sábado, 25 de outubro de 2014

Da homofobia de Fidelix à capa 'golpista' de 'Veja', uma eleição para não deixar saudade


Dilma e Aécio durante um dos debates do segundo turno: 'leviana' de um lado, Lei Seca de outro
"Reportagem da revista semanal que acusa Dilma e Lula de terem ciência sobre desvio de recursos na Petrobras coroa campanha marcada por baixo nível, ataques pessoais e denúncias infundadas
Brasil 247 

Ofensas públicas em debates e em comícios, acusações sobre corrupção tomando como base o depoimento de um criminoso e frases homofóbicas proferidas nacionalmente: nada nos últimos três meses se compara à capa desta semana da revista Veja, que acusa Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva de serem conhecedores e beneficiários de um esquema de propina utilizando verbas da Petrobras.

O professor de Ciências Políticas Francisco Fonseca, da Fundação Getúlio Vargas, entende haver uma clara tentativa de interferir no processo eleitoral, em uma ação que rebaixa ainda mais o nível do debate eleitoral de 2014. Para o especialista, o governo deve retirar os anúncios oficiais da publicação e o PT deve entrar com um processo judicial contra a revista.

“Minha avaliação é que isso faz parte de um golpe que está sendo processado de dois anos para cá pela grande mídia, da qual a revista Veja é a porta-voz. É uma capa que não tem nenhum fundamento, com o intuito de interferir nas eleições, criando um fato político”, afirma. “É golpismo e está na hora de o governo parar de direcionar publicidade oficial para veículos de comunicação claramente golpistas. Essa capa é um panfleto da extrema-direita, sem qualquer critério jornalístico, que tem por objetivo claro influenciar as eleições. Mas a publicação terá um efeito muito pequeno, porque fala apenas com quem já votaria em Aécio.”

A publicação da Editora Abril traz supostas denúncias do doleiro Alberto Youssef, que teria dito ao delegado que investiga irregularidades na Petrobras que Lula e Dilma sabiam de tudo. No entanto, o advogado Antonio Figueiredo Basto, que defende o doleiro, disse desconhecer o depoimento de seu cliente: "Eu nunca ouvi nada que confirmasse isso. Não conheço esse depoimento, não conheço o teor dele. Estou surpreso", afirmou. "Estamos perplexos e desconhecemos o que está acontecendo."

A presidenta Dilma Rousseff fez hoje (24) um depoimento contra a revista durante seu programa eleitoral, em uma ação que chamou de “criminosa”. A candidata do PT à reeleição afirma que a atitude envergonha a imprensa e a tradição democrática do país, que não é a primeira vez que a publicação tenta interferir no processo eleitoral e na sua imagem e na do ex-presidente. "Sou defensora intransigente da liberdade de imprensa. Mas a consciência livre da Nação não pode aceitar que mais uma vez se divulguem falsas denúncias no meio de um processo eleitoral em que o que está em jogo é o futuro do Brasil. Os brasileiros darão sua resposta a Veja e seus cúmplices nas urnas. E eu darei a minha resposta a eles na Justiça", afirmou Dilma.

Para Fonseca, a ação judicial contra a revista é justificável. “Esse caso tem que ser levado à Justiça. Claro que a candidatura de Aécio vai reclamar dizendo que é censura, mas claramente não é. E quem é Aécio Neves para falar de censura?”, questionou.

Em Minas Gerais, Aécio e o PSDB são autores de duas ações para retirar da internet todos os links que fazem menção ao desvio de verba do governo tucano no estado – pelo menos 20 mil conteúdos. Outra ação, que corre em segredo de Justiça, pede “providências” contra perfis em redes sociais que relacionam Aécio ao consumo de drogas. Já durante a campanha, o candidato entrou com um processo contra o Twitter exigindo que lhe fossem entregues os cadastros de 66 usuários, entre eles blogueiros, jornalistas e ativistas digitais. Além disso, ele solicitou à polícia do Rio de Janeiro a invasão do apartamento da jornalista Rebeca Mafra, que citou o jornalista em uma matéria classificada como “crime de honra”.

Na opinião de Fonseca, o episódio mostra que é urgente dar início a uma reforma da mídia, de forma a “proibir os oligopólios, rever concessões e impedir a propriedade cruzada”. “Nenhum deles foi propositivo. A campanha é fortemente midiática e marqueteira, para responder às pesquisas eleitorais. Se discute em um nível muito genérico, que baixou ainda mais de 2010 para cá.”

Baixaria

Se a publicação da Veja coroa o baixo nível do debate eleitoral de 2014, as campanhas e a imprensa conseguiram, durante o processo eleitoral, fomentar discursos de intolerância. “Aécio estabeleceu a campanha do ódio que, como teme a elite, de fato transformou o Brasil em uma Venezuela. É o ódio de classe, que estava subterrâneo na sociedade”, avalia. “O que temos são embates, e não debates. A violência é inclusive gestual, transpondo a ideia de ‘vamos libertar o país de vocês’. Em 2010 o nível já estava baixo, mas agora foi o rebaixamento completo."

A disputa eleitoral deste ano foi marcada por episódios emblemáticos neste aspecto, como o vai e volta de Marina Silva (PSB) em seu programa de governo, o pronunciamento homofóbico de Levy Fidelix (PRTB) no debate da Record e o fato de Aécio Neves ter chamado duas candidatas de “levianas”. Apesar de os episódios terem levantado a bola para um debate sobre direitos sociais, os temas foram pouco discutidos. O que ganhou a cena foram os ataques partidários e o confronto de histórias políticas, segundo especialistas e parlamentares.

“Foi uma campanha mais sobre passados e heranças dos governos do que sobre futuro. De um lado se retomam ataques dizendo que o PT errou e que é necessário, por exemplo, fortalecer negociais comerciais com os EUA e a Europa, mas não se explica como. De outro lado, o PT tem o discurso muito focado nos programas sociais, mas as jornadas de junho do ano passado mostraram que isso é insuficiente”, diz o diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), Cândido Grzybowski. “Em 2010, Lula apresentava resultados fantásticos de crescimento econômico e de avanços sociais. Era imbatível. Nessa campanha mundo está com dificuldade de se arrumar, e o Brasil tem mais incertezas.”

Ele avalia que o início do segundo turno foi bastante marcado por ataques pessoais, que se amenizaram no decorrer da disputa. “Aécio Neves (PSDB) acusava Dilma Rousseff (PT) de comandar um bando de corruptos e ela rebate dizendo que o ele próprio é corrupto”, avalia o especialista. “A verdade é que nenhum dos dois caminhou propositivamente. Dilma diz que Aécio vai voltar a política de salário reduzido e que vai acabar com o Bolsa Família. Aécio diz que vai melhorá-lo, mas não explica como. Nisso, a agenda da reforma política, por exemplo, foi muito vagamente tratada. E se a gente não discute não avançamos, mas os urubus, que são as empreiteiras e os grandes grupos empresariais, avançam e lucram”, avalia o especialista.

O filósofo Vladimir Safatle concorda. “O debate de 2010 já foi muito esvaziado de propostas. Este também. O voto em 2014 não é pela identificação com uma proposta. É o voto da negação. Nós, principalmente nós aqui de São Paulo, sabemos o que é o governo do PSDB é um desastre e que não podemos deixa-lo voltar”, afirma. “Vivemos um momento de esgotamento da política brasileira e me parece que nenhum dos atores principais no debate eleitoral tenham sido capazes de desempenhar seus papeis.”

