sábado, 7 de outubro de 2017

A ameaça das urnas


Lula acabava de retornar da bem-sucedida caravana pelo Nordeste e calhou de Antônio Palocci depor a Sérgio Moro. Imediatamente os comentaristas da mídia corporativa se lançaram em previsões catastróficas sobre a candidatura do petista.

A euforia durou pouco. Não que a intenção de voto em Lula tenha sofrido algum abalo, ou mesmo encontrado seu teto, situações compreensíveis nas circunstâncias. Pelo contrário, ela cresceu ainda mais, consolidando o horizonte de vitória no primeiro turno e até certa vantagem no segundo, algo há pouco tido como improvável.

Teriam os futurólogos se referido à situação jurídica do ex-presidente? Duvido. Todos sabiam que o depoimento de Palocci não teve obrigação de veracidade e que a sua delação, isolada, será nula como prova. Em resumo, o cenário processual contra Lula permanecia mais ou menos semelhante ao de meses atrás.

Na verdade, os comentaristas quiseram nos convencer de que a Lava Jato seria um contraponto subjetivo do lulismo. Uma espécie de antagonista sem rosto cujo avanço levaria de forma automática ao declínio da imagem pública do ex-presidente.

A premissa ignorava três evidências fundamentais confirmadas pelas pesquisas.

Primeiro, os recortes sociais e ideológicos do apoio a promotores e juízes. O apelo popular desses rapazotes aburguesados e arrogantes que incorporam o Estado punitivo é muito menor do que o imaginário conservador gostaria de admitir.

Segundo, a fragilidade da imagem positiva da Cruzada Anticorrupção. Reproduzindo a rotina tendenciosa e arbitrária do microcosmo cotidiano dos abusos de poder, a Lava Jato caiu no ceticismo dos cidadãos que sobrevivem driblando injustiças.

E, finalmente, a desmoralização do condomínio golpista. A impopularidade de Michel Temer afunda consigo a mídia e os partidos que o defenderam, além de incentivar a nostalgia pelas conquistas sociais dos governos Lula.

O anunciado fracasso do líder nas pesquisas é uma dessas invenções que só encontramos no jornalismo brasileiro. Aí se revelam o medo da direita de disputar com Lula no voto e, afinal, a verdadeira função saneadora da Lava Jato.

Mas não havia sinceridade alguma no fatalismo dos analistas. A estratégia de supervalorizar o poder propagandístico da Lava Jato visava encobrir o verdadeiro obstáculo à reeleição de Lula: o impedimento de sua candidatura pelo TRF-4. Tratava-se de amenizar a responsabilidade do tribunal, “naturalizando” a derrota eleitoral do petista.

Afinal, quanto mais ele aparecer na liderança, principalmente contrapondo alternativas escabrosas, maiores as suas chances nas inevitáveis articulações políticas da corte. E falta pouco para que a campanha lulista incorpore anseios democráticos mais amplos, colocando os desembargadores na posição de inimigos de 40 milhões de eleitores.

De qualquer forma, as pesquisas forçam uma mudança de estratégia. Não surpreenderia se alguém arranjasse um meio jurídico de impedir as viagens de Lula. Ou de antecipar o seu sacrifício, enquanto ainda é possível acreditar em fatos consumados.

http://guilhermescalzilli.blogspot.com.br/2017/10/a-ameaca-das-urnas.html

Vamos (começar a) discutir “big data”?


Caio Almendra publicou no Facebook um ótimo texto sobre o “big data”, termo que se refere a um imenso conjunto de dados, cuja estruturação feita de forma adequada pode revelar informações detalhadas e valiosas sobre praticamente qualquer tema. Por exemplo, desde hábitos de consumo a preferências politicas de determinadas parcelas da população.

Aí vai um trecho:

O controle empresarial do big data, a commoditização, opera como o controle empresarial e commoditização operam em qualquer área: escolhem determinadas perguntas a serem feitas e ocultam outras. Como fazer o consumidor comprar como queremos é uma pergunta comum; como saber onde o consumo gera mais dano ambiental e como evitar esse dano, é a típica pergunta esquecida. Posso dar outro exemplo simples: o que o controle empresarial sobre a produção de medicamentos fez ao longo do século passado? Focou em doenças difíceis e caras de serem tratadas, abandonou as doenças que estatisticamente mais matam. Zilhares de remédios para um tipo específico de câncer, nenhum para a malária, doença que mais mata (e mata majoritariamente pobres de países periféricos e etnias oprimidas) no mundo. Agora que descobrimos o uso na medicina social do big data, o que o controle empresarial promete para nós? Uso do big data para salvar milhões de pessoas da malária, ou uso do big data para convencer as pessoas a comprarem mais e mais remédios inúteis ou questionáveis?

