França, Grã-Bretanha e Alemanha, além dos EUA, ampliam intervenção no Oriente Médio; o alvo principal não é o EI, mas a Rússia
Por Joseph Kishore
Os eventos da semana passada passarão à história como divisor de águas na constituição do imperialismo no século XXI. No período de poucos dias, EUA, Grã-Bretanha e Alemanha ampliaram o respectivo envolvimento militar na Síria, depois que a França intensificou sua campanha de bombardeio no mês passado.
O pretexto para essas operações são os ataques terroristas de 13 de novembro em Paris, seguido agora pelo horrendo ataque a tiros em San Bernardino, Califórnia, na quarta-feira passada. As razões declaradas publicamente, contudo, pouco têm a ver com discussões estratégicas que estão acontecendo nos escalões superiores das forças militares e das agências de inteligência.
Por trágica que seja a matança de 130 pessoas em Paris e 14 em San Bernardino, não explicam a repentina convulsiva escalada militar das principais potências imperialistas contra o Oriente Médio. Não é difícil ver semelhanças e diferenças em relação a 1915, quando os EUA recusaram-se a entrar na Primeira Guerra Mundial, mesmo depois do afundamento do RMS Lusitania, com perda de 1.198 vidas. Naquele momento, a classe capitalista norte-americana ainda estava dividida sobre se seria aconselhável intervir na então chamada “Grande Guerra” (que só passou a ser chamada “Primeira Guerra Mundial” depois que houve a Segunda).
A força básica por trás da guerra na Síria é a mesma que motivou a formatação imperialista de todo o Oriente Médio: os interesses do capital financeiro internacional. As grandes potências imperialistas sabem que, se quiserem pôr a mão no butim, têm também de fazer sua parte da matança.
Esse movimento de guerra no Oriente Médio é altamente impopular, o que explica o frenesi para utilizar os ataques recentes na Europa, além da atmosfera de medo que a mídia-empresa cria e infla, para ativar as ações o mais rapidamente possível. Considerem-se os eventos da semana passada:
Na terça-feira, o governo Obama anunciou que enviaria novo contingente de Forças de Operações Especiais, oficialmente contra o EI (Estado Islâmico no Iraque e Levante). Em conferência de imprensa no mesmo dia, Obama repetiu que qualquer acordo na Síria terá de incluir a derrubada do presidente Assad da Síria, aliado chave da Rússia.
Na quarta-feira, o parlamento britânico aprovou apoio à ação militar na Síria, depois que o líder do Partido Trabalhista, Jeremy Corbyn, desimpediu qualquer caminho rumo à guerra, ao aceitar “livre votação” sobre o tema para os deputados de seu partido. Aviões britânicos decolaram imediatamente para bombardear alguns alvos na Síria já na quarta-feira à noite, com o primeiro-ministro Cameron declarando “simpatizante de terroristas” quem se opusesse à guerra.
Na sexta-feira, o parlamento alemão correu a aprovar moção para que a Alemanha também se juntasse à guerra contra a Síria, praticamente sem nem discutir a questão. A aprovação parlamentar ao envolvimento da Alemanha na guerra veio depois da decisão do governo Merkel, no início da semana, de enviar 1.200 soldados, seis jatos Tornado e um navio de guerra para a região.
E então, durante o fim de semana, a mídia-empresa nos EUA e todos os políticos doestablishment dedicaram-se a explorar o tiroteio em San Bernardino, Califórnia, para pressionar a favor da expansão da guerra no Oriente Médio. Os candidatos republicanos à presidência dispararam “declarações” beligerantes insistindo que os EUA estariam diante da “próxima guerra mundial” (governador de New Jersey, Chris Christie); que “o país precisa de presidente para tempos de guerra” (senador Ted Cruz, do Texas), e que “eles declararam guerra contra nós e nós temos de declarar guerra contra eles” (ex-governador da Flórida, Jeb Bush).