Para o deputado tucano Bruno Araújo, a principal característica dessa eleição foi o processo que ele chama de “desconstrução”, encabeçado pelo Partido dos Trabalhadores. “Essa foi a opção marqueteira feita pelo PT em um momento que a presidenta disputa uma eleição mais difícil que seus antecessores. Por mais que os outros candidatos tentassem ser propositivos, o debate ficou na desconstrução. De 1994 para cá esta é a eleição mais focada na desconstrução”, diz.

“A oposição em 2010 foi um fracasso absoluto. Neste ano, eles fizeram mais ataques que propostas. Colocaram o PT como um partido corrupto, fizeram um ataque na cabeça da população com essa questão”, avalia diz o deputado federal Carlos Zarattini (PT).

O deputado federal Otávio Leite (PSDB) contrapõe dizendo que “é inevitável que verdades sejam ditas quando se é agredido por muitas mentiras”, afirma. “O PT tem se dedicado muito a fazer terrorismo sobre perda de eventuais direitos trabalhistas e até sobre o fim de programas sociais.”

Direitos sociais

Sequer as pautas relacionadas a direitos sociais, como a legalização do aborto ou a criminalização da homofobia, ganharam a profundidade que merecem, segundo os especialistas. Mesmo as declarações homofóbicas de Fidelix durante o debate da Record, em setembro, ainda no primeiro turno da disputa, não levaram a um aprofundamento do debate como reação. Na ocasião, Levy chegou a afirmar que “aparelho excretor não reproduz” e que a maioria heterossexual deveria “ter coragem” de “enfrentar a minoria” homossexual.

O segundo turno também teve seu momento mais alto em um debate. No encontro do SBT, Aécio e Dilma trocaram farpas, com claros sinais de irritação dos dois lados. O tucano acusou a petista de "leviana" por cobrá-lo por explicações a respeito do aeroporto privado construído com recursos públicos de Minas Gerais na fazenda de um tio. Não satisfeito, perguntou se ela era "conivente" com a corrupção ou "incompetente" com a administração pública.

De outro lado, Dilma evocou uma questão pessoal de Aécio ao pedir a opinião do adversário sobre motoristas que se recusam a fazer o teste de álcool e drogas em blitze da Lei Seca – o tucano foi parado em uma operação no Rio de Janeiro e se recusou a fazer o exame exigido por lei.

De volta ao primeiro turno, a então candidata Marina Silva (PSB) recuou sobre as propostas de direitos da comunidade LGBT em seu plano de governo em menos de 24 horas após o lançamento do documento e após ter recebido críticas ferrenhas do pastor Silas Malafaia, que chamou o plano de “vergonha pior do que do PT e do PSDB”. Um dos recuos foi o apoio à aprovação do PLC 122/06, que equipara os crimes de discriminação de gênero com os crimes de racismo, a eliminação de obstáculos para adoção de crianças por casais homossexuais e o apoio ao casamento civil gay igualitário.

“Tomar partido nesses temas desorganiza as alianças políticas. Ainda assim, Aécio tem a ousadia de propor a redução da maioridade penal, porque sabe que o eleitor dele quer isso”, avalia Cândido, do Ibase. “A rua deu a sinalização que é preciso avançar em direitos relacionados a saúde, segurança, mobilidade e cidadania e isso mal entrou no debate político.”

O deputado federal Paulo Teixeira (PT) avalia que apesar da declaração de Fidelix e dos recuos de Marina, a campanha de 2010 foi mais homofóbica que a de 2014. “As eleições desse ano foram menos assustadoras desse ponto de vista, mas ainda permanecessem essas velhas questões. Em 2010, José Serra (então adversário tucano de Dilma no segundo turno) abrigou essas bandeiras conservadoras.”

Naquele ano, os então candidatos Dilma e Serra travaram uma dura batalha pelo apoio de religiosos, um dos fatores que rendeu quase 20 milhões de votos à Marina Silva, que concorria pelo PV. Assim, religiosos conservadores acabaram conquistando um pedaço considerável da agenda dos presidenciáveis. Malafaia pregava voto em Serra acusando Dilma de ser “a favor do homossexualismo” e atribuindo até homossexualidade a ela.

Além disso, Serra fez uma campanha pesada contra o aborto, afirmando que Dilma era a defensora da proposta. Em sabatina da Folha de S. Paulo em junho daquele ano, ele chegou a afirmar que o aborto é “uma coisa terrível” e que “em um país como o nosso” a legalização liberaria “uma verdadeira carnificina”. “Quando Serra tentou retroceder sobre o aborto em 2010 ele perdeu votos dos progressistas, porque tirou a questão do campo político e colocou no debate sobre comportamento”, avalia Zarattini.

Em agosto deste ano, durante o debate da Band, Aécio defendeu a manutenção da atual legislação brasileira, que veta este direito às mulheres, exceto em casos de estupro e de fetos anencéfalos. "Acredito que a legislação atual deve ser mantida, mas defendo que haja cada vez mais informação, sobretudo a adolescentes de baixa renda no brasil, sobre anticoncepcional e outras formas contraceptivas", disse o tucano.

“Os temas do aborto e da homossexualidade estiveram mais presentes em 2010 até porque pela primeira vez a principal candidata era mulher. Foi também uma questão de conflito gênero, que neste ano tem sido pontuada com a postura conflitiva de Aécio Neves. Em 2010, o adversário não foi tão grosseiro e tão explicitamente arrogante. Mas os debates daquele ano ajudaram a consolidar a lógica fundamentalista que se expressa hoje no Congresso”, avalia a deputada federal Érika Kokay (PT).

Para Érika, Aécio tem adotado uma postura machista durante a campanha. No último dia 12, ele afirmou que Dilma está “à beira de um ataque de nervos”, durante uma agenda em Aparecida (SP). Dois dias depois, no debate da TV Band, Aécio chamou Dilma de “leviana” e “mentirosa”. Na ocasião, o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva chegou a afirmar que “queria ouvir ele falar assim se o outro candidato fosse um homem”. Antes disso, ainda no primeiro turno, ele já havia chamado a candidata do Psol, Luciana Genro, de “leviana”. Em um momento marcante da primeira etapa da disputa, ela respondeu com firmeza: “tu não levante o dedo para mim!”.

“Ele não pode falar assim com uma mulher eleita democraticamente para a presidência da república. Existe até um protocolo para isso. O candidato do PSDB tem uma arrogância expressa no nível da agressividade e da blindagem a qualquer tipo de questionamento. É um escárnio e uma desfaçatez que está mais aguda agora, reflexo de uma candidatura que nunca viveu, dialogou ou se comprometeu com o combate às desigualdades”, avalia Érika. “Ele usa expressões cunhadas pelo machismo. É uma arrogância de caráter sexista que concentra três tipos de desprezo da casa-grande: o contra a mulher, o de classe e o menosprezo ao Estado democrático de direito.”

