre dez dos homens sempre sonharam.Toda mulher prefere beber cerveja com os amigos do namorado do que sair com os próprios (a) amigos (a) ou ler um livro, ou ver um filme ou não fazer nada, porque toda mulher tem que ser a mulher perfeita. A mulher que todo homem quer, porque (lembra?) tá faltando homem. E essas mulheres perfeitas, raras e maravilhosas continuam sozinhas, exatamente como temiam. E, não, não vejo mal nenhum nisso. Mas, acredite, elas vêem. E muito.

Essa política da perfeição está se tornando visivelmente monótona ao passo que não há o que ser conquistado, não há o desejo, não há a deliciosa luta diária provocada pelas diferenças: não há problemas, e isso, por mais incrível que pareça, é broxante.

Uma mulher “perfeita” – ou que tenta incansavelmente sê-lo – é incapaz de fazer o que eu arriscaria dizer que é a única coisa capaz de conquistar um homem de verdade – já que é isso que tanto desejam: Desafiá-lo. Torná-lo ansioso pela conquista, fazê-lo construir a felicidade em vez de encontra-la pronta. As Misses simpatias e Senhoritas perfeição estão pecando por excesso.

Não seja a mulher perfeita. Seja você, mesmo que você não goste de futebol e seja ciumenta. Mesmo que você não vá com a cara do amigo mala dele. Mesmo que discorde com a mãe dele de vez em quando e demore pra se arrumar.

A perfeição é monótona e relacionar-se com alguém que não oferece qualquerdesafio é deprimente. Desestimulante. Você não precisa – e não pode – ser perfeita pra merecer alguém ao seu lado: suas qualidades serão suficientes, desde que você tenha coragem de não mascarar os seus defeitos. A autenticidade é afrodisíaca. Não seja a mulher perfeita. Seja feliz!"

O grito de revolta de um juiz


"Tenho vergonha de dizer que sou juiz e ter que responder porque — apesar de ter sempre lutado pela liberdade — o fascismo bate à nossa porta, desdenha do Direito, da cidadania e da justiça e encarcera e mata livremente", escreve o doutor em Ciência Política e juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, João Batista Damasceno, no artigo reproduzido abaixo na íntegra. 

Damasceno é membro da Associação Juízes para a Democracia (AJD) e seu artigo é uma peça que deveria ser lida e estudada por todos aqueles que sonham com um país mais justo, igual e democrático.

É um grito de revolta contra um status quo que rebaixa o Judiciário e o reduz à mesma barbárie que é seu dever combater.


Tenho vergonha de ser juiz 
João Batista Damasceno

Tenho vergonha de dizer que sou juiz. E não preciso dizê-lo. No fórum, o lugar que ocupo diz quem eu sou; fora dele seria exploração de prestígio. Tenho vergonha de dizer que sou juiz, porque não o sou. Apenas ocupo um cargo com este nome e busco desempenhar responsavelmente suas atribuições.

Tenho vergonha de dizer que sou juiz, pois podem me perguntar sobre bolso nas togas.

Tenho vergonha de dizer que sou juiz e demonstrar minha incompetência em melhorar o mundo no qual vivo, apesar de sempre ter batalhado pela justiça, de ter-me cercado de gente séria e de ter primado pela ética.

Tenho vergonha de dizer que sou juiz e ter que confessar minha incompetência na luta pela democracia e ter que testemunhar a derrocada dos valores republicanos, a ascensão do carreirismo e do patrimonialismo que confunde o público com o privado e se apropria do que deveria ser comum.

Tenho vergonha de dizer que sou juiz e ter que responder porque — apesar de ter sempre lutado pela liberdade — o fascismo bate à nossa porta, desdenha do Direito, da cidadania e da justiça e encarcera e mata livremente.

Tenho vergonha de dizer que sou juiz, porque posso ser lembrado da ausência de sensatez nos julgamentos, da negligência com os direitos dos excluídos, na demasiada preocupação com os auxílios moradia, transporte, alimentação, aperfeiçoamento e educação, em prejuízo dos valores que poderiam reforçar os laços sociais.

Tenho vergonha de dizer que sou juiz porque posso ser confrontado com a indiferença com os que clamam por justiça, com a falta de racionalidade que deveria orientar os julgamentos e com a vingança mesquinha e rasteira de quem usurpa a toga que veste sem merecimento.

