Segundo o ministro, a causa engloba o baixo desempenho da agropecuária — provocado pelo período de seca e chuvas no país — e da indústria, que “teve um resultado fraco”. Além disso, ele afirmou que o ano passado foi afetado pela crise geral da economia global, a exemplo do que aconteceu em 2009, quando a economia teve retração de 0,3%.
Os números divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram uma desaceleração, já que em 2011, ante 2010, a economia teve uma expansão de 2,7%. No acumulado de 2012, a indústria teve uma retração de 0,8% no PIB na comparação com o ano anterior. Agropecuária também apresentou retração no período — queda de 2,3%. Na contramão, o setor de serviços encerrou o ano passado com crescimento de 1,7%.
O ministro comentou ainda que, ao passo que o segmento industrial teve um PIB fraco, a atividade de serviços teve um desempenho positivo. Comparado com o trimestre anterior, o PIB dos três últimos meses do ano passado registrou um avanço de 0,6%, na série com ajustes sazonais. Anualizando esse resultado, a economia está avançando 2,2%, afirmou Mantega, destacando que o crescimento de serviços “teve uma expansão anualizada de 4,4%”.
Pelo lado da demanda, o consumo das famílias cresceu 3,1% em 2012. Os gastos do governo tiveram expansão de 3,2% e a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) — que representa o investimento em máquinas e equipamentos e na construção civil — caiu 4% em 2012 sobre 2011. Os dados do IBGE revelaram ainda que a taxa de investimento atingiu 18,1% do PIB no ano passado. Em 2011, o investimento representou 19,3% do PIB, e 19,5% no ano anterior. Essa taxa, portanto, vem baixando desde 2010. No setor externo, as exportações cresceram 0,5%, segundo o IBGE. Do outro lado, o das importações, houve avanço de 0,2% em 2012.
Taxa de investimento
A taxa de investimento é o problema que mais chama a atenção. Chegou a hora de nos livrarmos definitivamente da bola de chumbo que a “era FHC” atou ao tornozelo da produção nacional — as altas taxas de juros — e voltarmos os olhos com mais atenção para o crescimento econômico. Além de ser preciso acabar com esse fundamentalismo monetário dos xiitas neoliberais, o Brasil precisa persistir no caminho da geração de empregos e renda. Além do palanque, a força dos governistas consiste em gerar números e fatos que confirmem as propostas que fizeram os brasileiros optarem por três governos sucessivos de viés popular e democrático. E assim, fechar os espaços para a especulação politiqueira da mídia.
Não é à toa que o tucanato midiático mandou as manipulações que envolvem desde a segurança pública no país até os problemas com os preparativos dos Jogos Olímpicos e da Copa do Mundo — a pauta do caos — para segundo plano no noticiário político e se concentrou na mediocridade do PIB. A politicagem segue sempre cursos mais fáceis para arrastar o debate eleitoral para os subníveis da histeria. No terreno econômico, contudo, a direita não tem o que apresentar além da proverbial repetição de números e frases vazias a la Goebbels. Ela pretende, obviamente, ressuscitar o projeto neoliberal. O desafio é neutralizar a dicotomia entre inflação baixa, represada pelos juros altos, e crescimento econômico sem mexer nos fundamentos do modelo que reinou na “era FHC”. A mídia diz que é possível. O povo não acredita. Por isso, qualquer candidatura que surgir empunhando essa bandeira tende a não decolar.
Como não dá para servir a dois senhores, o campo conservador está claramente a serviço do capital financeiro e terá de deixar isso claro no curso do debate eleitoral. FHC prometeu conciliar esses conceitos opostos e não cumpriu. Nem tentou — o que demonstra a demagogia eleitoreira da direita ao atacar o governo com os números do IBGE. Por que o povo acreditaria que agora isso será possível? O campo governista, por seu turno, leva vantagem por dizer claramente o que pretende fazer. E por isso contraria alguns e agrada muitos. Seu programa não deixa margem para dúvidas sobre qual rumo o país deve seguir.
Ritmo e rumo
Mas a velocidade não pode ser essa. É preciso ajustar o ritmo ao rumo. Temos problemas estruturais que exigem bisturi; não se resolvem com anestésicos e muito menos com panos quentes. Aparentemente, o governo está e continuará caminhando nessa direção — e isso é bom. Mas também é certo que está faltando em Brasília, ao lado dessa vontade política, o sentimento de que tais medidas demandam velocidade, de que é preciso adequar o próprio passo ao ritmo ditado pela fome sagrada de um país em crescimento, e nunca o contrário. O Palácio do Planalto precisa ter mais claro que os interesses de uma nação e os de sua elite conservadora não coincidem e que aqueles devem sempre se sobrepor a estes. Eis a questão.