A falácia da Meritocracia


Nairan Ballesta, Pragmatismo Político

"É tendência comum supor que, em relação a resultados esperados, se deva priorizar aquelas pessoas que demonstram talento e esforço pessoal na solução de problemas ou na busca de se sobressair diante da competitividade, e escolher essas pessoas para assumirem posições criticas e importantes de decisão ou responsabilidade na execução de tarefas, sejam particulares, sejam públicas. Dito dessa forma pode parecer natural e justo que sistemas meritocráticos assumam prevalência e preponderância sobre outras formas de escolha e definição de prioridades ou oportunidades em empresas, governos e entidades sociais. No entanto é cada vez mais frequente a percepção de que os sistemas meritocráticos se mostram injustos, discriminatórios, segregacionistas e que criam sérios problemas burocráticos, sociais e políticos nas sociedades em que são aplicados, tanto que nenhuma sociedade atual possui um sistema totalmente meritocrático em aplicação, apesar da meritocracia estar presente em maior ou menor grau em praticamente todas elas.

Pois bem, então onde reside o problema com a meritocracia, e porque ela se mostra tão dúbia e é tão fortemente contestadas por tantas pessoas?
Bem, me aventuro a dizer que em meus pensamentos sobre essa questão levantei algumas hipóteses e desenvolvi algumas idéias sobre essa questão e vou buscar apresentar algo dessas idéias nesse trabalho.

Creio ser também oportuno afirmar que este texto não possui a formalização de um texto acadêmico, mesmo porque eu não tenho formação que possa sustentar tal ambição, nem tão pouco participei ou realizei estudos sobre o tema de forma consistente e metódica. Sendo portanto que este texto deve ser encarado mais como uma crônica do que como um artigo que pretenda demonstrar algo de forma acadêmica.

Pois bem, então poderíamos perguntar, afinal qual o problema com a meritocracia?

Para responder a isso acho que precisamos primeiramente falar um pouco sobre as palavras, seus significados e os conceitos derivados delas. Calma não se preocupe que não pretendo aqui entrar em questões retóricas sobre etimologia ou semântica, mas é de suma importância que entendamos não apenas o significado das palavras meritocracia e mérito, mas também qual dos vários significados que estas palavras possuem que adquirem maior relevância no imaginário das pessoas quando se referem a elas.
Pelo dicionário temos que:

Meritocracia: (do latim mereo, merecer, obter) é a forma de governo baseado no mérito. As posições hierárquicas são conquistadas, em tese, com base no merecimento, e há uma predominância de valores associados à educação e à competência.

E logo em decorrência:

Mérito: s.m. Aquilo que faz com que uma pessoa seja digna de elogio, de recompensa; merecimento. Qualidade apreciável de uma coisa, de uma pessoa. O que caracteriza a ação de merecer honras ou castigos; merecimento: condenado pelos seus méritos; prêmio recebido pelos seus méritos.

Pois bem, se na meritocracia as pessoas devem ser escolhidas por seus méritos, e os méritos representam o que é digno de elogios de recompensa de honras, segue dai que aqueles que sejam meritórios, pela própria definição, estão acima e a frente das demais pessoas, do comum, do vulgar. Afinal não haveria sentido em se falar em méritos se quem possui esses méritos se mostra comum e vulgar quando comparado à todos os outros. Pode parecer, a princípio, que estou apenas dizendo o óbvio, porém nem sempre o óbvio é percebido de forma tão direta como esperada e nem sempre o que esta diante de nossos olhos é captado em todo o seu significado, como pretendo deixar mais claro logo a diante.

Agora se impõem também uma outra questão, o que seria considerado algo meritório? Se temos o sujeito que merece ser reconhecido como meritório então precisamos também ter o ato que possa ser considerado mérito, aquilo que ao ser realizado por uma pessoa o torna merecedor de ser reconhecido como digno de mérito.

Então vamos pensar sobre cada uma dessas questões e tentar chegar a um entendimento mais completo sobre o que se esconde por trás de uma simples palavra.

Todos nós buscamos heróis, exemplos, referencias em quem olhar e que nos sirvam de meta, de estímulo, de alvo a ser atingido, de uma forma ou de outra todos buscam ídolos para quem olhar. Claro que, se levarmos em conta o amadurecimento esperado para uma pessoa, o mais lógico seria que essa necessidade de idealização fosse se acalmando com o tempo, não no sentido de perdermos a capacidade de reconhecimento quanto aos ícones, mas no sentido de podermos julgar com mais clareza e bom senso e nós mesmos irmos nos tornando nosso próprio referencial, e os referenciais externos passarem a se tornar apenas lembranças do que nos motiva e nos impulsiona para a frente, e entendermos que reconhecimentos e méritos possuem seu lugar, mas não se prestam a ser o único alvo a ser atingido e sim se tornarem apenas marcos que nos orientam em nossa própria busca pessoal.

Porém não é isso que acontece de fato em parcelas significativas da população, o significado que predomina acaba sendo apenas e tão somente o sentido direto entre mérito e recompensas, elogios e honras. Isso provoca nas pessoas e na sociedade uma estranha inversão de valores, onde quem persegue o mérito não persegue a ação meritória, mas sim as benesses que advém de alguém ser considerado meritório, e aqui nasce o primeiro dos problemas da meritocracia.

Vejamos como isso acontece. Imaginemos duas situações semelhantes, porém com personagens distintos atuando em cada uma delas. Vamos supor que existam duas casas em chamas e dentro de cada uma delas ha uma pessoa precisando de socorro para escapar das chamas, no primeiro caso temos uma equipe de bombeiros completa atendendo o chamado, a equipe começa a jogar água sobre as chamas e um dos bombeiros veste uma roupa de proteção, coloca uma máscara com oxigênio nas costas, se amarra em uma corda e entra na casa totalmente equipado para enfrentar as chamas e se valendo de seu treinamento, e assim consegue resgatar a pessoa que se encontrava lá dentro. Na outra situação temos apenas uma pessoa comum, que passava pelo local no momento em que as chamas tomam conta da casa, os bombeiros não aparecem e as chamas se alastram, ele não possui treinamento nem equipamentos, mas não suporta a ideia de deixar a pessoa morrer sozinha sem nada fazer, então pega um pedaço de pano encharca com água enrola no rosto e, tendo apenas essa proteção entra na casa conseguindo, mesmo contra todas as chances, resgatar a pessoa das chamas.

Agora vem a pergunta principal, qual das duas pessoas poderíamos dizer realmente que possui méritos pelo feito realizado? Para qual dos dois deveríamos oferecer uma medalha, mostrar nosso reconhecimento, demonstrar honra e até favores pelo feito?

Não precisamos responder realmente essa pergunta, pois cada um de nós sabe internamente para qual das duas pessoas o reconhecimento seria maior e mais legitimo, mas o que realmente muda no caso de um e no caso do outro? A resposta para essa pergunta é o ponto chave para entendermos a falácia da meritocracia. E essa resposta é bem simples, a capacitação.

Muitos entretanto pode argumentar que aquele que possui o verdadeiro mérito seja o Bombeiro, pois ele treinou para isso, se preparou, sabe como lidar com os equipamentos e como agir para melhor garantir a vida e segurança dele e da possível vítima, mas isso é um erro, o fato dele possuir treinamento indica capacitação, não valor de ação. Se fôssemos tomar cada ato que as pessoas realizam em seu dia-a-dia como algo meritório logo não haveria méritos, pois tudo recairia novamente no comum, no banal, e o simples ato de alguém cumprir seu dever já mereceria aplausos e medalhas. Não digo nem que não mereçam, afinal muitos dos deveres cotidianos são por demais pesados para qualquer pessoa não apenas bombeiros, mas médicos, socorristas, enfermeiros, policiais e muitos outros, e justamente para que possam cumprir seu trabalho eles precisam de uma capacitação eficaz e rigorosa.