Tenho vergonha de dizer que sou juiz porque posso ser lembrado da passividade diante da injustiça, das desculpas para os descasos cotidianos, da falta de humanidade para reconhecer os erros que se cometem em nome da justiça e de todos os “floreios”, sinônimos e figuras de linguagem para justificar atos abomináveis.

Tenho vergonha de dizer que sou juiz porque faço parte de um Poder do Estado que nem sempre reconheço como aquele que trilha pelos caminhos que idealizei quando iniciei o estudo do Direito.

Tenho vergonha de dizer que sou juiz, porque tenho vergonha por ser fraco, por não conhecer os caminhos pelos quais poderia andar com meus companheiros para construir uma justiça substancial e não apenas formal.

Tenho vergonha de dizer que sou juiz, mas não perco a garra, não abandono minhas ilusões e nem me dobro ao cansaço. Não me aparto da justiça que se encontra no horizonte, ainda que ela se distancie de mim a cada passo que dou em sua direção, porque eu a amo e vibro ao vê-la em cada despertar dos meus concidadãos para a labuta diária e porque o caminhar em direção a ela é que me põe em movimento.

Acredito na humanidade e na sua capacidade de se reinventar, assim como na transitoriedade do triunfo da injustiça. Apesar de testemunhar o triunfo das nulidades, de ver prosperar a mediocridade, de ver crescer a iniquidade e de agigantaram-se os poderes nas mãos dos inescrupulosos, não desanimo da virtude, não rio da honra e não tenho vergonha de ser honesto.

Tenho vergonha de ser juiz em razão das minhas fraquezas diante da grandeza dos que atravancam o caminho da justiça que eu gostaria de ver plena. Mas, eles passarão!

João Batista Damasceno é doutor em Ciência Política e juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Membro da Associação Juízes para a Democracia (AJD).
http://cronicasdomotta.blogspot.com.br/2015/06/o-grito-de-revolta-de-um-juiz.html

A homossexualidade é contrária à Bíblia? Reflexões em vista do Sínodo

Davi e Jônatas: amor entre dois homens



Via UNISINOS

O mandamento do amor de Jesus é o critério da justiça das relações, com base no qual se deve discernir se uma relação entre seres humanos é agradável a Deus ou não. É sobre esse critério que devem ser medidas tanto as uniões homossexuais quanto o matrimônio entre homem e mulher, que não é, por si só, uma forma completa de vida comum.

A opinião é do pastor protestante alemão Stefan Scholz, em artigo publicado no sítio da revista Der Spiegel, 01-06-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.
Os homens amam as mulheres, e as mulheres amam os homens; o casamento é a forma correta que essa relação assume. Certamente, o casal humano nunca foi expressado de maneira tão simples, mas, desde que lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros etc. ampliaram a gama das possíveis formas de vida, também na percepção pública, a ruptura entre a moral sexual cristã clássica e a multiplicidade das vivências sociais é cada vez mais difícil de superar.
Limito-me aqui ao conflito entre as afirmações da Bíblia sobre a homossexualidade e as atuais relações entre pessoas do mesmo sexo que, obviamente, não existem apenas fora da Igreja.

Em comparação com os debates que são conduzidos de maneira aprofundada na Igreja e na teologia, na Bíblia, ao contrário, a homossexualidade é claramente uma questão marginal: faz-se referência ao assunto em menos de dez pontos. Basicamente, a situação é clara. As relações entre pessoas do mesmo sexo são coisas de pagãos e são consideradas incompatíveis com a fé em Javé ou com a vida em Cristo, e, portanto, são severamente rejeitadas. Mas é muito menos claro como isso deve ser compreendido e ordenado.

No Antigo Testamento, são enunciados sobretudo as três passagens seguintes: em primeiro lugar, o código de santidade que pretende regulamentar de maneira detalhada as formas de relações corporais permitidas e proibidas. Em dois pontos, é pedido de forma absoluta e inequívoca a pena de morte para as relações sexuais entre homens do sexo masculino, Levítico 18, 22 e Levítico 20, 13.

Mais controverso, em segundo lugar, é o relato da aniquilação de Sodoma e Gomorra, em Gênesis 19. Se a maldade dos homens dessas cidades pode realmente ser identificado com a violência homossexual e se é por causa disso que os lugares são destruídos, hoje, essa não é mais considerada a opinião da maioria dos estudiosos das ciências bíblicas. Deveria se tratar, ao contrário, da ofensa ao direito de hospitalidade e de outras formas de violação sexual.