Os brasileiros elegeram esses três governos sucessivos basicamente porque o crescimento econômico e a geração de empregos não apareceram no debate eleitoral como algo estrambótico — como nas propostas do campo conservador. Esses itens do programa de governo estavam solidamente amarrados pelas propostas de boa administração macroeconômica e vigor na ação social. E esse escopo abarcava as aspirações de camadas da população nas quais se encontram desde o sujeito socialmente excluído até uma sólida fatia do empresariado nacional produtivo.
Os tucanos José Serra e Geraldo Alckmin, os candidatos conservadores que perderam as eleições presidenciais para Luis Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, não passaram verdade em suas falas. Eram claramente os candidatos do sistema que sempre oprimiu o povo, gente do mundo do dinheiro e da mídia. Lula e Dilma, por sua vez, passaram segurança ao dizerem que levariam o país ao encontro da sua vocação histórica de independência e progresso. E viraram o alvo preferencial do poder econômico. Era previsível, portanto, que o debate eleitoral deixaria a esfera das propostas de gestão para o país e entraria no terreno do espetáculo circense. E aí surgiram uma sucessão de denúncias vazias — sendo a mais grave delas a farsa do “mensalão” — bem ao gosto da mais completa desonestidade política histórica do campo conservador.
Debate desde já
O governo brasileiro e a sua base política de sustentação entre o povo têm o grande desafio de fazer esse debate com firmeza desde já. Os efeitos da crise geral do capitalismo, evidentemente, devem ser considerados. Mas há o outro lado da moeda. Uma das características mais marcantes deste cenário é a passagem para uma nova fase da economia em muitos lugares — sobretudo na América Latina —, distinta daquela histeria inaugurada nos anos 1980 pelos governos neoliberais de Margareth Thatcher (Inglaterra) e Ronald Reagan (Estados Unidos). Ali começou a pregação fundamentalista de que as “forças de mercado” substituiriam com sucesso a “vontade dos governos”. A justificativa para isso era a suposição arbitrária de que os defeitos dos governos seriam mais perversos à sociedade do que as falhas do mercado.
A essa idéia somou-se uma outra: a de que os países menos desenvolvidos deveriam afrouxar os controles para a circulação de capitais em suas fronteiras. Essa tese, um tanto paranoica, serviu a ideologias que veem o mundo numa fase final da história, na qual só resta o caminho da conformação do eterno conflito entre ricos e pobres, entre centro e periferia. De acordo com esse raciocínio, a causa da pobreza de muitos não seria mais os instrumentos que garantem a riqueza de poucos.
O prêmio Nobel de economia de 1995, Robert Lucas, chegou a proclamar: “Quando se começa a pensar em crescimento, é difícil pensar em qualquer outra coisa.” Ou seja: para ele, diante da importância do crescimento seria difícil dar ênfase a outras políticas econômicas. O efeito extraordinário do crescimento econômico, no entanto, não pode obscurecer questões importantes para medir o seu efetivo benefício para o conjunto da sociedade.
Distribuir renda e riqueza
A constatação de que o impacto do crescimento econômico sobre o bem-estar da população é decisivo leva imediatamente à pergunta (particularmente importante para os países com muitas pessoas pobres, como é o caso do Brasil): como distribuir esta riqueza de forma eficiente? Entre os fatores determinantes para a melhor utilização dos recursos disponíveis estão o papel do Estado como um ente preparado para a prestação de serviços sociais, os investimentos em infra-estrutura e a elevação dos salários.
No fundo, esse é o debate que realmente interessa. Economias do tamanho da brasileira não costumam crescer a taxas acima de 5% ao ano. Mas o Brasil não só precisa dessa taxa como precisa que ela seja contínua — conceito que alguns chamam de “crescimento sustentável”. Para reduzir a pobreza, elevando a renda per capita, estudos mostram que o PIB precisa crescer entre 5% e 6% ao ano apenas para incorporar a mão-de-obra que está entrando anualmente no mercado de trabalho — além de absorver parte dos desempregados.
Crescimento não é igual a desenvolvimento. Entre o final dos anos 1960 e o início da década de 1980, o Brasil cresceu a taxas anuais superiores a 8%. Nem por isso as desigualdades de renda diminuíram na mesma proporção. A Finlândia não cresceu tanto, mas sua população de 5 milhões de habitantes tem uma renda per capita em torno de 20 mil dólares, segundo o Banco Mundial. Sob diversos parâmetros — expectativa de vida, taxa de mortalidade infantil, índices de escolaridade —, os finlandeses têm características de país muito mais desenvolvido do que o Brasil.