A resposta parece óbvia, mas recomenda-se a leitura da íntegra do texto, não só para conferir, como para aprender. Porque neste campo, como se já não bastasse tantos outros, a esquerda nem chega a engatinhar.
http://pilulas-diarias.blogspot.com.br/2017/10/vamos-comecar-discutir-big-data.html

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

VEJA NO BLOG UM FILME COMPLETO E LEGENDADO SOBRE OS PRIMÓRDIOS DE MARX E ENGELS, ATÉ CRIAREM O 'MANIFESTO'

AINDA PODE SER VISTO O FILME COMPLETO E LEGENDADO SOBRE OS PRIMÓRDIOS DE MARX E ENGELS, ATÉ CRIAREM O 'MANIFESTO'

Se você, caro leitor, chegou até aqui e não se deparou com o filme que prometi, devo-lhe uma explicação e algumas dicas de como ainda encontrá-lo na web.

Eu o achei disponibilizado no Youtube na 2ª feira, 2, e não pensei que a empresa proprietária dos direitos autorais (California Filmes) fosse tão rapidamente exigir sua retirada do ar. É indício de que o lançará nos cinemas ou em DVD/blu ray dentro em breve.

Felizmente, encontrei uma página do Facebook na qual O Jovem Karl Marx está postado e ainda pode ser assistido on line: esta.

Tenho também dois links a sugerir àqueles que sabem baixar filmes: este (pelo Mega) e este (por torrent).

Suponho ser desnecessário avisar que, tanto quanto no Youtube, tudo isso pode mudar rapidamente. Então, recomendo aos interessados n'O Jovem Karl Marx que façam jogo rápido.

"Com pouco mais de 20 anos, Marx conheceu em Paris Friedrich Engels, o filho de um industrial de Wuppertal, que trazia consigo uma rica experiência da Inglaterra. Em Manchester, seu pai tinha uma tecelagem.

Marx e Engels ficaram amigos. Junto a Jenny, esposa de Karl Marx, os jovens desenvolveram o Manifesto Comunista. O texto deveria reunir tudo o que os três consideravam importante observar numa época de grandes mudanças sociais.

O filme acompanha a juventude de Marx e Engels, delineia a amizade inabalável entre os dois e mostra como um trio único nasce a partir das dificuldades que eles viveram durante a sua turbulenta juventude."

Assim o diretor e roteirista haitiano Raoul Peck introduz seuO jovem Karl Marx (2017), que reconstitui a trajetória de Marx (August Diehl), Engels (Stefan Konarske) e Jenny (Vicky Krieps) entre Paris, Bruxelas e Londres, nos primeiros cinco anos de sua amizade e colaboração intelectual, até criarem um dos livros mais influentes da história da humanidade, o Manifesto do Partido Comunista.

https://naufrago-da-utopia.blogspot.com.br/2017/10/veja-no-blogue-um-filme-completo-e.html?spref=fb

terça-feira, 3 de outubro de 2017

O Capital pode sofrer de apendicite?


Em um famoso capítulo de “O Capital”, Marx fala sobre a transição entre antigos processos produtivos e aqueles sob a lógica do capital:

Na manufatura e no artesanato, o trabalhador se serve da ferramenta; na fábrica, ele serve à máquina. Lá, o movimento do meio de trabalho parte dele; aqui, ao contrário, é ele quem tem de acompanhar o movimento. Na manufatura, os trabalhadores constituem membros de um mecanismo vivo. Na fábrica, tem-se um mecanismo morto, independente deles e ao qual são incorporados como apêndices vivos. 

Na mesma obra, Marx apresentou o conceito de fetichismo da mercadoria para explicar o caráter mistificador da economia capitalista. Vivemos sob uma forma de produção em que as relações humanas são cada vez mais intermediadas pelas mercadorias.


Enquanto elas circulam livremente pelo planeta, a enorme maioria de seus produtores vive isolada em suas fronteiras. Enquanto as mercadorias têm uma vida social, nós somos meros portadores de suas marcas, especificações, cores, modelos.

Esse fetichismo se revelava mais claramente no consumo. Agora, talvez, ele fique mais evidente, assustador e perigoso no nível da produção. Os locais de trabalho seriam dominados quase inteiramente por coisas robotizadas.

A Quarta Revolução Industrial pode ser a radicalização da redução dos trabalhadores aos “apêndices” a que Marx se referiu 100 anos atrás. Só que, agora, o Capital pretende extirpá-los.

Na verdade o que os capitalistas tomam por apêndices são órgãos vitais. Sem eles, sua exploração simplesmente não funciona ou funciona muito mal. O capitalismo é usuário dependente da exploração do trabalho humano.

Para tentar entender melhor essa questão, leia Robôs não ficam desempregados.

