sábado, 23 de junho de 2018

Desde Platão, destruindo a natureza sem culpa


Segundo a famosa alegoria de Platão, aqueles que estão presos em uma caverna acham que as sombras projetadas pela luz externa em suas paredes são toda a realidade a ser conhecida.

Para ele, nossas almas são como esses prisioneiros, escravizados pelo mundo da experiência sensorial, incapazes de ver diretamente a realidade e confundindo formas ilusórias com a verdade.

Poluída por desejos físicos, a parte da alma que é orientada pelo corpo está em conflito com sua parte espiritual.

Em uma pessoa disciplinada, explica Platão, o desejo obedece à razão, assim como, em um Estado bem organizado, as ordens inferiores obedecem aos governantes.

Trata-se de um cosmos dividido entre um mundo ideal, conhecido apenas pela alma, e o mundo material mutável, experimentado pelo corpo.

A tradição cristã se apropriou dessa concepção considerando o corpo como fonte de todo o pecado.

O filosofo Descartes daria novo impulso a essa separação. Dizer que “penso, logo existo” significa que é a mente separada do corpo que nos torna realmente humanos.

Nossos corpos são mera matéria sem valor intrínseco. E se isso é verdade para eles, deve ser igualmente verdadeiro para o resto da natureza - animais, plantas e tudo o mais.

Desse modo, pensadores religiosos e racionalistas podem discordar em tudo, exceto sobre a santidade da mente (alma) em contraste com o resto da natureza.

O relato acima é baseado no livro “The Patterning Instinct”, no qual Jeremy Lent procura explicar como a tradição ocidental aprendeu a destruir a natureza sem qualquer culpa.

O autor compara essa concepção com outras tradições, como a chinesa. Mas fica para a próxima.

Junho de 2013: tentando controlar o que não pode ser controlado


Há cinco anos, enormes manifestações tomaram as ruas. Setores petistas costumam acusar seus organizadores de perder o controle do movimento para a direita.

Reportagem de Felipe Betim, publicada por El País em 13/06/2018, dá outra visão. Cita estudo da “Artigo 19”, ONG internacional de direitos humanos:

No total, 849 pessoas foram detidas arbitrariamente em São Paulo e no Rio de Janeiro entre janeiro de 2014 e junho 2015 durante 740 protestos. Sete pessoas morreram. Já entre agosto de 2015 e dezembro de 2016, foram 1.244 detenções arbitrárias em todo o país.

Para coroar esse processo, o governo Dilma sancionou a lei “antiterrorismo” às vésperas das Olimpíadas de 2016. A proposta veio de um Congresso conservador, é verdade. Mas seu texto original foi assinado pelo então ministro petista Eduardo Cardozo e seu colega de governo, o tucano Joaquim Levy.

Portanto, se alguém facilitou o trabalho da direita nas ruas foi a violenta repressão a manifestações populares. Não a todos elas, porém. Como afirma a reportagem:

A ONG lembra que, durante o processo de impeachment de Dilma Rousseff, as maiores manifestações foram realizadas pelos partidários do afastamento e não houve qualquer incidente, o que indica uma repressão e criminalização seletiva por parte das autoridades.
                 
Ou seja, os governantes petistas ajudaram a reforçar o aparato militar contra manifestações que julgavam ser organizadas por seus inimigos. Mas esse mesmo aparato escolheu nada fazer quando o alvo dos protestos eram somente os governantes petistas.

Agora, esses mesmos setores querem vencer as eleições para retomar o controle de um aparato sobre o qual somente poderão ter algum controle rendendo-se a ele.
https://pilulas-diarias.blogspot.com/2018/06/junho-de-2013-tentando-controlar-o-que.html