Em terceiro lugar, são apresentados, eventualmente, apenas alusões eróticas na descrição da amizade de Davi e Jônatas em 1Samuel 18, 1-4.

Também no Novo Testamento são três as passagens principais que são citadas a esse respeito: correlacionadas entre si, acima de tudo, estão dois catálogos de vícios, 1Coríntios 6, 9 e 1Timóteo 1, 10. Aqui, são listados os mais diversos males e horrores. Para aqueles que os cometem estão trancadas as portas do céu. Em ambos os casos, ao lado dos mentirosos, assassinos e sacrílegos, também são listados os homens que cometem atos sexuais de homens com homens.

Particularmente iluminador é finalmente Romanos 1, 26-27. Esse é o único ponto onde é considerada também a sexualidade entre duas mulheres. Aqui, o desejo homossexual não é visto como algo que envolve uma específica sanção como a pena de morte ou a exclusão da salvação.
Ao contrário, aqui é justamente o desejo de relação com pessoas do mesmo sexo que é entendido como uma atormentante tortura, uma aberração e uma falsa crença.
Essas são as citações, poucas e claras, que encontramos na Bíblia, sobre as quais se levanta uma série de difíceis perguntas complementares. Concentro-me sobre dois pontos centrais: aquilo que aqui é muito naturalmente condenado pode ser comparado com as atuais relações homossexuais?
O ponto de vista e o modo de entender a homossexualidade mudaram várias vezes no passado. Se até a idade moderna as relações homossexuais eram consideradas pecados graves e blasfêmias contra a vontade do Criador, às quais se podia opor apenas com a reta fé e, se necessário, também com o fogo, no percurso triunfal da medicina no século XIX, a tendência homossexual era interpretada principalmente como doença, perversão e distúrbio psíquico.
A estratégia para ajudar as pessoas afetadas era a cura. A Organização Mundial da Saúde (OMS) só apagou a homossexualidade da sua lista de doenças em 1992. Hoje, a maioria dos e das pesquisadoras consideram a homossexualidade como uma variante na evolução. Ela existe tanto entre os animais quanto entre os homens, as causas permanecem indefinidas, não foi possível estabelecer nem que exista um gênero gay, nem que exista uma clara relação entre educação e homossexualidade. É absolutamente absurdo, na atual visão daqueles que aprofundaram o assunto, conectar a homossexualidade com um comportamento moralmente incorreto.

Se, a partir daqui, deslocamo-nos agora para as épocas da Bíblia, que absolutamente não devem ser consideradas como uma unidade fechada, tornam-se evidentes mais mudanças no modo de entender a sexualidade e a homossexualidade.

A plena humanidade, em conformidade com a "semelhança de Deus", segundo Gênesis 1, 27, só podia ser concebida na unidade de homem e mulher. O objetivo da sexualidade era claramente visto na reprodução, a tal ponto que um homem podia ter até mais mulheres, veja-se Gênesis 1, 16Paulo descreveu o matrimônio entre homem e mulher em 1Coríntios 7 apenas como uma concessão à pulsão sexual, mas, para ele, era melhor uma vida continente.

Um comportamento homossexual era globalmente considerado como não judeu e, mais tarde, também como não cristão. Os escritores bíblicos, especialmente no período neotestamentário, a esse respeito, podiam ter diante de seus olhos o que se segue: na antiga Grécia e em Roma, havia um comportamento homossexual, especialmente uma relação sexual entre um homem adulto e um jovem com idade dos 12 aos 18 anos, em casos excepcionais talvez até os 28 anos. O mais velho devia ser ativo, o mais jovem, passivo – todo outro comportamento diferente era considerado desonroso e muitas vezes fornecia matéria para escárnios, intrigas e chantagens.