Mas o que significa estar capacitado? Para se capacitar para algo, a pessoa precisa de dedicação, cuidado, esforço, constância e habilidades, coisas que estão sob sua esfera pessoal, dependem dela mesma em maior ou menor grau. Mas também precisa de bons professores, técnicas, orientação, suporte e assistência, coisas que não pertencem à pessoa nem ao universo de escolhas que elas possam fazer diretamente. Uma pessoa que, por razões que fujam de seu poder de decisão e escolha, acabe em uma escola ou centro de treinamento ineficiente, terá uma capacitação pobre e ineficiente, não importa o quanto se esforce para aproveitar ao máximo aquilo que lhe é ensinado.

Já alguém que possua capacidades acima da média, pode acabar por realizar coisas surpreendentes, mesmo sem ter a capacitação adequada para aquilo, algumas podem até mesmo criar suas próprias capacitações diante de uma situação que assim o exija. Mas isso não é algo que possa ser transmitido de uma pessoa para outra, nem tão pouco ser metrificada e submetida a sistemas de ensino, é algo pessoal, intransferível.

Algo impossível de ser cobrado de qualquer pessoa, exatamente por isso quem possui ou consegue se sobressair dessa forma é tão especial e raro.

Vejam, ser digno de mérito não significa tão somente fazer o que se espera da pessoa, mas fazer além, não apenas fazer o esforço para o qual a pessoa foi preparada ou capacitada a fazer, mas fazer aquilo para o que a pessoa não foi preparada, e mais que isso fazer isso sem esperar pelo retorno que isso poderia trazer.

Vamos imaginar mais um pouco, vamos supor que o prefeito daquela cidade onde ocorreram os incêndios decida oferecer uma medalha para cada um dos dois homens, o cidadão comum e o bombeiro, e sem que nenhum dos dois saibam disso eles são chamados para uma solenidade, então o prefeito chama primeiramente o cidadão comum e lhe oferece a medalha de honra ao mérito pelo seu feito, os abraços se estendem um pouco, vem as fotos e, antes que o prefeito possa ter chance de chamar o bombeiro esse se levanta e reclama em voz alta seu direito de receber também uma medalha. Eu pergunto então, qual seria o valor dessa medalha, diante da população e da sociedade em geral, desse momento em diante?

Então vamos ver o que isso significa na realidade,
Mérito não é algo que se possa cobrar, nem é algo que se possa medir por puro esforço na realização das tarefas cotidianas, mérito é algo que se outorga, não que se exige ou se cobra.

Outra característica do mérito é que ele é algo perene, o risco que aquele cidadão da história realizou e a vida que ele salvou nunca irão se apagar enquanto houver algo ou alguém que recorde aquele feito, não importa o que esse mesmo cidadão venha a realizar ou deixar de fazer no futuro, o mérito que ele conquistou é dele de forma perene. Já por outro lado o trabalho do bombeiro devera ser realizado outras vezes se ele quiser continuar sendo bombeiro e para faze-lo ele devera se manter capacitado para isso, pois no momento em que não for mais capaz de faze-lo ele obrigatoriamente não poderá mais ser um bombeiro. O importante no entanto é perceber que para isso, para continuar bombeiro, ele não depende do mérito pessoal, mas da capacitação contínua, e isso são duas coisas totalmente diferentes. A capacidade dele como bombeiro não exige que ele se arrisque a cada momento, ao contrário, busca fazer com que ele se arrisque cada vez menos, melhorando os métodos, os equipamentos e as técnicas, e ninguém irá cobra-lo por não se arriscar além do que é esperado no cumprimento do seu dever e de suas obrigações.

Vamos analisar isso de uma outra maneira, imaginemos um ganhador do prêmio Nobel. Sob qualquer aspectos que vejamos esse ganhador possui méritos para isso, visto que não é qualquer pessoa que consegue se destacar em uma área o suficiente para merecer esse prêmio. Agora imagine a situação dos doadores do prêmio chegando para esse mesmo ganhador, dois anos depois dele ter recebido seu prêmio, e falarem algo mais ou menos assim…”caro senhor, visto que durante esses dois anos que se passaram o senhor não se destacou em nenhuma outra área de pesquisa, mesmo tendo em conta que sua pesquisa anterior foi de enorme importância para toda humanidade, viemos retirar sua premiação, por falta absoluta de novas realizações posteriores”… O que poderia ser dito de tal atitude?

Ou podemos também imaginar uma outra situação, digamos que esse senhor, ganhador do prêmio, padeça de alguma doença degenerativa, que o vá tornando senil, ao ponto dele perder toda a capacidade de realizar novas pesquisas e de continuar seu trabalho, por acaso ele será menos reconhecido por seus feitos anteriores?, por acaso seu nome não passara para a história por aquilo que ele realizou? Mas no entanto ele não estaria apto a assumir nenhum outro cargo efetivo no futuro devido a sua de doença e a perda da capacitação que daí decorre.

Então já temos bem clara a falácia da meritocracia, ao pretender se firmar no mérito ela na verdade se firma na capacitação pura e simples. Porém não é essa noção de capacitação que permeia as idéias das pessoas, mas continua sendo a ideia de mérito verdadeiro e como tal as pessoas acabam, mesmo sem se darem conta de forma plenamente consciente disso, esperando e exigindo o mesmo reconhecimento que se dá para quem possui mérito genuíno, e passam a julgar que apenas um esforço adicional nos estudos, ou o fato de passarem em um exame, já lhes confere o direito de cobrar e exigir esse reconhecimento como méritos próprios, quando o que eles fizeram foi apenas passar por um processo de capacitação para a área em que se aplicaram, e mais, passam também a julgar de forma exclusivista que apenas os esforços dele foram responsáveis por seu progresso e pelos sucessos que atingiram, se esquecendo completamente de toda a enorme cadeia de oportunidades, pessoas, equipamentos, conhecimento acumulado anteriormente e esforço desenvolvidos por outras pessoas para que a estrutura em que ele se capacitou estivesse funcional e preparada para que ele e outros atingissem seus objetivos. Aos olhos dessas pessoas, apenas o esforço pessoal é que conta. porém, de fato, dificilmente essas pessoas terão realizado algo a mais, dificilmente terão verdadeiramente se sobressaído de forma a merecerem um reconhecimento real de mérito além do que todas as outras pessoas também fizeram…

Se fosse somente isso já seria um grande mal, mas isso sozinho não trariam grandes consequências, além de tornar aquelas pessoas mais egoístas e arrogantes. Mas junto com essa cobrança por reconhecimento dos méritos, vem também a noção de perenidade da conquista realizada, vem a noção de que apenas aquele concurso público vencido, apenas aquela prova ou aquele exame superados, apenas aquela etapa atingida já dão direito da pessoa se perpetuar por seus méritos na posição alcançada, e isso implica em abandonar a capacitação como obrigatoriedade para que se cumpram as funções e deveres assumidos.

Quando a pessoa atinge um status em que, ao modo de ver dela mesma, de seus parentes mais próximos, e até do sistema estabelecido, ela possua uma condição de referencia, de direito, de honra e, aos olhos dela mesma, de mérito próprio e pessoal, nada mais natural do que se esperar que esse ego se infle, se eleve até as alturas e crie a realidade que vemos espalhada por todos os lugares em que esse
sistema é aplicado.