O Direito ao "Foda-se" (Millor Fernandes)





O nível de stress de uma pessoa é inversamente proporcional à quantidade de "foda-se!" que ela fala". Existe algo mais libertário do que o conceito do "foda-se!"? O” foda-se!”aumenta minha auto-estima, me torna uma pessoa melhor, reorganiza as coisas, me liberta. "Não quer sair comigo? Então foda-se!“.Vai querer decidir essa merda sozinho(a) mesmo? Então foda-se!" O direito ao "foda-se!”deveria estar assegurado na Constituição Federal”.

Os palavrões não nasceram por acaso. São recursos extremamente válidos e criativos para prover nosso vocabulário de expressões que traduzem com a maior fidelidade nossos mais fortes e genuínos sentimentos. É o povo fazendo sua língua. Como o Latim Vulgar, será esse Português Vulgar que ingará plenamente um dia. "Pra caralho", por exemplo. Qual expressão traduz melhor a idéia de muita quantidade do que "pra caralho"? Pra caralho" tende ao infinito, é quase uma expressão matemática. A Via-Láctea tem estrelas pra caralho . O Sol é quente pra caralho, o universo é antigo pra caralho, eu gosto de cerveja pra caralho, entende?

No gênero do "Pra caralho", mas, no caso, expressando a mais absoluta negação, está o famoso "Nem fodendo!" O "Não, não e não!" é tampouco e nada eficaz e já em nenhuma credibilidade. O "Nem fodendo!" é irretorquível e liquida o assunto. Te libera, com a consciência tranqüila, para outras atividades de maior interesse em sua vida. Aquele filho pentelho de 17 anos te atormenta pedindo o carro pra ir surfar no litoral? Não perca tempo nem paciência. Solte logo um definitivo: “Marquinhos, presta atenção, filho querido, NEM FODENDO!”. O impertinente se manca na hora e vai pro Shopping se encontrar com a turma numa boa, e você fecha os olhos e volta a curtir a sua musica.

Por sua vez, o "porra nenhuma!" atendeu tão plenamente as situações onde nosso ego exigia não só a definição de uma negação, mas também o justo escárnio contra descarados blefes, que hoje é totalmente possível imaginar que possamos viver sem ele em nosso cotidiano profissional. Como comentar a gravata daquele chefe idiota senão com um "é PHD porra nenhuma!”ou “ele redigiu aquele relatório sozinho porra nenhuma!". O “porra nenhuma", como vocês podem ver, nos provê sensações de incrível bem estar interior. É como se estivéssemos fazendo a tardia e justa denúncia pública de um canalha. São dessa mesma gênese os"aspone",”chepone","repone" e mais recentemente o "prepone" - presidente de porra nenhuma.

Há outros palavrões igualmente clássicos. Pense na sonoridade de um "Puta que pariu!", ou seu correlato "Pu-ta-que-o-pa-riu!!!", falados assim, cadenciadamente, sílaba por sílaba. Diante de uma notícia irritante qualquer um "puta-que-o-pariu!" dito assim te coloca outra vez em seu eixo. Seus neurônios têm o devido tempo e clima para se reorganizar e sacar a atitude que lhe permitirá dar um merecido troco ou o safar de maiores dores de cabeça.

E o que dizer de nosso famoso "vai tomar no cu!"? E sua maravilhosa e reforçadora derivação "vai tomar no olho do seu cu!". Você já imaginou o bem que alguém faz a si próprio e aos seus quando, passado o limite do suportável, se dirige ao canalha de seu interlocutor e solta: Chega! Vai tomar no olho do seu cu!". Pronto, você retomou as rédeas de sua vida, sua auto-estima. Desabotoa a camisa e sai à rua, vento batendo na face, olhar firme, cabeça erguida, um delicioso sorriso de vitória e renovado amor-íntimo nos lábios.

E seria tremendamente injusto não registrar aqui a expressão de maior poder de definição do Português Vulgar: "Fodeu!". E sua derivação mais avassaladora ainda: "Fodeu de vez!". Você conhece definição mais exata, pungente e arrasadora para uma situação que atingiu o grau máximo imaginável de ameaçadora complicação? Expressão, inclusive, que uma vez proferida insere seu autor em todo um providencial contexto interior de alerta e auto-defesa. Algo assim como quando você está dirigindo bêbado, sem documentos do carro e sem carteira de habilitação e ouve uma sirene de polícia atrás de você mandando você parar: O que você fala? "Fodeu de vez!".

“Liberdade, igualdade, fraternidade e foda-se!!!”

http://eltonvaletavares.blogspot.com.br/2012/03/o-direito-ao-foda-se-millor-fernandes.html

segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Nós e os robôs, os robôs e nós. Os robôs e os robôs


Em 1942, o escritor de ficção científica Isaac Asimov criou três leis da para proteger os seres humanos dos robôs:

1 - Um robô não pode ferir um ser humano.


