Coincidência: Globo e ISL tinham operações nas ilhas Virgens britânicas
A reportagem abaixo foi publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo em julho de 2012. O motivo de reproduzirmos agora é que alguns detalhes do texto chamam atenção. Jamil Chade, o autor, trata das investigações na Suiça que levaram ao afastamento da FIFA de João Havelange e Ricardo Teixeira. Menciona que uma emissora de TV — qual? — brasileira teve participação no pagamento de suborno aos cartolas. Eram as negociações pelos direitos das copas de 2002 e 2006. Foi justamente no período em que, segundo a Receita Federal, a TV Globo abriu uma empresa de fachada nas ilhas Virgens britânicas. Onde operava, também, a International Sports and Leisure (ISL), empresa de marketing que esteve no centro do escândalo que ainda abala o futebol internacional.
Fiquem com o texto de Jamil Chade, sugerido pelo Luis Carlos Gaspar, que viu trecho no blog do Paulinho
Justiça mostra suborno milionário
Ricardo Teixeira e João Havelange receberam, segundo a investigação suíça, mais de R$ 45 milhões para fechar acordos, desviando o dinheiro da Fifa
12 de julho de 2012 | 3h 04
João Havelange e Ricardo Teixeira receberam suborno no valor de pelo menos R$ 45 milhões, segundo a Justiça suíça. O escândalo do pagamento de propinas escancara 30 anos de um sistema de corrupção montado na Fifa. Os brasileiros cometeram “enriquecimento ilícito”, causaram prejuízo para a entidade e colocaram seus interesses pessoais acima dos interesses do futebol, diz a Justiça sobre o caso, que foi arquivado mas teve seus documentos divulgados ontem.
A ação promete ter amplas repercussões: Havelange pode deixar de ser presidente de honra da Fifa e as informações poderão ser usadas no Brasil para uma eventual ação contra Teixeira. A declaração dos advogados da entidade insinuando que sul-americanos são em geral corruptos também promete causar mal-estar entre a Fifa e o governo.
Documentos oficiais da Justiça suíça apontam para pagamento de comissões no valor de US$ 122,5 milhões (R$ 225 milhões) por parte da empresa de marketing ISL a cartolas pelo mundo. A Justiça também acusou a Fifa de “omissão” ao não conseguir controlar os subornos. Num dos pagamentos de US$ 1 milhão (R$ 2 milhões) a Havelange, o dinheiro foi erroneamente depositado numa conta da Fifa.
Como regra geral, segundo a Justiça, a propina teria sido paga a Teixeira e Havelange para que influenciassem a Fifa na decisão de quem ficaria com os direitos de transmissão das Copas de 2002 e 2006, incluindo o mercado brasileiro. Uma empresa transmissora com atuação no Brasil é citada como uma das envolvidas no suborno, ainda que seu nome esteja sendo mantido em sigilo. Para os suíços, o serviço dos dois foi “comprado” por empresas que queriam manter relações com a Fifa.
A publicação do documento ocorreu depois que o Tribunal Federal da Suíça entendeu que o assunto era de “interesse público”. O documento de 42 páginas mapeia um esquema de corrupção que tomou conta da Fifa. Tudo começou quando o Tribunal de Zug decidiu investigar a quebra da empresa de marketing da Fifa, a ISL. O que descobriu foi uma ampla rede de suborno.
Em 2010, porém, o caso envolvendo Teixeira e Havelange foi encerrado depois de um acordo entre os dois e o procurador suíço. Eles devolveram US$ 2,5 milhões (R$ 5 milhões) à Fifa.
O documento revela uma movimentação milionária na conta desses cartolas. Teixeira e Havelange receberam subornos num valor total de pelo menos 21,5 milhões de francos suíços (cerca de R$ 45 milhões) em contas em paraísos fiscais.
Os pagamentos ocorreram entre 1992 e 2004 e o tribunal havia decidido processar os brasileiros por “atos criminosos em detrimento da Fifa”. “Eles causaram prejuízos para a Fifa por seu comportamento e enriqueceram ilicitamente.”
Parte substancial da denúncia é dirigida a Havelange, acusado de não repassar pagamentos aos cofres da Fifa. Havelange é ainda acusado de “administração desleal”.
“Havelange usou ilegalmente ativos confiados a ele para seu próprio enriquecimento em várias ocasiões”, aponta o documento.
O cartola agiu para garantir o contrato de empresas para a transmissão da Copa de 2002 e recebeu propinas de uma empresa para garantir o contrato para a transmissão do Mundial no mercado brasileiro naquele ano.
Havelange, que já teve de abandonar o COI por conta do escândalo, “embolsava o dinheiro” e empresas o pagavam para usar sua influência como presidente da Fifa para garantir contratos.
Andorra
Teixeira também foi alvo das propinas, especialmente por conta do interesse de empresas de usar seus serviços. Segundo a Justiça, ele presidia a federação de futebol “mais poderosa” do mundo. Com um pagamento, a empresa conseguia dois objetivos: influência na Fifa e garantia de contratos no Brasil.
O pagamento ao ex-presidente da CBF ocorria por meio de uma empresa que ele teria estabelecido em Andorra, outro paraíso fiscal. Um intermediário era usado para transferir, em nome do brasileiro, o dinheiro para suas contas. O agente retirava os ativos em espécie e alimentava contas de Teixeira.
Antes da Copa de 2002, o Brasil fez uma parada em Andorra para jogar um amistoso contra a seleção local. Pessoas que faziam parte daquela comissão técnica confirmaram ao Estado que o jogo foi uma forma de Teixeira agradecer aos atravessadores locais pelo serviço de suposta lavagem de dinheiro. O uso de Andorra pelo ex-dirigente teria perdurado até 2004.
“Teixeira usou ilegalmente ativos confiados a ele para seu próprio enriquecimento em várias ocasiões”, apontou o documento, indicando como ele agia em nome da Fifa, mas acabava embolsando o dinheiro. Só entre 1992 e 1997, recebeu US$ 12,7 milhões (R$ 25,4 milhões). O dinheiro viria de comissões de acordos entre empresas e a Fifa, para o uso do nome da Copa do Mundo, assim como para “a transmissão da Copa de 2002 no Brasil”.
A investigação conduzida pelo procurador Thomas Hildbrand ainda evidenciou um esquema de corrupção que fazia parte da Fifa desde os anos 70, quando Havelange assumiu o poder.
Testemunhas contam que a ISL foi usada como verdadeiro caixa 2. Abriu contas em paraísos fiscais como Liechtenstein e Ilhas Virgens Britânicas para receber e pagar propinas.
O dinheiro vinha em grande parte de empresas de transmissão das imagens da Copa de 2002 e 2006. No caso do Brasil, o valor do contrato era de US$ 220 milhões. Outros contratos chegavam a US$ 750 milhões.
Segundo a defesa de Teixeira, nunca houve uma condenação e o acordo impediu até mesmo que o processo fosse adiante.
A defesa do ex-dirigente brasileiro também apontou que não houve nem mesmo confissão de culpa. Em Zug, o tribunal admitiu ao Estado que foram os advogados de Teixeira e de Havelange que bloquearam a publicação do documento por dois anos.
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