Uma das mais famosas transgressões à regra seguramente foi referida contra Júlio César, porque teria imposto ao derrotado rei de Bitínia o papel de parceiro sexual passivo. O comportamento assimétrico não era evidenciado apenas na diferença de idade: na Grécia, muitas vezes, tratava-se de relações mestre-discípulo, enquanto em Roma, ao contrário, era os escravos que deviam assumir o papel passivo.
Havia também a prostituição masculina exercida como profissão. A homossexualidade feminina também existia na antiguidade, mas é muito menos documentada e era considerada de maneira extremamente suspeita. Porque, de fato, as mulheres só podiam ter um único tipo de comportamento sexual: ou seja, deviam estar a serviço do homem e ser passivas.
A partir desses poucos traços, podemos ter uma ideia do que estava conectado com a homossexualidade no âmbito cultural da Bíblia e pelo que estavam inequivocamente delimitados os textos do Antigo e do Novo Testamento.
A diferença daquilo que é aqui entendido como comportamento homossexual, mas também sexualidade em geral, leva a uma profunda reflexão em relação ao significado das afirmações bíblicas nesse contexto.
Que valor a Bíblia tem para as interrogações éticas no âmbito sexual hoje? Uma condenação das práticas homossexuais como simples aplicação das afirmações bíblicas sobre o assunto não leva em conta nem os atuais conhecimentos das ciências humanas sobre as identidades sexuais, nem as pesquisas histórico-críticas sobre os antigos conceitos sexuais. Ora, a homossexualidade é contrária à Bíblia?
Se nos referirmos àquilo que naquela época se podia imaginar e àquilo era praticado, certamente sim. As uniões homossexuais atuais, com ou sem filhos, que se encarregam da responsabilidade recíproca entre os parceiros, no entanto, são algo completamente diferente. Portanto, seria irresponsável e difamatório contestar-lhes a legitimação cristã do seu conceito de vida.
Igreja Evangélica já propôs, a esse respeito, outro caminho, embora acompanhado de violentas controvérsias, o que não surpreende, dado o assunto. No seu documento de orientação "Zwischen Autonomie und Angewiesenheit" (Entre autonomia e dependência) de 2013, ela renuncia conscientemente a aceitação literal das regras e das proibições bíblicas.

Em vez disso, tira do mandamento do amor de Jesus o critério da justiça das relações, com base no qual se deve discernir se uma relação entre seres humanos é agradável a Deus ou não.

Sobre esse critério, devem ser medidas tanto as uniões homossexuais quanto o matrimônio entre homem e mulher, que não é, por si só, uma forma completa de vida comum. Desse modo, a Bíblia continua tendo a sua força orientativa, é entendida como livro com o qual se pode aprender, mas que não substitui a reflexão crítica de cada um, mas a enriquece.

Igreja Católica encontra-se diante da necessidade de enfrentar obstáculos maiores. O clássico modo de entender o matrimônio como sacramento oferece menos espaço de manobra para um efetivo reconhecimento das formas de vida homossexuais e dos posteriores laços familiares para além da comunidade matrimonial.

O alto valor atribuído à tradição impede um diálogo aberto com os mundos em transformação. A liberdade aparece aqui mais fortemente vinculada. Portanto, não deveríamos esperar muito do Sínodo sobre a família no fim do ano. Mas, certamente, há muito para se ter esperança.
Vi no: http://blogdoitarcio.blogspot.com.br/2015/06/a-homossexualidade-e-contraria-biblia.html

segunda-feira, 8 de junho de 2015

PARA CAETANO E GIL: 'Armazéns de crianças africanas' geram polêmica em Israel

Creche clandestina em Tel Aviv | Foto: Getty
Organizações de direitos humanos dizem que creches podem ter até 100 crianças em más condições de higiene

Dentro do que pode ser um abrigo antibombas transformado em apartamentos em Tel Aviv, o centro financeiro de Israel, há um espaço escuro, úmido e malcheiroso. Aqui, música é ouvida a todo o volume para abafar o choro de um grupo que, algumas vezes, chega a 100 crianças, a cargo de apenas duas babás.
É neste local que imigrantes africanas oferecem serviços de creche a preços módicos para milhares de outros africanos que se refugiaram em Israel.
Estes "armazéns de bebês" – também chamados de "estacionamentos de crianças" – têm sido denunciados pela imprensa local e por organizações de direitos humanos, por conta da superlotação e pelas condições precárias de operação.
Há dezenas de estabelecimentos do gênero em Tel Aviv. No início do ano, cinco bebês morreram em creches improvisadas em apenas um mês e meio.
A organização beneficente Unitaf, que patrocina projetos para o cuidado de menores sem cidadania israelense em Tel Aviv, criou creches e centros para crianças em idade pré-escolar, mas diz que ainda é preciso muito mais para atender à demanda dos refugiados.