2 - Deve obedecer às ordens que lhe sejam dadas por seres humanos, exceto se entrarem em choque com a primeira lei.


3 - Deve proteger sua própria existência desde que tal proteção não entre em conflito com a primeira ou segunda lei.


Em 1950, um dos idealizadores do computador, Alan Turing, criou um teste para verificar a capacidade de uma máquina exibir comportamento inteligente o suficiente para se passar por uma pessoa.


Em 2011, o cientista da computação, Hector Levesque, criou o desafio Winograd, que pede aos computadores para explicar o sentido de frases ambíguas, que, geralmente, são interpretadas pelos seres humanos sem equívocos.


Como se vê, as preocupações sobre a presença robótica na vida humana são muito anteriores à chamada Quarta Revolução Industrial.


O problema é que a Revolução 4.0 não é apenas sobre robôs. É sobre robôs que sabem, por exemplo, que vão apresentar defeito em breve e solicitam reparos a outros robôs.


Ou seja, está colocada a possibilidade de um mundo em que as três leis de Asimov e os testes de Turing e Levesque fiquem obsoletos pela ausência da convivência que eles pressupõem.


Ou melhor, não é difícil imaginar robôs aplicando versões invertidas dos testes de Turing e Winograd para desmascarar e segregar quem tentasse disfarçar sua condição de ser humano.


E aquelas entre as pessoas que infligissem alguma das leis de Asimov adaptadas para proteger os robôs seriam “desativadas” imediatamente.

O Capital pode sofrer de apendicite?



Em um famoso capítulo de “O Capital”, Marx fala sobre a transição entre antigos processos produtivos e aqueles sob a lógica do capital:

Na manufatura e no artesanato, o trabalhador se serve da ferramenta; na fábrica, ele serve à máquina. Lá, o movimento do meio de trabalho parte dele; aqui, ao contrário, é ele quem tem de acompanhar o movimento. Na manufatura, os trabalhadores constituem membros de um mecanismo vivo. Na fábrica, tem-se um mecanismo morto, independente deles e ao qual são incorporados como apêndices vivos. 

Na mesma obra, Marx apresentou o conceito de fetichismo da mercadoria para explicar o caráter mistificador da economia capitalista. Vivemos sob uma forma de produção em que as relações humanas são cada vez mais intermediadas pelas mercadorias.


Enquanto elas circulam livremente pelo planeta, a enorme maioria de seus produtores vive isolada em suas fronteiras. Enquanto as mercadorias têm uma vida social, nós somos meros portadores de suas marcas, especificações, cores, modelos.

Esse fetichismo se revelava mais claramente no consumo. Agora, talvez, ele fique mais evidente, assustador e perigoso no nível da produção. Os locais de trabalho seriam dominados quase inteiramente por coisas robotizadas.

A Quarta Revolução Industrial pode ser a radicalização da redução dos trabalhadores aos “apêndices” a que Marx se referiu 100 anos atrás. Só que, agora, o Capital pretende extirpá-los.

Na verdade o que os capitalistas tomam por apêndices são órgãos vitais. Sem eles, sua exploração simplesmente não funciona ou funciona muito mal. O capitalismo é usuário dependente da exploração do trabalho humano.

Para tentar entender melhor essa questão, leia Robôs não ficam desempregados.

http://pilulas-diarias.blogspot.com.br/2017/10/o-capital-pode-sofrer-de-apendicite.html

Mãos Limpas e Lava Jato, a comparação impossível

Via CartaCapital
Carlos Eduardo de Athayde Buono

Não há a mais pálida semelhança entre as operações. A italiana cumpriu a Justiça, aqui está tudo errado

Vicenzo Tersigni/FotoArena

Borrelli
Pelo tempo inteiro da Mãos Limpas, a operação comandada pelo juiz Borrelli evitou cuidadosamente os holofotes, com exceção do promotor Di Pietro, que ao cabo descambou para a política


A corrupção é tão antiga, vide as menções históricas e religiosas, que Deus teria dito a Moisés: “Nunca perdoarei aos culpados que receberem propinas, a shohadh”. Na China antiga, pagava-se um extra aos funcionários públicos, o Yang-liem, para alimentar a “não corrupção”.

No Brasil, pagam-se gorjetas, assinam-se contratos superfaturados e licitações forjadas, distribuem-se propinas em geral, mas todos dizem agir dentro da lei. Nunca levaram nada além de milhões ou bilhões de reais. E não há mudanças.

Hoje pululam especialistas na Operação Mãos Limpas. Conversa fiada. Conheço o assunto. Presidi a Comissão de Combate à Criminalidade Organizada no Ministério da Justiça durante o governo Itamar Franco, em 1994.