Esse sentimento é tão forte e tão contagiante, entre aqueles que se rendem a ele, que as pessoas começam a julgar direito seu receberem todo tipo de preferência, ou de reconhecimento, seja na forma de elogios, seja na forma de indicações para cargos, ganhos adicionais e muito mais, passam realmente e se julgarem elite, pessoas diferenciadas e dignas de honra e aclamação. Isso estabelece um circulo vicioso, pois para manter essa ilusão de grandeza é preciso que os valores sejam vistos como vindos exclusivamente da pessoa e não de todo o aparato que a cerca, logo nada mais natural do que crer e afirmar que a razão para que outros não alcancem o lugar que elas alcançaram seja a indolência, a preguiça, a desatenção, a falta de esforço pessoal, e que se desprezem ou minimizem totalmente as demais variáveis, como escola, origem, oportunidades, professores capazes, acesso a informação de qualidade e à estruturas sólidas e todo o resto. E finalmente, se valem dos poucos casos reais de mérito, quando alguém realmente conseguiu se sobressair de forma pessoal, independente de outros fatores, para afirmar e atestar a validade de seus argumentos em prol do esforço pessoal como única explicação real para o posto ou lugar que alcançaram.

A escolha pela capacitação deveria ser algo natural, evidente por si mesmo. Mas para que essa escolha possa realmente dar frutos ela obrigatoriamente deve se separar e se distanciar da ideia de mérito, e de meritocracia.

Não se trata de dizer que ninguém deva ser escolhido por meio de testes ou receber indicações dentro das áreas para as quais se encontre capacitado, ao contrario, significa fazer isso de forma natural, sem a contaminação de fatores morais nem a super valorização das conquistas, apenas e tão somente trabalhar sobre um sistema de reconhecimento factual, onde cada meta alcançada seja reconhecida como uma meta alcançada e nada mais, sem dúvida que aqueles que demonstrarem capacidade acima da média dos demais alcançaram resultados melhores, mas isso sem estardalhaços e sem avaliações morais quanto as pessoas.

Reconhecer que o que se alcança através dos estudos, do esforço, da dedicação, sejam apenas capacitação mas que alcançar mérito real também é possível, mas que esse mérito real não é algo que toda e qualquer pessoa possa alcançar não diminui os feitos de ninguém, ao contrario, os enaltece.

Além do mais isso também não tira o fato de podermos receber a outorga por nossos feitos como méritos legítimos, porém vindos de outros lugares, como da família por exemplo. Alguém que se forma depois de muito esforço, especialmente aqueles que chegam lá a custa de muito sacrifício pessoal e familiar, com certeza tem o direito de aceitarem e receberem a outorga desse reconhecimento de mérito da parte de seus familiares, e tem o direito de se orgulharem pelo que fizeram e pelo que atingiram, mas não de pretender levar esse mérito pessoal além dos limites de sua esfera pessoal. Pois para realmente ser correto e verdadeiro ele deve também reconhecer que inúmeros outros atingiram o lugar que ele atingiu, e que a única forma de se manter em atividade é pela capacitação constante. O mérito pessoal alcançado estará sempre presente no seio de sua família e daqueles que compactuam com ele desses feitos, mas isso é algo que pertence à ele e àqueles que lhe são caros, e se trata de uma etapa e não de toda a vida. Pretender cobrar de outros esse reconhecimento é o mesmo que exigir a outorga de uma medalha em uma solenidade, ela pode até chegar, mas não terá valor nenhum."

Porque a história do doleiro é uma ofensa a qualquer inteligência


Fernando Brito, Tijolaço 

 "Se no Brasil se fizesse jornalismo e não campanha eleitoral nos jornais, a história do doleiro Alberto Youssef esbarraria num “pequeno” problema, sem o qual mesmo como “denúncia”, o que ele teria dito – se é que disse –  não deveria ser publicado, porque falta um elemento essencial.

É simples, mas indispensável a que qualquer pessoa medianamente inteligente dê um grama de crédito e continue a ouvir o que se diz.
Mas tão obvio que, sem qualquer parcialidade política e de forma apenas cartesiana a história fica frágil como uma fofoca.

Como é que um bandido de terceira categoria, recém-saído (2004) da cadeia, operando numa cidade do interior do Paraná, que não tem contatos pessoais nem com Lula nem com Dilma Rousseff afirma, como diz a Veja, que “eles sabiam”?

É a pergunta óbvia que os promotores e policiais que se apressaram a dar a “bomba” à Veja fariam, é obvio.

E o que qualquer jornalista digno de um mínimo de profissionalismo lhes perguntaria.

Imaginemos, então, que, perguntado, Youssef tivesse dito que o ex-diretor da Petrobras Paulo Costa, lhe contara.

Então, já temos “Youssef diz que Paulo Roberto disse que Lula e Dilma sabiam”

Como Paulo Roberto Costa não era, nem mesmo ele alega isso, pessoa dos círculos de intimidade de Lula e Dilma, mesmo que não tenha dado uma simples “garganteada” sobre seu poder, para isso seria preciso que alguém lhe tivesse dito.

Digamos, um ministro, um senador ou um deputado.

E a notícia já seria “Youssef diz que Paulo Roberto Costa disse que um deputado ou o Ministro X disseram que Lula e Dilma sabiam”
Isso, claro, sem contar que o deputado, o senador ou o Ministro não estivessem invocando os nomes dos presidentes para dar cobertura à falcatrua que negociavam.

Elementos para comprovar ou dar um mínimo de credibilidade a isso? Nenhum.
Ora, será que um policial, um promotor, um juiz poderia tomar esta informação como verdade sem mais nada a comprová-la?

Por que um jornalista o faria, então?

Mais, por que, isso sendo dito a três dias de uma eleição presidencial, um policial, um promotor, um juiz ou um jornalista não vai se questionar se a declaração – se é que existe – tenha sido dada com objetivos políticos, para colher gratidões de um resultado político-eleitoral que possa advir da acusação?

E aí, de novo apelando para o raciocínio mais simples e direto: apenas porque, por interesse e parcialidade política, torna-se cúmplice daquele que o próprio juiz do caso, Sérgio Moro, chamou de “bandido profissional”.
E cúmplice de bandido, bandido é."

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

O fascismo aqui e no cinema de Rossellini


"Hibernando ou dissimulado no recôndito da (in)consciência, de tempos em tempos o fascio di combattimento de Mussolini irrompe sob a forma da intolerância

Léa Maria Aarão Reis, Carta Maior

Roma, cidade aberta é um dos grandes clássicos do cinema. Filme que deve ser visto e revisto para que não se perca nunca a perspectiva da violência do fascismo como ideologia política e arma de dissolução da convivência entre contrários na vida cotidiana dos indivíduos.

Hibernando ou dissimulado no recôndito da (in)consciência, de tempos em tempos o fascio di combattimento de Mussolini irrompe sob a forma da intolerância, insultos, intimidação, racismo, discriminação e força bruta até nos que pareciam imunes ao veneno - como vemos ocorrer no Rio e em São Paulo em violentas manifestações públicas, por enquanto individuais, nos últimos dias do período eleitoral.

Fácil distinguir o fascista para analisá-lo na ponta da lente do microscópio, e o magnífico cineasta Roberto Rossellini sabia muito bem disso. O fascista, disfarçado de bom moço defensor de pretensas causas justas, diz “eu não levo desaforo para casa,” como avisa o moleque de praia. Promete prender, bater e arrebentar quando detém poder ditatorial. Mente e fala mal – xinga muito – quando sente que está perdendo. São movimentos individuais de vocação fascista.