Sem direitos

De acordo com a ONU, Israel abriga cerca de 53 mil refugiados africanos, a maioria vindos de forma ilegal pela fronteira com o Egito. Pelo menos 36 mil seriam da Eritreia e 14 mil, do Sudão.
Eles buscam o país porque é o único da região com um alto padrão de vida e aonde é possível chegar caminhando.
No entanto, Israel poucas vezes lhes concede asilo político, deixando a maioria deles em situação vulnerável, à margem da sociedade.
Refugiados africanos em Israel | Foto: Getty
Israel tem cerca de 53 mil refugiados africanos, a maioria deles sem cidadania e acesso à seguridade social
Para ganhar a vida, os imigrantes trabalham longas horas em diversos empregos, algumas vezes em locais muito longe de onde vivem. Por isso, precisam deixar seus filhos aos cuidados de outros.
Como muitos não podem pagar creches autorizadas pelo governo com o pouco dinheiro que recebem, recorrem aos "armazéns", cujas babás não têm o treinamento nem a equipe necessária para cuidar adequadamente dos menores.
Iris Alter, da Unitaf, disse à BBC que alguns bebês chegam a ficar horas dentro de berços em condições insalubres e sem os acessórios apropriados.
"Só podemos imaginar o efeito adverso que essas babás podem ser sobre o desenvolvimento destas criaturas", afirma.
De acordo com Alter, há falta de estímulo ou contato físico e, muitas vezes, as crianças veem televisão o dia inteiro. Também não é possível alimentar a todos e muitos sofrem de má nutrição.
"Normalmente deve haver uma babá para cada três a seis crianças e ela deve ser supervisionada por outro profissional. Mas nestes lugares pode haver uma, duas ou, no máximo, três, encarregadas de 20 a 50 bebês", diz Alter.

Única alternativa

Alter explica que, em Israel, não há educação nem cuidado público para crianças até os três anos de idade.
Mesmo os cidadãos israelenses que têm filhos pequenos e precisam trabalhar precisam encontrar uma solução privada. Mas, enquanto eles podem pagar creches privadas ou contar com a ajuda de seus pais, os imigrantes sem cidadania tampouco têm acesso à seguridade social.
"Muitas vezes o pai ou a mãe ficam sós porque seu cônjuge foi deportado e eles não sabem ou não aprenderam a cuidar de crianças muito novas", diz.
Babá com criança em Tel Aviv | Foto: Getty
Creches de africanas têm até três babás para cuidar de 20 a 50 crianças
As mulheres que se oferecem para cuidar dos menores são trabalhadoras imigrantes, geralmente de Gana, que também tentam ganhar a vida.
Para pagar seus aluguéis, comer e mandar algum dinheiro para a família em seu país de origem, acabam tentando administrar muitos bebês, mesmo sem preparo adequado para isso.
"Elas não fazem isso de forma criminosa, nem para se aproveitarem da situação. É o resultado da pobreza e da falta de oportunidades", afirma Alter.
Apesar de serem, de modo geral, anti-higiênicas e mal cuidadas, estas creches sem licença não são completamente ilegais. Mesmo assim, não contam com qualquer tipo de supervisão.
As autoridades locais não as fecham porque são a única alternativa econômica para as famílias sem documentos.
"É preciso apresentar outra solução. Se fecham uma creche, imediatamente abrem outra sem que soubéssemos onde."
A Unitaf afirma que está tentando fazer com que as mulheres que administram estas creches clandestinas sejam transferidas para centros bem equipados e administrados pela prefeitura, em que elas poderão ter capacitação, apoio e supervisão para realizar seu trabalho.
no: http://blogdoitarcio.blogspot.com.br/2015/06/para-caetano-e-gil-armazens-de-criancas.html