Em Brasília, em visitas ao Supremo Tribunal Federal e em conferência na Procuradoria-Geral da República, nos foi dada carta branca para a constituição do grupo, formado por grandes nomes da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, os professores Paulo José da Costa Jr. e Geraldo de Camargo Vidigal. Entre os titulares, integrantes da Justiça e da Ordem dos Advogados do Brasil.

A comissão, entre tantos anteprojetos, viabilizou a lei de interceptação telefônica e telemática, a criminalização do porte ilegal de armas e o tratado de cooperação em matéria penal com a Itália. Incorporamos sugestões do pool milanês da Mani Pulite.

Leia mais:
Como a Lava Jato foi pensada como uma operação de guerra
"A Lava Jato pode estar solapando as condições do combate à corrupção"
A Lava Jato não é consenso

À época, vários jornais, ou praticamente todos os diários brasileiros de grande circulação, deram destaque à iniciativa. Os integrantes da Mãos Limpas sempre vieram ao Brasil por nosso intermédio, exclusivamente, entre eles Paolo Ielo, que participou de uma conferência no Superior Tribunal de Justiça. Dirigi-lhe o convite a pedido do então ministro Vicente Cernicchiaro.

Nos últimos três anos, os participantes da Mãos Limpas foram ressuscitados em decorrência de uma oportunidade política. Há “especialistas” no tema que conheceram alguns dos integrantes da Mani Pulite 20 e tantos anos depois daquela investigação. Querem a glória, os holofotes.

Francesco Saverio Borrelli, que comandou a operação, e seus colegas nunca desejaram tanto destaque, à exceção de Antonio Di Pietro, obrigado a deixar a magistratura italiana após um episódio com Paolo Berlusconi, irmão de Silvio, segundo relatos dos jornais Corriere della Sera e La Repubblica, entre outros. Di Pietro mais tarde ingressaria definitivamente na política.

Ao contrário da operação italiana, prisões são mal feitas ou com grande estardalhaço. A delação premiada nasce no direito insular anglo-saxão, importado pela Itália na reforma do Código de Processo Penal, nada parecido com essa festa dos dedos-duros, nos moldes de Joaquim Silvério dos Reis, a que assistimos no Brasil.

Por aqui, faltam informações a respeito das investigações preliminares. Os advogados, muitas vezes, não têm acesso às investigações. Os abusos ultrapassam os tempos da ditadura. Disse certa vez Norberto Bobbio: “O sistema democrático é um conjunto de regras procedimentais, pelo voto, divisão de poderes, de partidos, respeito ao dissenso, liberdade de opinião e proteção aos cidadãos”.

Onde está tudo isso? Há subversão de fatos, de ideias, que indicam um modo fascista de pensar: dar a vida pela democracia seria como dar a vida pelo sistema métrico decimal. E muitos brasileiros dão suas vidas para nada. Na verdade, em vez de prender os corruptos e os corruptores, os deixam viver em resorts. Prevalecerá a opinião daqueles que vivem em Miami?

No Brasil atual, praticam-se crimes de toda natureza. Há o reiterado descumprimento de decisões judiciais. Por que existem precatórios, filas para recebimento de atrasados de salários de servidores públicos? Por que não publicar a declaração anual de bens pela internet? Por que escondem, sob a tutela de sigilos, tantas informações?

Nossa Carta Constitucional não é respeitada. Há falsos heróis, escondidos por trás de assessores. Os ditos especialistas na Operação Mãos Limpas, ou seja, os inquisidores curitibanos, têm insuficientes conhecimentos jurídicos, inovam no que o Código Penal não prevê. Abusam da autoridade e não acontece nada.


Os abusos são tantos que a delação premiada está a um fio de credibilidade. Quem precisa mostrar as provas é o Estado acusador. E não podem ser afastadas ao talante de um juiz simplesmente por este achar que na Itália é assim ou assado. Não é. Essa conduta assemelha-se a atos institucionais da ditadura. Aquilo que aqui se faz aqui se paga, como em um motel.

http://gilsonsampaio.blogspot.com.br/2017/10/maos-limpas-e-lava-jato-comparacao.html