Roberto Rossellini é o autor de Roma, cittá aperta e mostra o fascismo na Itália. O filme foi realizado em 1945, dois anos depois de terminada a ocupação nazista que durou nove meses e quando a cidade foi declarada ‘aberta’ para bloquear bombardeios aéreos. Rossellini conheceu o fascio na carne: sua família romana perdeu os poucos bens materiais confiscados pelo regime intolerante. 

A produção faz parte da Trilogia da Guerra do cineasta - as outras duas obras primas são Paisá e Alemanha ano zero - que transformou a ele e à atriz Anna Magnani em ícones do cinema neorrealista italiano.

Há poucas semanas este trabalho de Rossellini, Palma de Ouro em Cannes em 46, foi apresentado em cópia perfeita recuperada pela cinemateca de Bolonha na homenagem do recente Festival do Rio ao diretor. É exemplar e chegou a ser indicado para o Oscar. Um roteiro admiravelmente enxuto, com a concisão e a limpeza que caracterizam o seu cinema, aqui acrescido do senso de humor profundamente humano de certo Federico Fellini, na época um jovem estreante, e de Sergio Amidei, um dos melhores e mais premiados roteiristas do cinema pós-guerra. 

As trajetórias de seus personagens se entrelaçam com um virtuosismo impecável, pequenas grandes histórias de católicos e comunistas de Roma unidos na resistência aos alemães e aos fascistas militares e civis italianos. Mulheres do povo, heróis do cotidiano, bandos de crianças de bairros populares, traidores, colaboracionistas, espiões. Se o filme não segue a estrutura dos contos de cinema usados por Rossellini em diversos trabalhos, ele evoca essa estrutura construída em episódios tão cara ao cineasta. 

A firme narrativa vai num crescendo, num timing admirável, carregando o espectador até o final. No desenrolar, os plongés (mergulhos) de câmera à Orson Welles, os enquadramentos precisos nos quais os atores se movem como num balé.

Ritmo ajustado para contar diversas histórias, isto Rossellini provavelmente aprendeu durante sua infância e adolescência vividas dentro do famoso café-teatro Barberini, de propriedade do pai. Uma tradição romana na qual Fellini, décadas depois, também bebeu e com ela se inspirou quando frequentava, aos domingos, outro famoso café-teatro, um teatrino numa rua dentro do Vaticano.  

É inesquecível o pároco Don Pietro interpretado pelo belo ator Aldo Fabrizi, um dos melhores que o cinema já produziu. Ao responder ao oficial alemão torturador que o ameaça com uma morte dolorosa se não falar o que deve falar, o padre oferece uma das chaves do filme dizendo: “O difícil não é morrer bem; difícil é viver bem.”

Outra sequência antológica é a da atriz Anna Magnani fazendo a personagem de Pina, a noiva grávida do líder da resistência. Quando o prédio onde os dois moram é cercado e o seu Francesco é preso pelos alemães e levado num caminhão, ela corre em desespero em sua direção, gritando, é metralhada pelas costas e deixada para trás, morta, na rua.

Rossellini usou atores profissionais e outros não profissionais, gente do povo, e soldados nazistas de carne e osso como extras. Quando em julho de 44 terminou a ocupação, ele recolheu várias filmagens que havia feito dos alemães e outras, em segredo, com os da resistência. 

As aberturas dos filmes de Rossellini são sempre claras e cheias de energia. Introduções que situam de imediato o espectador e prendem sua irrestrita atenção como ocorre em Roma, cittá aperta até o desfecho dramático, emoção contida, com Fabrizi/Don Pietro e o bando de meninos observando-o, ao fundo a cidade ocupada. É um dos grandes momentos da obra-prima dentro da qual há outra chave no que diz o alemão bêbado, no cassino dos oficiais, sobre a resistência do italiano à tortura: ”Ele tem que falar para provar que é uma raça subalterna. Se resistir e morrer vai mostrar a inutilidade da carnificina desta guerra.

Intolerância. Racismo. Agressividade. Intolerância. Ódio político.

Como não lembrar, nestes dias finais do período de campanha eleitoral, a pesquisa realizada dois anos atrás pelo Instituto Data Popular entre 18 mil indivíduos de classe média alta, aqui mesmo, no Brasil?

Alguns dos resultados:

- 17,1% acham que todos os estabelecimentos deveriam ter elevadores separados.
- 16,5% acreditam que pessoas mal vestidas deveriam ser barradas em alguns lugares
- 26,4% concordam que o metrô aumenta a circulação de pessoas indesejáveis na região em que moram.

Considerando rever Roma, cidade aberta de Rossellini neste fim de semana, domingo vou votar firme, no número 13. Em Dilma Rousseff."

Luz do sol pode reduzir ganho de peso e controlar diabetes, diz estudo


Luz solar poderia frear o ganho de peso, disseram cientistas
"A exposição ao sol pode desacelerar o ganho de peso e o desenvolvimento de diabetes tipo 2, segundo pesquisa realizada em ratos.

Da BBC Brasil  

Cientistas descobriram que a radiação ultravioleta em ratos superalimentados fez com que os animais comessem menos. Mas a vitamina D, produzida pelo corpo em resposta à luz solar, não estaria envolvida no fenômeno, disse o estudo.

Após o tratamento com luz ultravioleta, os ratos do estudo também apresentaram menores sinais de alerta de diabetes tipo 2, tais como níveis anormais de glicose e resistência à insulina (condição em que a insulina produzida pelo corpo é insuficiente ou ineficiente para processar a glicose nas células).

Estes efeitos estavam ligados ao óxido nítrico, que é liberado pela pele após a exposição à luz solar. O mesmo efeito foi obtido quando um creme contendo este composto foi aplicado sobre a pele dos ratos.

Os pesquisadores disseram que os resultados devem ser interpretados com cautela, pois ratos são animais noturnos, cobertos de pelo, e que normalmente não são expostos a muita luz solar.

A descoberta, feita por cientistas de Edimburgo (Escócia), Southampton (Inglaterra) e Perth (Austrália), foi divulgada na publicação científica Diabetes. Mais pesquisas são necessárias para descobrir se a luz do sol tem o mesmo efeito em humanos, disseram especialistas.

"Nós sabemos de estudos epidemiológicos que aqueles que tomam sol vivem mais do que aqueles que passam a vida na sombra. Estudos como esse nos ajudam a entender como o sol pode ser bom para nós", disse Richard Weller, professor de dermatologia da Universidade de Edimburgo.

"Precisamos lembrar que o câncer de pele não é a única doença que pode matar e talvez devessemos equilibrar o nosso conselho de exposição ao sol".
Shelley Gorman, do Instituto Telethon Kids, de Perth, na Austrália, e principal autora do estudo, disse que os resultados mostraram que a luz do sol era um elemento importante de um estilo de vida saudável.

"Eles sugerem que a exposição ocasional da pele à luz solar, juntamente com a prática de exercícios e uma dieta saudável, pode ajudar a prevenir o desenvolvimento da obesidade em crianças".