Em discurso no domingo à noite, Obama defendeu, contra os críticos republicanos, a própria política na Síria; repetiu que se opõe ao envio massivo de soldados em solo para a área de Iraque e Síria, e que é a favor de acelerar os ataques aéreos; o financiamento para grupos dentro da Síria; e o uso de tropas de países vizinhos. Elogiou os movimentos de França, Alemanha e Reino Unido, e declarou: “Desde os ataques em Paris [dia 13/11], nossos mais próximos aliados (…) aceleraram a contribuição deles à nossa campanha militar, que nos ajudará a acelerar nossos esforços para destruir o EI”.
Por mais que pressionem e pressionem a favor de mais guerra, nem Obama nem qualquer outro setor do establishment político nos EUA diz sequer uma palavra sobre as raízes reais do ISIS, que já serviu de pretexto para a “guerra ao terror” a partir do qual começou, e nunca mais se alterou, a política externa dos EUA para 15 anos.
No discurso de domingo, Obama fez uma referência oblíqua ao crescimento do EI “em pleno caos da guerra do Iraque e depois na Síria” – como se nada tivesse a ver com a própria política dos EUA. A verdade é que EUA e aliados é que ocuparam (ilegalmente) e devastaram (consequentemente) o Iraque, e na sequência criaram e ou inflaram grupos de islamistas fundamentalistas na Síria, a partir dos quais o ISIS emergiu como cabeça de ponte da guerra contra o presidente Bashar al-Assad da Síria.
Os terroristas do EI que executaram os atentados em Paris puderam viajar livremente, entrando e saindo da Síria, porque milhares de jovens como eles viajavam da Europa para a Síria, livremente, e com o apoio de autoridades, para que se unissem ao golpe e à guerra contra Assad.
Quanto ao ataque em San Bernardino, funcionários citaram a viagem dos dois atiradores à Arábia Saudita e seus contatos com indivíduos da Frente Al-Nusra, para poderem referir-se ao tiroteio como ataque terrorista. A Arábia Saudita, centro de financiamento e apoio para os grupos fundamentalistas islamistas em todo o Oriente Médio, é aliada-chave dos EUA na região, e a Frente Al-Nusra, afiliada da Al-Qaeda, é aliada de facto dos EUA na Síria.
Em vez de resposta contra os ataques recentes, as ações das potências imperialistas são a realização de planos já existentes e de ambições já conhecidas há muito tempo.
Na Grã-Bretanha, votação dessa semana reverteu a decisão de 2013, da Câmara de Comuns, segundo a qual o país não participaria de guerra planejada e liderada pelos EUA contra a Presidência da Síria. A elite governante alemã não para de “exigir” que o país participe mais ativamente do avanço militar na Síria, para afirmar a própria posição como potência dominante na Europa.
Nos EUA, antes dos ataques em San Bernardino, ouviam-se vozes insistentes do establishmentpolítico e da mídia-empresa a favor do envio de tropas de solo e da imposição de uma zona aérea de exclusão sobre a Síria.
Com os EUA à frente, as potências imperialistas já se engajaram numa guerra infinita, centrada no Oriente Médio e Ásia Central, já há um quarto de século. Mais de um milhão de pessoas já foram mortas e outros muitos milhões foram convertidos em refugiados. Depois das guerras no Afeganistão e no Iraque durante o governo Bush, Obama supervisionou a guerra na Líbia e as campanhas conduzidas pela CIA para mudança de regime na Ucrânia e na Síria. As consequências desastrosas de cada operação prepararam o terreno para que o governo Obama expandisse e intensificasse a guerra.
O que se vê hoje é uma reformatação para recolonização do mundo. Todas as velhas potências levantam-se, exigindo a parte de cada uma no neobutim. Embora hoje centrado no Oriente Médio rico em petróleo, o conflito na Síria já se vai convertendo em “guerra por procuração” contra a Rússia. Do outro lado da massa de terra eurasiana, os EUA dedicam-se a ações cada vez mais provocativas contra a China no Mar do Sul da China.
A situação geopolítica é hoje mais explosiva que em qualquer outro momento anterior, desde as vésperas da Segunda Guerra Mundial. Acossada por crise econômica e social para a qual a classe das elites governantes não têm resposta progressista a oferecer, aquela classe das sempre mesmas elites cada vez mais recorre à guerra e ao saque, como a única resposta que conhecem para quaisquer das suas dificuldades.