A desigualdade social chega a níveis alarmantes


Os Miseráveis





Em 2013, com O Capital no Século XXI, Thomas Piketty alertou para o crescimento contínuo da desigualdade de riqueza desde a década de 1970, contrária à tendência dos 60 anos anteriores e muito mais acentuada e socialmente relevante que a desigualdade de renda, mais fácil de pesquisar e na qual se concentrava a maioria dos estudos anteriores.
 Na Europa, a parcela detida pelo décimo superior subiu de 60% em 1970 para 64% em 2010 e a do centésimo superior de 21% para 24%. Nos EUA, o décimo superior subiu de 64% para 72% e o centésimo superior de 28% para 34%. Na falta de políticas ativas contra a desigualdade (como, por exemplo, impostos progressivos sobre o capital), esses países retornarão em meados do século XXI a um patamar de desigualdade semelhante àquele do fim do século XIX e início do XX.
Nesse período, o 1% mais rico (“classes dominantes”, na terminologia de Piketty) detinha metade de toda a riqueza, o décimo superior (“classes superiores”, sendo os não incluídos no primeiro 1% referidos como “classes abastadas”) , quase 90%, enquanto o 50% mais pobre (“classes populares” na terminologia do economista) ficava com meros 5%. A nostalgia chama esses tempos e de belle époque, mas poucos, mesmo nos países mais ricos, puderam usufruir de sua beleza.
O ano de 2010 foi também aquele no qual o banco Credit Suisse publicou o seu primeiro Global Wealth Report (Relatório da Riqueza Global). Naquele ano, os 50% mais pobres dos 4,44 bilhões de adultos possuíam pouco menos de 2% dos ativos mundiais estimados em 194,5 trilhões de dólares, “embora a riqueza esteja crescendo rapidamente para alguns membros deste segmento”, acrescentava esperançosamente o relatório. Os 10% superiores possuíam 83% da riqueza mundial e o centésimo superior, 43%. A riqueza média equivalia a 43,8 mil dólares líquidos. Era preciso possuir 4 mil para deixar de pertencer aos 50% mais pobres, 72 mil para chegar aos 10% mais ricos e 588 mil para o centésimo superior.
Piketty.jpg
Piketty: sem medidas ativas, como imposto sobre o capital, vai piorar ainda mais.
Cinco anos depois, o relatório de 2015, publicado em 13 de outubro, mostra que a concentração de renda mundial alcançou níveis tão críticos quanto o do mundo industrializado antes da Primeira Guerra Mundial. Apesar do relativo otimismo de 2010, a metade mais pobre dos 4,8 bilhões de adultos ficou ainda mais depauperada: agora possui menos de 1% da riqueza planetária estimada em 250,1 trilhões de dólares, enquanto o décimo mais alto controla quase 90% (87,7%, para ser exato) e o centésimo no topo, exatos 50%. A riqueza média líquida subiu para 52,4 mil, um aumento nominal de 19,6% que se reduz a 9,3% se descontados 9,5% de inflação do dólar nos Estados Unidos em cinco anos, mas os níveis de corte passaram para 3,21 mil (27% mais baixo em termos reais), 68,8 mil (13% mais baixo) e 759,9 mil (18% mais alto), respectivamente.
Percebeu-se há algum tempo, em vários países, como a limitada recuperação da economia após a crise de 2008 fluiu para os bolsos dos privilegiados, enquanto as classes média e popular ficaram ainda mais pobres pela estagnação (ou mesmo redução) dos salários reais, o aumento do desemprego e o maior endividamento. Na Espanha, por exemplo, o número de milionários em dólares (pelo critério do Capgemini e Royal Bank of Canada, que ao contrário do Credit Suisse, não inclui residência e bens de consumo) cresceu de 127,1 mil em 2008 para 178 mil em 2014, enquanto a renda per capita caiu de 35,6 mil para 30,3 mil, o desemprego subiu de 11% para 26% e a dívida pública saltou de 39,4% para 99,3% do PIB.
Nos EUA, o 1% mais rico absorveu 95% do crescimento após a crise financeira e o empobrecimento da camada inferior reflete-se até na mortalidade. Em 1960, os 20% de homens com 50 anos mais pobres podiam esperar viver até os 76,6 anos, enquanto, em 2010, esse número caiu para 76,1. No caso das mulheres, a queda foi de 82,3 para 78,3. Enquanto isso, a expectativa de vida para os 20% mais ricos atingiu 88,8 anos para homens e 91,9 para mulheres.
Na União Europeia, a renda combinada dos dez mais ricos, 217 bilhões de euros, superou o valor total das medidas de estímulo de 2008 a 2010, cerca de 200 bilhões. A novidade do relatório está em oferecer, em números, um panorama sintético dos resultados desse processo na escala do planeta.