O pior erro é achar que é impossível mudar as coisas

Melancolia, de Munch
Melancolia, de Munch

Por Gilberto Maringoni, via DCM
Há um sentimento – que ganha concretude – nesses tempos ásperos.
Trata-se do niilismo.
O niilismo sempre existiu.
É irmão gêmeo do cinismo, primo da desesperança e vizinho do desalento. Trabalha junto com o ceticismo.
Todos têm um ponto em comum; alegam não haver futuro. Dizem que estamos todos fodidos e – principalmente – mal pagos. Não há o que fazer. There is no alternative.
O formulador das teses niilistas geralmente fala em “nós”, mas se refere, na verdade, a uma terceira pessoa indeterminada.
A manifestação rasteira do niilismo sempre conclui que brasileiro é assim mesmo, que este país não tem jeito e que todo mundo é ladrão (especialmente os políticos, que nunca prestam). O Brasil de fato é uma merda, propagam.
O niilista defende o voto nulo. Diz não ser responsável por tudo o que está aí.
Nesses tempos em que o governo Dilma e o PT – que tantas esperanças despertaram há mais de três décadas – faz seu pouso – forçado? voluntário? prazeroso? – na pista do neoliberalismo e provoca uma decepção vertical, ressurge com força o niilismo.
Com uma diferença.
Vem agora como pretensa explicação para o desastre.
E aparece de roupa nova.
Emerge como vertente bem-pensante, com notas de rodapé e bibliografia nas últimas páginas.

Chega para dizer que não se deve confiar em políticos, em instituições e cita os teóricos iluminados dessa senda. Pode ser quem advoga mudar o mundo sem tomar o poder. Pode ser quem denuncia a “burocracia” partidária – da esquerda, claro! – numa leitura enviesada de cânones weberianos ou teóricos do “patrimonialismo” brasileiro.

Surge para dizer que nenhuma ação terá chance contra a maré montante ultraliberal, pois um ciclo se encerra, tudo o que foi construído nas últimas três décadas acabou, que é preciso formas novas de se fazer política (sem enunciar muito claramente do que se trata).
Nem tente mudar.
Nem tente planejar.
Nem tente organizar.
Nem tente tentar.
Nem tente, porque tudo já foi tentado e nada deu certo.
Acabaram-se as grandes narrativas.
O mundo é fragmentado.
O comportamento chega a ser visto como chique. Gera personagens eternamente blasés, charmosamente chatos, mas com aura de sapiência irrefreável.
O incrível é que diante da crise – política, econômica, social e cultural – o niilismo bem pensante nos reconforta.
Alivia nossa impotência, funciona como bálsamo para nossos fracassos e nos dá a impressão de já termos visto tudo nesta Terra. Já que nada dá certo, pelo menos o esforço de buscar saídas nos é poupado. Usemos nosso tempo para outras coisas.
Hoje, este é o principal inimigo a ser – racionalmente – combatido por quem quer construir alternativas.
O niilismo mata vontades, golpeia a inteligência e obscurece o futuro.
Não parece, mas nos desarma diante do avanço conservador.
Nos tira o chão diante de Dilmas, Lulas, Temers, Cunhas, Renans, Alckmins, Richas e outros prestidigitadores da vida pública.
Nos leva ao fatalismo paralisante.
Vou falar uma coisa bobamente militante aqui.
A hora é de tentar.
Não tentar por esporte ou por algum automatismo impessoal.
A hora é de tentar, pois como me falava um velho comunista bauruense, Alberto de Souza (1908-1992), teoria sem saída não nos serve. Por mais brilhante que pareça.
Ouvir sábios pregarem que o mundo é uma merda e seguirá sendo não paga a cera dos ouvidos que gastamos para escutar esse arrazoado.
Seu Alberto tinha motivos para falar isso.
Encarou a Revolução de 1924, mal tirado das calças curtas. Correu o Brasil na Coluna Prestes. Foi arrebentado na prisão, em 1935, de onde saiu para nunca mais conseguir andar.
Tornou-se um lutador e um organizador bravo e valente. Ajudou greves e mobilizações. No golpe de 1964, roubaram-lhe todos os livros. Perdeu amigos e camaradas.
Mas pode ver o ressurgir democrático nos anos 1970/80.
No quintal de sua casinha, na periferia bauruense, sentado numa cadeirinha de palha pegava um graveto, fazia um risco no chão, como um limite.
– Não presta quem diz que daqui ninguém passa. A gente passa ou morre tentando. É preciso saber transformar derrota em vitória. Quem não faz isso, melhor ficar em casa.
Seu Alberto mal concluíra o ensino fundamental. Mas pensava grande.
Não leu Gramsci. Mas exercitava o pessimismo da Razão e o otimismo da Vontade como poucos que conheci.
O mundo gira e a Lusitana roda.
Saída sempre há.
Pode não estar a vista.
Nesse caso precisa ser inventada. Usando as ferramentas de sempre – organização, ousadia, luta, inteligência – e sabendo-se o lado em que se está.
Não é fórmula e nem conselho.
Requer alguma prática e um tanto de habilidade.