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Diga-me quem te apóia e te direi quem és


Politicos Cantores Diga me quem te apóia e te direi quem és
Ao contrário do que aconteceu em campanhas anteriores, quando tivemos uma luta feroz dos candidatos por apoios que pudessem multiplicar votos, desta vez a participação de artistas, atletas, intelectuais, líderes políticos e religiosos, e celebridades em geral, foi bem mais discreta.
A três dias da eleição, fiz uma rápida pesquisa no Google e reparei que, neste quesito, o candidato tucano Aécio Neves sai em vantagem, pelo menos no número de apoiadores anunciados ao longo do segundo turno, tanto que dedica boa parte do seu programa de televisão a eles.
Tem um muito de tudo nesta lista e, mesmo que, em seu conjunto, os apoios possam não ser decisivos na eleição de domingo, dão uma boa ideia do que pensa e defende o candidato, talvez até mais do que aquilo que Aécio fala nos debates.
Fui anotando aleatoriamente estes nomes e listo abaixo alguns deles entre os mais conhecidos do grande público.
Pró-Aécio:
FHC, Lobão, José Serra, Neca Setúbal, a família de Eduardo Campos, Silas Malafaia, Zezé di Camargo, Roger, Ronaldo Fenômeno, Romário, Alexandre Frota, Jorge Bornhausen, Dado Dolabella, Fagner, Roberto Freire, Luciano Hulk, Regina e Lima Duarte, Alberto Goldman, Walter Feldman, Paulinho da Força, Marina Silva, Levy Fidelix, Eymael, Pastor Everaldo, Eduardo Jorge, Coronel Telhada, além de setores organizados da mídia e do mercado, que não podem oficialmente declarar suas preferências.
Pró-Dilma:
Lula e Chico Buarque.
E precisa mais?
É aquela velha história: diga-me quem te apoia e te direi quem és.
E o caro leitor do Balaio declara seu apoio a qual dos dois candidatos?
Bolão do Balaio
Por falar em apoios e palpites nesta reta final, chegou uma boa ideia da leitora Maria do Rosário, enviada às 9h09 desta quinta-feira:
"Para animar um pouquinho mais este Balaio de Gatos, sugiro que façamos um bolão para que cada balaieiro dê o seu placar para domingo".
A própria leitora já abriu o bolão: cravou 56 a 44 para Dilma Rousseff.
Participe você também!
 do : http://noticias.r7.com/blogs/ricardo-kotscho/2014/10/23/diga-me-quem-te-apoia-e-te-direi-quem-es/

A estrada construída por Aécio nos arredores da fazenda de Roberto Marinho em MG


A rodovia em Minas: desvio providencial
Em 2001, quando era governador de Minas Gerais, Itamar Franco recebeu a sugestão de asfaltar uma antiga estrada no interior do estado, que liga os municípios de Botelhos, na região de Poços de Caldas, a Alfenas. A obra foi à licitação, mas, depois de concluído o processo, Itamar optou por não fazer a pavimentação, pois, segundo disse ao então prefeito de Poços de Caldas, entendia que não era prioridade para Minas.

Seu sucessor, Aécio Neves, retomou o processo e fez a obra. No percurso entre as duas cidades, existem muitas propriedades rurais, mas nenhuma dela é maior do que uma fazenda que produz café de qualidade e tem uma grande criação de porcos, de onde saem todas as semanas caminhões carregados de carne suína em direção ao frigorífico de Poços de Caldas.

A propriedade se chama Sertãozinho, mas seu proprietário não gosta de publicidade. Em 2012, a revista Globo Rural publicou o resultado do 13º Concurso de Qualidade Cafés do Brasil — “Cup of Excellence Early Havest” —, realizado em Jacarezinho, no Paraná. A notícia destaca os três primeiros colocados, mas dá o nome da fazenda e do proprietário só dos dois primeiros. O terceiro tem apenas o nome da fazenda.

A propriedade foi comprada por Roberto Marinho há cerca de 15 anos e hoje quem manda ali é seu filho mais velho, Roberto Irineu Marinho.

A estrada é antiga. “Eu tenho 56 anos e sempre usei essa estrada para ir a Divisa Nova [município entre Botelhos e Alfenas]”, diz José Carlos Rocha, corretor em Botelhos. Era de terra, mas bem conservada pelas prefeituras de Divisa Nova e Botelhos. Depois que recebeu o asfalto, os moradores notaram mudança no traçado.

A estrada segue como antigamente até a entrada da Fazenda Sertãozinho, onde ela faz um desvio à esquerda e vai num percurso sinuoso por três quilômetros até um campo de futebol, onde tem outra porteira e termina a propriedade da família Marinho.

“Todas as outras propriedades são cortadas pela estrada municipal, menos a Sertãozinho”, conta Paulo Thadeu, ex-prefeito de Poços de Caldas e médico veterinário que trabalhou na fazenda, quando era de Homero Souza e Silva, sócio de Walter Moreira Salles no antigo Unibanco.

Homero vendeu a propriedade depois que bateu o carro entre Poços de Caldas e Botelhos. Dirigia o próprio carro e estava na companhia da esposa, que morreu. Desgostoso, colocou a propriedade à venda, comprada por Roberto Marinho.

“O Roberto Marinho ia sempre à fazenda, gostava muito dali. Eu mesmo vi ele algumas vezes na festa de São Pedro”, diz uma mulher que trabalhou na propriedade e guarda o registro em carteira. A tradição se mantém. Todos os anos a Sertãozinho realiza a festa junina.

Funcionários contam que Roberto Marinho tinha especial predileção por um cinematográfico jequitibá rosa conservado no coração da lavoura. De longe é possível ver a árvore, no meio de um recorte do cafezal em formato de diamante.

Eu fui até a fazenda, e usei a antiga estrada, que tem, hoje, uma porteira, mas que permanece aberta (não poderia ser diferente, já que se trata de estrada pública).

Logo na entrada, uma placa de fundo verde, com o desenho estilizado do jequitibá rosa e a frase: “Fazenda Sertãozinho – Sejam bem-vindos”. Entrei e fui até a casa do administrador, uma construção com varanda e garagem onde estavam três veículos, um modelo compacto, uma moto e uma camionete, todas com adesivos “Aécio Presidente”. Quem me atendeu foi seu sogro, que estava na varanda. Pedi para falar com o administrador. Primeiro veio o filho pré-adolescente, depois um homem parrudo, de camisa azul e bermuda.

Quando disse que era jornalista e estava fazendo uma reportagem sobre o desvio da estrada, o administrador se enfureceu: “Foi o PT que mandou você aqui?” Expliquei que o desvio de uma estrada, em benefício de particulares, é assunto de interesse público.

A entrada da Sertãozinho
A entrada da Sertãozinho
“Faz isso não, faz isso não”, disse, andando de um lado para o outro da varanda, ele no alto, eu num ponto mais baixo, separados por alguns degraus. “Isso aqui é um projeto social”. Como assim, projeto social? É uma fundação? Uma ONG? “Não. É que, se a Sertãozinho fechar, muita gente vai ficar desempregada em Botelhos”. E quantos empregos a fazenda dá? “Duzentos e quarenta”.

José Renato não escondia o nervosismo. “Gozado que vocês do PT fazem esse tipo de entrevista só no domingo.” Eu não sou do PT, disse a ele e pedi para gravarmos. José Renato Gonçalves Dias, o administrador, não quis gravação. Mas tentou dar algumas explicações.

“Tinha duas estradas, mas decidiram asfaltar aquela outra. Acho que é porque aqui moram algumas famílias, e a estrada asfaltada é um risco de acidente”. Mas a estrada municipal não é esta daqui? “As duas são”.