O efeito do crescimento das dívidas na riqueza líquida foi tão importante que resultou no paradoxo de que agora há entre os 10% mais pobres (inclusive os de patrimônio negativo) mais europeus e norte-americanos do que chineses. Nem todos esses vivem na miséria. Alguns, principalmente nos EUA, são jovens cujo patrimônio foi zerado por crédito educativo, hipoteca ou cartão de crédito, mas têm diploma, um padrão de consumo decente e o sonho de um dia chegar ao topo, mas a precariedade da sua situação ficará evidente se tiverem de enfrentar uma crise ou uma doença inesperada.
Milionários.jpg
Parte do aumento recente da desigualdade está relacionada à valorização do dólar perante a outras moedas do mundo. Quem não vive nos Estados Unidos ou em países de câmbio fixo ficou, só por isso, mais pobre em dólares. Em muitos países, esse efeito é neutralizado ou amenizado pela queda do custo de vida local em moeda estadunidense. Mas quando se refere às relações internacionais de poder e riqueza, esse empobrecimento é real, como constata qualquer brasileiro ao viajar para o exterior, pagar por serviços de internet ou, se está no topo da escala, ao negociar com bancos como o Credit Suisse.
Para usar a terminologia do banco suíço, o número de adultos na “base da pirâmide” (com menos de 10 mil dólares líquidos) cresceu de 3,038 bilhões (68%) para 3,386 bilhões (71%), sua irrisória fatia no bolo da riqueza mundial caiu de 4,2% para 3% e sua riqueza média, ou melhor, pobreza média, caiu de 2,7 mil para 2,2 mil, um tombo de 26% em termos reais.
A camada do meio (10 mil a 100 mil dólares) diminuiu de 1,045 bilhão (24%) para 1,003 bilhão (21%), sua parcela caiu de 16,5% para 12,5% e sua riqueza média passou de 30,7 mil para 31,2 mil, ilusão monetária sobre uma queda real de 7,2%. Em 2000, 3,6% dessa camada vivia na China, em 2010, pouco menos de um terço e hoje, 36%.
Os não milionários da camada superior (100 mil a 1 milhão de dólares) perderam em termos relativos. Seu contingente passou de 334 milhões (7,5%) para 349 milhões (7,4%) e sua participação na riqueza mundial diminuiu de 43,7% para 39,4%. Em tese, não têm do que se queixar: em termos absolutos, sua riqueza média passou de 254 mil para 282 mil dólares, com leve aumento real de 1,3%.
Compare-se, porém, com o que aconteceu com os milionários: seu número aumentou de 24,2 milhões (0,5%) para 34 milhões (0,7%) e sua riqueza passou de 2,86 milhões para 3,32 milhões, o que significa um aumento real de 6,1%. Sua fatia, já grande, aumentou de 35,6% para 45,2% e passou a ser a maior de todas. A parte do Leão, por qualquer critério. O perfil geográfico desse grupo também se concentrou. Cinco anos atrás, 41% viviam nos EUA, hoje são 46%. Os únicos outros países com ganho perceptível de participação foram o Reino Unido, que ao passar de 5% para 7% tomou o segundo lugar por muito tempo ocupado pelo Japão, a China (de 3% para 4%), a Suíça (de 1% para 2%) e a Suécia (idem). Alguns caíram muito, inclusive Japão (de 10% para 6%), França (de 9% para 5%) e Itália (de 6% para 3%).
O relatório não faz uma estimativa independente do número de bilionários, mas, segundo a revista Forbes, ele aumentou de 1.011 com uma riqueza total de 3,6 trilhões para 1.826 com um valor agregado de 7,05 trilhões. Em 2010, esse grupo possuía praticamente o mesmo que a metade mais pobre da humanidade. Cinco anos depois, açambarca mais que o triplo. Basta juntar num ônibus os 85 mais ricos (com 13,4 bilhões ou mais, incluídos os brasileiros Jorge Paulo Lemann e Joseph Safra), para usar a imagem do Nobel de Economia Joseph Stiglitz, para igualar a metade de baixo da pirâmide, 3,7 bilhões de seres humanos (2,4 bilhões das quais adultos), cujos patrimônios somados igualam os mesmos 2,1 trilhões de dólares.
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O relatório de 2015 do Credit Suisse inclui também pela primeira vez um estudo da “classe média global” com critérios não diretamente comparáveis ao da pirâmide acima. Esta foi definida como possuidora de riqueza líquida de 50 mil a 500 mil dólares nos EUA em meados de 2015 e valores equivalentes em outros países segundo o poder aquisitivo local do dólar conforme a estimativa adotada pela instituição – por exemplo, de 13,7 mil a 137 mil dólares na Índia, 28 mil a 280 mil no Brasil ou na China e 72,9 mil a 729 mil na Suíça, de forma a obliterar o efeito da variação cambial. Em todo o mundo, 664 milhões se encaixam nessa definição, com um patrimônio total de 80,7 trilhões (32% do total mundial), média de 121,5 mil per capita. Acima deles estão 96 milhões, com 150 trilhões (60% do total), 1,56 milhão por proprietário. As duas camadas juntas detêm, portanto, 92% de todos os bens do mundo.
