sábado, 28 de julho de 2018

A economia política da pós verdade (3)


Mais dois exemplos de como funciona a economia política da pós verdade.

O controlador do Facebook, Mark Zuckerberg, meteu-se em mais uma polêmica. Discutindo como restringir a divulgação de informações falsas em sua plataforma, ele usou como exemplo páginas que negam a existência do holocausto judeu. Segundo Zuckerberg não haveria motivo para vetar um conteúdo desses já que não ameaçaria “diretamente a segurança dos internautas”.

Seria um típico dilema entre a liberdade de expressão e a divulgação de mentiras. Seria, mas não é. Afinal, é sempre bom lembrar que o Facebook é um negócio, e não uma ONG. E um negócio movido a quantidade de likes.

E na linha do velho sensacionalismo jornalístico, exageros mentirosos e falsidades continuam a atrair muita audiência. Muitos likes, no caso.

Outro exemplo envolve o Twitter. A plataforma anunciou no início de julho a suspensão de 70 milhões de contas "suspeitas". Elas seriam manejadas por robôs que produzem spam e contas fake.

Foi o bastante para que as ações da empresa sofressem oscilações para baixo nas bolsas. Acontece que para o “mercado”, tal como no caso do Facebook, o que importa é a reprodução de informações aos milhões, ainda que sejam fraudulentas.

É a economia política da pós-verdade. Nela, tal como já acontece com as outras mercadorias, as informações e notícias perdem cada vez mais relação com sua utilidade prática.

Já não interessa saber o quanto de verdade há numa informação. Apenas o quão rápida e amplamente ela circula. Quanto mais cliques, mais ela vale. Os algoritmos dos monopólios digitais que remuneram pelos volume de acessos não deixam dúvidas sobre isso.

A economia política da2) “pós-verdade”


Em 12/05, o consultor da Associação Nacional de Jornais, Carlos Alves Müller, publicou artigo no Globo comentando casos de crimes transmitidos ao vivo pelo Facebook:

O problema de fundo é que só humanos podem discernir o que algoritmos não detectam. Redes sociais e congêneres se negam a reconhecê-lo, pois isso implica admitir que são empresas de mídia e não plataformas (o que tem consequências, inclusive jurídicas), abala seu “modelo de negócio”, causando uma explosão de custos. É preciso gente para produzir e editar conteúdo, evitando que crimes sejam praticados e exibidos, para que o anúncio vá para o público desejado, e não para outro seguidor de canais criminosos. É preciso gente habilitada para fazer jornalismo conforme as boas práticas numa sociedade democrática. E é preciso gente educada e com senso crítico para entender a importância dessas diferenças e não aceitar o que o algoritmo imoral lhe oferece.

O texto reflete o conflito de interesses entre os monopólios do jornalismo e os da interação virtual. Mas recente notícia publicada na Rede Brasil Atual sugere que esse embate não opõe forças tão antagônicas assim:

Em 7 de abril, a agência Bloomberg noticiou que o Google estava trabalhando diretamente com o Washington Post e o New York Times para “checar os fatos” de artigos e eliminar “notícias falsas”.

Meses depois, a Google anunciou medidas para impedir que usuários acessem “notícias falsas”. Resultado, “o tráfego global de um amplo leque de organizações de esquerda, progressistas, contra a guerra ou em favor dos direitos democráticos teve queda significativa”.

Não seria surpresa se esta também fosse classificada como mais uma notícia falsa.

https://pilulas-diarias.blogspot.com/2017/08/a-economia-politica-da-pos-verdade-2.html

A economia política da “pós-verdade”


Desde Marx, sabemos que no capitalismo as mercadorias valem por sua capacidade de troca e não por sua utilidade. É a ditadura da lei da oferta e procura. É por isso que o preço de um remédio que curasse o câncer, por exemplo, seria definido por sua abundância ou escassez, jamais pela necessidade de curar o maior número de pessoas.   

Essa predominância do valor de troca sobre o valor de uso vem tomando conta de tudo o que se transforma em mercadoria há séculos. Mas na fase financeira do capital, o próprio dinheiro deixou de ser meio para adquirir utilidades. Passou a ser um fim em si mesmo.

Agora, façamos um paralelo com a elaboração de Jean Baudrillard, para quem a partir de um certo momento, todos os signos se permutam entre si, sem se permutarem por algo real. Não passariam de símbolos a simbolizar outros símbolos, sem jamais chegarem ao real que pretendem simbolizar.

Neste caso, ficaria fácil entender a chamada “era da pós-verdade”. Ou seja, tal como as outras mercadorias, as informações e notícias também perderam relação com sua utilidade prática.

Já não interessa saber o quanto de verdade há numa informação. Apenas o quão rápida e amplamente ela circula. Quanto mais cliques, mais ela vale. Os algoritmos dos monopólios digitais que remuneram pelos volume de acessos não deixam dúvidas sobre isso.

