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Festim e catchup
Existe um tipo de cinema que é cultuado pelo inverso. Nos filmes de estilo “trash” o mais absurdo, mais inverossímil, mais amador convencido de grandiosidade leva os maiores aplausos. Pois o Brasil, e em especial a PGR, passaram, e muito, deste ponto. A operação abafa está completa. Se tudo o que a PGR dispõe são os áudios circulantes, Janot acaba de forçar até o mais legalista e justo ministro do STF a anular todas as delações e ilações feitas pela equipe de Brasília. Na realidade TODO o instituto da delação premiada se mostrou indecente e inútil para a prestação jurisdicional correta, mas como todos sabemos, manobras linguísticas serão usadas para manter a espúria perseguição a Lula e salvar todos os outros.
Não se esperava que entre as forças para “estancar a sangria” estaria Janot, mas com o absurdo de hoje ficamos a pensar que o imbróglio Temer-Janot seja apenas jogo de cena. Esta é mais uma faceta das ferramentas do judiciário. Juízes e promotores podem, deliberadamente, conduzir processos e investigações para nulidades totais, parecendo, a quem não conhece Direito, que eles estão “lutando bravamente” para fazer justiça. Moro é acusado disto o caso Banestado, Protógenes Queiroz no caso da Satiagraha (embora delegado) e um sem número de outros casos conhecidos Brasil afora.
Se o procurador-geral acreditava que deveria retirar os benefícios de Joesley a partir do entendimento, fundado na gravação, de que ele não teria contribuído com tudo o que sabe, não deveria ter publicizado a gravação em si, nem dado entrevistas “alarmado” com um conteúdo que não traz absolutamente nada de concreto. As ações de Janot só servem de munição para Gilmar Mendes e para “alertar os gansos”. Janot age como o marido de uma conhecida anedota que, ao se aproximar de casa, passava a tocar bem alto a buzina.
Claro que o que Janot faz é imitar os métodos da República de Curitiba. Mas Janot não percebe que seus alvos não interessam à imprensa, ao judiciário e – muito menos – aos empresários. As práticas judiciárias ilegais não são “para todos” e provavelmente não vão nunca tornarem-se um filme ruim. Vão é ser denunciadas com maestria e verve nas câmeras da TV Justiça por quem estiver se sentindo “ofendido” ou com sua “honra atacada”, que exigirá nada menos do que a nulidade de tudo e o banimento da prática de “justiça de holofotes”. Claro que só “a partir de agora”. O que foi feito para retirar uma presidenta eleita e perseguir Lula “não há como ser desfeito dentro da boa técnica do direito”.
A pirotecnia de Janot serve a Temer, Aécio, Gilmar e todos os outros envolvidos neste tipo de delação. Usarão a falta de cuidado (ou ignorância?) do procurador para dizer que “justiça não se faz de cambulhada”. No que terão total razão. A 18 dias de terminar seu mandato, Janot limpa a casa para Dodge. Tudo será arquivado ou afastado das possibilidades de uso durante o novo mandato. Uma forma de “engavetar” mostrando, e de tornar o “direito à informação” da população na causa da não prestação jurisdicional satisfatória. E poucos dar-se-ão conta de tais inversões.
Precisamos reformular todo o judiciário. De cima a baixo. Precisamos de mais accountability e precisamos responsabilizar os agentes jurídicos por suas ações. Não é fácil construir um sistema assim e que garanta que se possa “fazer justiça”. Fica claro, entretanto, que o sistema atual fracassou, em todos o sentidos. A fala de Fux, dizendo que o judiciário “vai salvar a nação” é mais um exemplo da megalomania que tomou conta de muitos operadores do direito. Enquanto se furtam da única ação que poderia começar a desfazer este caos – o julgamento de mérito do impeachment – ficam todos de bravatas pueris. Uns vestindo camisetas e se saudando como super-heróis, outros virando popstar em frente às câmeras e todos totalmente perdidos e alheios ao que seriam suas funções primordiais.
O judiciário não tem nada a oferecer ao país de melhor do que a política. Deveria parar de criminaliza-la. Deveria voltar-se ao seu umbigo e perceber o que parte da população já percebeu: como tudo neste país, ele é argentário, clientelístico, ineficiente e caro. Jucá poderia muito bem ter dito “com Janot, com tudo” que não estaria errado. Nada mais nos causa repulsa, nada mais nos causa vergonha. Somos governados, nos três poderes, pelos piores e menos preparados de nós. E, infelizmente, “a suruba” e as malas de dinheiro não são para todos. Nem as leis, a propósito.