É só nos países ricos que esse conceito de “classe média” se aproxima daquilo que Piketty entende pelo termo, ou seja, aqueles cujas posses estão acima da mediana, mas abaixo dos 10% superiores. Nos menos desiguais (Austrália, Cingapura, Bélgica, Itália e Japão) chega a constituir 60% da população ou mais. Mas no contexto mundial soma só 13,9% da população (com outros 2% no topo) e é na realidade mais comparável às “classes abastadas” de Piketty. Isso é verdade também para quase todos os países pobres e emergentes. Qualificam-se como “classe média” 3% dos indianos, 4% dos argentinos, 8,1% dos brasileiros, 10,7% dos chineses e 17,1% dos mexicanos. No Brasil, em especial, essa “classe média” abrange quase toda a camada conhecida pelos pesquisadores de mercado como A2 (3,6%) e a metade superior da B1 (9,6%), ou seja, é a maior parte do que chamaríamos de “elites”. Acima dela, só a classe dominante no sentido estrito, 0,6% dos brasileiros (a camada A1 conta com 0,5%).
Apesar disso, hoje é a China o país com o maior número de indivíduos na “classe média”: nada menos de 109 milhões, ante 92 milhões nos EUA. Onze outros países têm mais de 10 milhões: Japão, com 62 milhões; França, Itália, Alemanha, Índia, Espanha e Reino Unido, com 20 milhões a 30 milhões; Austrália, Brasil, Canadá e Coreia do Sul, com 10 milhões a 17 milhões.
Que ninguém se engane: essa “classe média” é uma elite em termos planetários, vive com conforto, tem em geral uma educação superior e é muito relevante como consumidora, talvez também como contribuinte. Porém, do ponto de vista do poder econômico e político e do interesse de grupos financeiros internacionais, são os 29,8 milhões de milionários, no mínimo, que contam.  Aqueles com 5 milhões a 10 milhões de dólares são 2,5 milhões e com 10 milhões a 50 milhões, 1,3 milhão, mas o foco visível do interesse do Credit Suisse está nos ultrarricos com mais de 50 milhões, que cresceram de 81 mil em 2010 para 124 mil em 2015 ou 0,0026% dos cidadãos do mundo. Destes, 59 mil vivem nos EUA (48%), 30 mil na Europa (24%), 9,6 mil (9%) na China e Hong Kong e 1,5 mil (1%) no Brasil. A Suíça tem 3,8 mil nessa categoria, mais que a França (3,7 mil).
Esses multimilionários são o equivalente aproximado, quanto ao seu número relativo, à classe senatorial da Roma antiga (600 senadores, mais os filhos adultos, em uma população de 60 milhões) ou à alta nobreza titulada nas grandes monarquias europeias do século XVIII (algumas centenas em populações de dezenas de milhões). Os meros milionários podem ser equiparados à classe curial da antiga Roma (mercadores, conselheiros e funcionários municipais) ou à pequena nobreza não titulada da Europa pré-revolucionária, ambas perto de 1% da população da época.
Conforme Piketty, as grandes novidades do século XX, atribuídas por ele aos choques políticos e econômicos das duas guerras mundiais, foram a redução da participação da classe dominante na riqueza, para cerca de 20% do total em vez dos 50% tradicionais até 1913, e o surgimento de uma  verdadeira classe média, formada por algo como 40% da população e 35% ou 40% da riqueza. Sua parcela é constituída fundamentalmente de residência e bens de consumo e poupanças, representando pouco poder econômico, mas uma razoável segurança. Nas sociedades mais antigas, os 90% inferiores formavam uma massa pouco diferenciada e possuíam 10% ou menos da riqueza social.
O relatório do Credit Suisse mostra uma sociedade global cada vez mais próxima desses padrões antigos e medievais, e mais distantes daqueles atingidos pelos países mais desenvolvidos nos anos do pós-Guerra. Desde o início da era neoliberal, a riqueza acumula-se cada vez mais no topo, enquanto as maiorias empobrecem em termos relativos e até absolutos. As crises mostraram-se, sobretudo, oportunidades de radicalizar esse processo: para conter as falências em massa que agravariam a crise, valores imensos são mobilizados pelos Estados para financiar os poderosos, cuja incompetência é premiada também com cortes de impostos, salários e direitos trabalhistas, enquanto as massas pagam a conta com um salário congelado ou reduzido e impostos mais altos, quando não perdem o emprego e se endividam ainda mais.
O crescimento de alguns países emergentes, principalmente a China, foi o único fator importante a contrariar essa tendência geral, ao incorporar camadas maiores da população à “classe média” mundial (apesar de, no caso chinês, isso também aumentar sua desigualdade interna em relação às massas camponesas). Mas esse fator está em desaceleração, ao passo que as pressões para privilegiar ainda mais os ricos e lhes dar maior liberdade de ação estão em alta em quase toda parte e as crises em formação só tendem a reforçá-las. 
*Reportagem publicada originalmente na edição 873 de CartaCapital, com o título "No mundo de 'Os miseráveis"
https://www.cartacapital.com.br/revista/873/no-mundo-de-os-miseraveis-5584.html