Tudo isso é um resumo grosseiro de uma resenha sobre o livro “Fenomenología del fin. Sensibilidad y mutación conectiva”, do filósofo italiano Franco “Bifo” Berardi. O texto está disponível aqui. Vale a pena ler. Só não dá pra 
 garantir que seja verdade.
https://pilulas-diarias.blogspot.com/2017/08/a-economia-politica-da-pos-verdade.html

Sobre tecnologia, desemprego e capitalismo. Sobre barbárie, enfim


Escrevendo no Globo, em 29/06/2018, Pedro Doria afirmou:

A Uber não foi pensada para carros com motorista. Ela entra no azul mesmo quando não precisar mais pagar motoristas e substituir a frota por carros autônomos. Só que, até lá, é preciso acostumar os consumidores com a ideia de chamar um carro via app. E a maneira de montar um gigantesco portfólio de consumidores é seduzindo-os e aos motoristas simultaneamente. O segredo que permitiu à Uber se tornar líder perante suas concorrentes está no capital que levantou. Foi tanto, mas tanto dinheiro, que lhe permitiu cobrar menos do que taxistas, pagar um percentual alto da corrida aos motoristas, e se estabelecer rápido em incontáveis cidades no mundo. Tudo ao mesmo tempo. Faz tudo no vermelho para ser líder ali na frente.

Em entrevista à revista da EPSJV/Fiocruz, publicada em 05/07/2018, Marildo Menegat, professor da UFRJ, lembra que nas plantações de cana:

Quando as ceifadeiras tornaram-se mais rentáveis, trabalhando 24 horas por dia, cada uma substituindo até 15 trabalhadores, já não se fazia mais necessária a presença de cortadores nessa produção.

 Esse fenômeno tende a se generalizar, diz Menegat. O problema é:

...que o capitalismo produziu hoje é a humanidade como um excesso para o capital. Qual é a solução técnica para este excesso? Eliminá-la. E isso já está acontecendo: temos a maior quantidade de refugiados no mundo, a maior quantidade de pessoas passando fome e a maior quantidade de pessoas trabalhando em condições análogas à escravidão. E, na história do capitalismo, isso só tende a crescer.

É esta a verdadeira solução capitalista para a humanidade. A barbárie.
http://pilulas-diarias.blogspot.com/2018/07/sobre-tecnologia-desemprego-e.html

Eleições em Gotham City


A confusão reina em Gotham City. Aproximam-se as eleições e os supervilões trocam sopapos para chegar ao poder na cidade. A bagunça ficou ainda maior porque quase todos se parecem com o Charada.

A começar pelo líder das pesquisas. Ninguém tem muitas dúvidas quanto ao que Bolsonaro pensa sobre mulheres, negros, gays, socialistas e sindicalistas. E, se eleito, certamente a vida pioraria muito para a ralé da cidade. Até aí, tudo bem para o bando mafioso que domina Gotham. Mas não se sabe o que o tresloucado faria em relação a economia, mercado, relações exteriores etc. Daí a resistência da elite local em adotá-lo como seu malvado favorito.

Outro forte candidato a ser o Charada é Ciro Gomes. Mas sua retórica nacionalista e pseudoesquerdista oscila cada vez mais. Ora, aproxima-se dos vilões, ora diz defender os fracos e oprimidos. De modo que nesse movimento pendular desloca-se como se fosse o Pinguim.

Alckmin e Marina são os próprios enigmas uniformizados. Não pelo que defendem, mas porque ninguém sabe com certeza qual é seu potencial eleitoral.

O fato é que o único personagem capaz de realmente colocar ordem nisso tudo seria o Coringa. Não o vilão do sorriso arreganhado, mas aquele do baralho. Uma figura que já mostrou ser capaz de apaziguar os de baixo e garantir tranquilidade aos mafiosos que governam em cima.

Ele existe e teria enormes chances de vitória, não fosse um magistrado duas-caras tê-lo trancado na cadeia de uma cidade no sul do País.

Mas, cadê o Batman, perguntariam todos. Bem, este é o único personagem verdadeiramente imaginário nessa delirante e triste Gotham City.

http://pilulas-diarias.blogspot.com/search/label/rir%20pra%20n%C3%A3o%20chorar

domingo, 22 de julho de 2018

HoA duvidosa sapiência do mo sapiens


O que mais tem sido lembrado na vitória da seleção francesa na última Copa do Mundo é a diversidade étnica de seus jogadores. Dos 22 atletas, 18 são filhos ou netos de pessoas vindas de lugares tão diferentes como Filipinas, Haiti, Congo, Senegal, Mali, Angola, Guiné, Togo, Mauritânia, Argélia, Camarões, Ilha de Guadalupe, Martinica, Alemanha, Espanha e Portugal.

Mas antes deles, o selecionado francês também contou, por exemplo, com o polonês Kopa, o italiano Platini, o espanhol Fernández e o argelino Zidane.