Os moradores da região negam que existisse outra estrada além da que corta a Sertãozinho. “Não existia outra estrada coisa nenhuma, era cafezal, e a divisa da fazenda Sertãozinho”, diz o ex-prefeito de Poços de Caldas.

Como veterinário, Paulo Thadeu passava sempre por ali. Não atendia apenas a Sertãozinho, mas outras propriedades, e sua então namorada, hoje esposa, morava num bairro conhecido como São Gonçalo, alguns quilômetros adiante da fazenda da família Marinho. “A estrada corta todas as fazendas, onde também moram pessoas, e a colônia de moradores da Sertãozinho não fica perto da estrada”.

Deixei na mão do administrador uma folha de papel com meu nome, telefone e e-mail, e pedi para entrasse em contato, caso quisesse dar mais informações sobre o desvio da estrada.

Retomei o caminho de Alfenas, pela antiga estrada municipal, que corta a fazenda. Estava fotografando um bambuzal que cobre a estrada e lhe dá a bela forma de um túnel quando a camionete, em alta velocidade, parou atrás do meu carro e José Renato correu na minha direção: “Você não vai fotografar aqui!”, gritou. Mas a estrada é pública, estou no caminho de Alfenas.

Entrei no meu carro e segui pela estrada municipal até o lado de fora da porteira, que estava aberta, onde tem um campo de futebol e o asfalto retoma o antigo traçado, fora dos domínios da Sertãozinho.

O administrador continuou parado 200 metros distante, com a camionete na diagonal, e quando comecei a registrar com a câmera sua presença intimidadora, ele saiu, na direção da casa. Permaneci na estrada municipal, mas do lado de fora da porteira aberta, e alguns minutos depois chegou um carro com quatro homens. Todos pararam onde a camionete do administrador estava. Tinham o tipo físico de seguranças.

“A Globo desviou a estrada porque ela pode, uai”, diz, rindo, um homem sentado no banco da praça central de Botelhos. O homem, de boné e camisa aberta, trabalhou na Sertãozinho, no retiro de leite, quando a Sertãozinho produzia de 3 a 4 mil litros por dia. Hoje, além dos porcos e do café, tem gado de corte.

O ex-vereador Olair Donizete Figueiredo, do PDT, que foi presidente da Câmara Municipal, diz que gostou do asfalto, apesar do desvio que aumentou em 3 quilômetros a distância até o município de Divisa Nova, mas critica o governo de Aécio Neves pela ausência de outra obra na região e da falta de atenção com os professores.

“Ele fez o asfalto por causa da influência da Globo, porque ia beneficiar ele. E aqui foi só, não fez mais nada”, afirmou o ex-presidente da Câmara.

Depois de pavimentar a pista de um aeroporto na antiga fazenda do tio, que tinha a posse da chave, desviar a rede de alta tensão para construir um haras na própria fazenda, de onde retirou o tráfego com a abertura de outra estrada, descobre-se agora que o governo de Aécio não foi generoso apenas com a própria família. Botelhos é testemunha de um jeito particular de administrar.

Paulo Thadeu, ex-prefeito de Poços de Caldas: "Todas as outras propriedades são cortadas pela estrada municipal"
Paulo Thadeu, ex-prefeito de Poços de Caldas: “Todas as outras propriedades são cortadas pela estrada municipal”

Joaquim de Carvalho
No DCM, via http://www.contextolivre.com.br/2014/10/a-estrada-construida-por-aecio-nos.html

Inclusão social vai melhor com Dilma






Renato Janine Ribeiro

Ainda não completamos a agenda da inclusão social no país. Para consumá-la, o PT continua sendo o partido mais capacitado

As últimas décadas no Brasil são uma história de sucesso, ao contrário do que muitos dizem. Só que esse sucesso se deu de maneira bastante lenta, ao contrário do que muitos de nós desejaríamos.

Desde 1985 acumulamos vitórias. A primeira agenda democrática, como eu a chamo, foi a democratização das instituições, iniciada naquele ano, após uma luta de duas décadas capitaneada pelo PMDB. Assim foi que a minoria oposta à ditadura se tornou legião. Hoje, só um deputado, de todo o Congresso Nacional, é contra a democracia!

A segunda agenda foi a vitória sobre a inflação, que demorou mais ou menos 15 anos e que foi assumida pelo PSDB, com o Plano Real. Outro sucesso. Ninguém mais defende a volta da inflação.

A terceira agenda democrática é a mais difícil: a inclusão social. A luta contra a desigualdade começa em 1580, data da possível fundação do quilombo de Palmares. Mas a inclusão só virou política irrenunciável de Estado com Lula, a partir de 2003. O Bolsa Família e a recuperação do salário mínimo tiraram mais de 50 milhões de pessoas das classes D e E, caminhando para tornar o Brasil um país de classe média, como quer Dilma Rousseff.
Hoje ninguém concorre ao cargo de primeiro mandatário da República sem elogiar os programas de inclusão social. Mas o motor sustentável da inclusão não são eles, e sim o aumento real do salário mínimo, que subiu muito nestes anos, porém ainda precisa chegar à exigência constitucional de uma remuneração digna.
Quem tornou esse tema compromisso do Estado e da sociedade brasileiros foi o PT, que chega nesta eleição com a promessa de manter aumentos reais do salário mínimo.
A agenda da inclusão social está incompleta. Quanto mais excluída a pessoa, mais laborioso é integrá-la. Desde a escravização do primeiro índio até hoje, são 500 anos de estragos. Mudar isso é mais difícil que melhorar as instituições ou consertar a moeda.
Mas o PT cometeu erros. Um deles foi parar de disputar os corações e mentes da sociedade. Se Lula se elegeu em 2002, foi porque no plano ético a maioria tinha se aberto aos valores de solidariedade social: "Se a miséria dos outros o incomoda, você é um pouco petista", dizia um clipe de campanha.

Mas, uma vez no poder, o PT não elaborou o caráter moral da luta contra a miséria. Deixou a ética ser apropriada pela oposição, em que pese o telhado frágil dela. Deixou a oposição reduzir a discussão moral no país ao tema da corrupção, esquecida do grande imperativo ético do Brasil e do mundo que é o resgate da miséria. (É óbvio que têm de acabar tanto miséria como corrupção.)

Nossos partidos terão que se refundar nos próximos anos. Nenhum deles prioriza o que chamo quarta agenda democrática, a de junho de 2013, que afeta a classe média, mas também os pobres: a qualidade da educação, saúde, segurança e transporte públicos. Essas falhas são mais dos Estados e municípios que da União, mas a propaganda soube colar o descontentamento de 2013 na conta petista, não na dos governadores de oposição.
A quarta agenda traz os temas de amanhã. Quando não precisarmos de carro, plano de saúde, segurança particular e escola paga para termos qualidade de vida, nossa democracia terá um nível europeu.

Diga-se que o PT tem iniciativas estruturantes para essas áreas. O partido sabe dar escala a seus projetos de governo, isto é, fazer que não afetem só uma parte da cidade ou da sociedade, mas que beneficiem a todos, inclusive a maioria de pobres.

Por ora, ainda não completamos a agenda da inclusão social. Para consumá-la, o PT continua sendo o partido mais capacitado. Como poderá ser --mas para isso precisará reinventar-se-- para tratar da quarta agenda como algo que funcione para a sociedade como um todo.