Para crescer e desenvolver-se, um país precisa, antes de tudo, aumentar a sua produtividade. Isso é feito, basicamente, pela incorporação de máquinas mais modernas, pela qualificação da mão-de-obra e pela adoção de formas mais eficientes de produzir. E a riqueza produzida precisa ser melhor distribuída, por meio de investimentos sociais e infra-estruturais e da elevação da renda para quem vive de salários.
Diagnóstico da Cepal
Em 2008, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) divulgou um cálculo ilustrativo. Se o crescimento da produtividade fosse igual a zero, as economias da região precisariam crescer a uma taxa anual de 2,1% até o ano 2015, apenas para evitar um aumento do desemprego. Se a produtividade crescesse no ritmo de 3,7% ao ano (média do período 1950/1973), então o PIB precisaria variar 5,8% ao ano. Como a produtividade brasileira vem crescendo em média 7% anuais, é claro que o crescimento do PIB precisa ser ainda maior, apenas para não criar mais desempregados.
E será que uma economia de aproximadamente R$ 3 trilhões pode se dar a esse luxo? É claro que tamanho faz diferença, mas é preciso aqui fazer outra constatação. Países desenvolvidos já possuem usinas de energia, estradas e outras infra-estruturas para atender a suas necessidades. Nesses casos, o crescimento tende a ser naturalmente mais lento. Mas no Brasil ainda há muito o que fazer. O país precisa, desesperadamente, de melhorias infra-estruturais. Ou seja: o Brasil não só pode como deve crescer acima de 5%.
A Cepal identificou que, ao menos no médio prazo, o crescimento da América Latina pode ser assegurado pelas altas dos preços internacionais das commodities. A região é dona de grandes reservas minerais. Na avaliação da Cepal, os países latino-americanos deveriam aproveitar o momento mais favorável para reforçar sua presença internacional e rever alguns modelos mais frágeis que ainda servem de sustentação econômica. Entre as prioridades estaria a redução da dependência das exportações de produtos básicos.
O pensamento progressista latino-americano há tempos discute os obstáculos impostos à industrialização do sub-continente. A Cepal foi a referência maior nesse debate, inaugurado pela reflexão inspiradora de Raúl Prebisch sobre os vínculos desiguais entre as economias centrais e as regiões periféricas, e a necessidade de maior coordenação entre os países da América Latina para superar óbices como a deterioração continuada dos termos de nosso intercâmbio com a Europa e os Estados Unidos.
Estado mais cobrado
Sabemos que no Brasil esse desafio não foi enfrentado. O país levou a cabo um extenso programa de substituição de importações, modernizou seu parque industrial, mas manteve largos segmentos inteiramente à margem do processo produtivo, sem acesso às benesses do crescimento. Com poucos governos de visão social, o Estado esteve por muito tempo ausente não apenas da tarefa de distribuir renda mas também da de habilitar toda a sociedade a participar da dinâmica produtiva.
A máquina pública expandiu-se, mas para contemplar interesses elitistas, sem atenção aos reclamos da maioria da população. Na “era neoliberal”, o assédio institucionalizado de setores privilegiados aos canais de decisão foi explícito. Acentuou-se o vício histórico do patrimonialismo, em que o público se vê refém do privado.
Essa situação começou a mudar com o governo Lula. Com o avanço da cidadania, a sociedade também avançou. Multiplicaram-se as instâncias de representação. Os movimentos populares abriram espaços cada vez mais amplos para o debate público, atuando como uma verdadeira ágora desses novos tempos. Mas o Estado ainda precisa ser mais bem cobrado no desempenho de suas tarefas. Os nichos historicamente privilegiados devem estar sob o crivo de segmentos sociais mais vigilantes para impor limites à privatização do Erário.
O governo federal tem feito esforços para democratizar o Estado, para que ele se torne mais transparente e responsável. Iniciou a concertação do poder público com os movimentos sociais. A descentralização administrativa e orçamentária também concorreu para aproximar a população do gestor público. No entanto, o governo precisa acelerar a recuperação da capacitação do Estado para que ele cumpra o seu papel. Ou melhor: o Estado precisa se credenciar para cumprir finalmente a meta de universalização dos serviços públicos.
Pode-se dizer que estamos passando de um Estado do mal-estar social para a possibilidade de se ter um Estado virtuoso, que assegure a todos os brasileiros condições satisfatórias de vida. Mas o ritmo ainda é lento. Ainda temos uma política monetária indomada e uma condução tímida das diversas políticas públicas — condições que implicam em temor sobre a longevidade e eficiência do crescimento do PIB.
Osvaldo Bertolino
Na Fundação Maurício Grabois