De qualquer modo, o que se deveria perguntar é o que significa, afinal, ser francês “legítimo”? Provavelmente, somente deveria ser aceito como tal alguém que provasse sua descendência direta de Asterix, o gaulês. Mesmo assim, um dos criadores do famoso personagem é filho de espanhóis e o outro, de ucranianos.

O fato é que a diversidade e a mistura sempre foram regra na formação das populações humanas. E uma recente pesquisa arqueológica prova que isso é verdade inclusive para a pré-história. Estudo liderado pelos pesquisadores Eleanor Scerri e Lounes Chikhi, em Oxford, mostra que o “Homo sapiens” coexistiu durante muito tempo com outros hominídeos. Principalmente, com o “Homo floresiensis”, o “Homo neanderthalensis“ e o “Homo naledi”.

Nossa espécie seria resultado dessa mistura toda aí. Portanto, nunca houve uma população humana pura. Nosso único atributo preservado ao longo de muitos milênios seria a “sapiência”. Acredita-se que esta capacidade para o acúmulo de conhecimento e sabedoria nos distinguiria dos outros animais. Mas, diante da persistência de teorias e comportamentos racistas e discriminatórios, talvez mesmo esta característica ainda esteja muito longe de prevalecer entre nós.

Trabalho de merda num sistema de bosta


“Sem o seu trabalho, um homem não tem honra. E sem a sua honra, se morre, se mata. Não dá pra ser feliz...”, diz a bela canção de Gonzaguinha.

Para Marx o que define o ser humano é o trabalho. Não precisa ser marxista para concordar. Basta olhar em volta.

No entanto, não é marxista considerar que se trata de qualquer trabalho. Só serve aquele que seja atividade criativa. Transformadora não apenas do mundo material, mas do próprio trabalhador.

O desemprego é uma das mais graves doenças sociais da contemporaneidade. Mas ter um emprego está longe de garantir alguma realização pessoal.

Essa é uma verdade óbvia para muitas ocupações mal remuneradas, pesadas, cansativas, repetitivas, humilhantes, sujas e insalubres.

Mas isso é menos evidente para os “shit jobs”, ou “trabalhos de merda”, conceito criado pelo antropólogo David Graeber.

Segundo ele, trata-se de um tipo de atividade criada pelo mundo corporativo sob o capitalismo financeiro. Uma “forma de trabalho assalariado que é tão inútil, desnecessária ou daninha, que até mesmo o próprio trabalhador não consegue justificar sua existência, ainda que – como parte de suas condições de emprego – se sinta obrigado a fingir o contrário”.

Assessores que não assessoram. Executivos que nada executam. Inúmeras reuniões e decisões sem qualquer objetividade. Enormes relatórios que ninguém lê. Tudo isso em empresas altamente lucrativas.

Mas não é verdade que esse tipo de trabalho não produza nada. Produz depressão, infelicidade e, principalmente, desperdício e concentração de recursos numa sociedade e planetas tão carentes deles.

Só um sistema de bosta para criar um trabalho bem remunerado com o qual não dá pra ser feliz.

Explicando a charlatanice capitalista para crianças


O livro “Comunismo para crianças”, de Bini Adamczak, tem um público-alvo muito definido. Mas sua didática também pode ajudar os mais velhos. Vejamos um exemplo:

O tabuleiro “ouija” consiste numa mesa com um copo emborcado no meio. As letras do alfabeto estão escritas no tampo. Várias pessoas sentam em volta da mesa e colocam o dedo no copo, que começa a se mover, lentamente, de uma letra para a outra, formando palavras ou frases. As pessoas não percebem que são elas que movem o copo, porque tremor individual de suas mãos não poderia provocar o movimento sozinho. Em vez disso, pensam que se trata de um espírito enviando alguma mensagem por meio delas. Esse “jogo” ilustra muito bem como a vida funciona sob o capitalismo. (...) O copo se move apenas porque os participantes agem juntos em vez de separadamente. Mas eles nem percebem que estão cooperando (...). Se esse coletivo se reunisse conscientemente para pensar sobre o que realmente pretendiam escrever, o resultado provavelmente seria muito diferente. Pelo menos, não haveria incerteza sobre quem escreveu a mensagem. Mas do jeito que foi feito, o texto parece ter sido escrito por uma mão invisível. E como ninguém pode explicar como isso aconteceu, predomina a crença em um poder sobrenatural, como um espírito ou espectro.

Na verdade, para Marx, a história humana sempre foi assim. “Os homens fazem a história, mas não sabem que a fazem”, disse ele. A grande diferença é que sob o capitalismo, já teríamos condições concretas para desmascarar muito desse charlatanismo místico. Incluindo a atual crença cega nas leis do mercado.

http://pilulas-diarias.blogspot.com/2018/07/explicando-charlatanice-capitalista.html