quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Tiros pela culatra

 

Tiros pela culatra. 27599.jpeg
O doutor Givanildo abriu o exemplar de "Tiros pela culatra", uma coletânea de contos de diversos autores. Abriu numa página qualquer, calhou ser a página inicial do conto intitulado "O semeador de ventos". Leu a epígrafe: "Celui qui sème le vent récolte la tempête".
por Fernando Soares Campos
O telefone tocou. Atendeu. Era o Lúcio. Cumprimentou-o com um "oi", sem disfarçar certo enfado. Súbito, olhos arregalados, levantou-se. Tudo indicava que o Lúcio estava lhe passando uma informação bombástica.
A mulher entrou na sala e estranhou o comportamento do marido ao telefone. Ele aparentava estar entre pasmo e eufórico, caminhava em círculo e repetia a pequenos intervalos: "Não! Não! Nããão!". Ela fez sinais, acenou, piscou, sussurrou: "Quem é?", "O que está acontecendo?". Ele apenas repetia: "Não! Não! Nããão!". A mulher impacientou-se, bateu palmas para chamar sua atenção. Tentou umas batidinhas com o pé. Nada, quer dizer, "Não!", era só o que ele dizia ao seu interlocutor.

- E agora dá pra você me explicar o que está acontecendo?! - exigiu ela.
Ela desistiu, resolveu esperar sentada. Ele mudou sua monossilábica comunicação para "Sim! Sim! Sei!". Impaciente, ela levantou-se bruscamente e perguntou: "Afinal, é sim ou não?!". Ele colocou o indicador entre os lábios e fez "psiu!". Ela já estava disposta a lhe tomar o telefone e perguntar ao outro o que estava acontecendo. Ele agradeceu pelas informações e despediu-se. 
- Você não vai acreditar, querida!
- Vai logo, desembucha, homem! Que aconteceu de tão grave?!
- Grave? Ah, grave, sim! Mas não para nós. Eles que fiquem com a gravidade da questão. A nós só resta comemorar mais um gol de placa. 
- Para com isso, homem! Conta logo essa história, senão eu tenho um troço!
- Então, sente-se pra não cair de costas. 
 A mulher sentou-se. Ele permanecia com o livro na mão, falava gesticulando, entusiasmado:
- O Jonas confessou!
- Jonas?!
- Sim, o Jonas!
- Quem é o Jonas?!
- O quê?! Você não sabe quem é o Jonas?!
- O único Jonas que conheço não seria capaz de confessar nada.
- Mas é esse mesmo, o contador, o guarda-livros da C&R Ltda.
- Mas o que foi que ele confessou? Claro que não deve ter confessado que é ele quem consegue as notas frias para a venda das cargas roubadas receptadas pela C&R.
- Não, isso não, o cara é bandido, mas não é louco.
- Bom, também não deve ter confessado que foi ele próprio quem matou a primeira mulher e mandou matar a segunda...
- Certamente não. Pode-se acusar o Jonas de tudo, mas ele não é maluco! 
- Já sei! Confessou que foi o autor intelectual do sequestro do dono daquela rede de supermercado...
- Querida, o depoimento foi na Polícia Federal, e eu já disse que o cara tem juízo!
- Mas o que de tão grave ele confessou?
O doutor Givanildo esforçou-se para parecer sério, sisudo, mas exibia um estranho sorriso que lhe emprestava o aspecto de idiota, o que ele certamente não era.
- O Jonas, em seu depoimento, confessou, com todas as letras, que...
O telefone tocou. Ambos olharam para o aparelho trinando insistente. Ela colocou a mão em cima do telefone e, decidida, falou:
- Você só vai atender quando terminar de me contar o que o Jonas confessou.
- Espere um pouco, meu bem, deve ser o Lúcio. Ele ficou de me retornar informando o que aconteceu com o Jonas. Se vai ficar preso ou responder em liberdade.
Ela cedeu. Num salto, ele pegou o aparelho.
- Alô, Lúcio, e aí, o que aconteceu com o Jonas?!
- Doutor Givanildo?
- Sim...
- É o Jonas. 
- Jonas?! Mas você... é que... Bem, o que está acontecendo?! 
- O Lúcio não lhe contou? 
- Sim, ele me falou que você foi interrogado pela Polícia Federal. Contou que você confessou que a C&R deu dinheiro, por fora, pra campanha daquele deputado estadual, o achacador. Complicou a vida daquele malandro. Mas não me contou os detalhes...
- Nem poderia.
- Como assim?!
- Porque os detalhes virão depois. 
- Você vai depor novamente?
- Não, não vou. Estou me referindo às investigações. Os detalhes, sem dúvida, serão revelados durante o processo investigatório. 
A mulher se levantou, aproximou-se do marido e encostou o ouvido no fone. Ele não reclamou, continuou falando:
- Que detalhes?
- Pediram a quebra do sigilo bancário do deputado.
- E daí?
- O problema é o cheque, doutor Givanildo, o cheque. Sei que eles vão chegar ao cheque.
- De que cheque você está falando?!
- Bem, doutor Givanildo, o senhor queira me desculpar...
- Desculpar de quê?! Dá pra explicar melhor?!
- Acontece que só agora eu me lembrei.
- Lembrou-se do quê?
- Me lembrei do cheque que o senhor deixou pra pagar o aluguel do galpão da C&R.
- O que tem uma coisa a ver com a outra?
- Acontece que eu dei aquele cheque para o cara na época da campanha. Era uma emergência, doutor.
O doutor Givanildo amarelou, sentiu as pernas bambas, vertigem, um friozinho na barriga. Berrou: 
- Você está maluco?! Endoidou?! Onde já se viu usar cheque numa transação dessas?! Isso é coisa de louco!
- Desculpe, doutor Givanildo, eu nunca pensei que fosse dar no que deu...
- Pensar? Pensar?! Você não deve ter essa faculdade, seu estúpido! Você é louco! Louco, entendeu?! Maluco! Pirado! Doido! Demente! - desligou.
Pasma, a mulher olhava para o marido, apenas acompanhava sua inquieta movimentação pela sala. 
Transtornado, o doutor Givanildo arriou-se no sofá como um fardo atirado a um canto. Não sabia o que fazer. Abriu o livro novamente na página do conto "O semeador de ventos" e releu a epígrafe: "Celui qui sème le vent récolte la tempête". 
- Que diabos isso quer dizer?! 

É fácil dominar um país vira lata, como já sabiam os ingleses.


Resultado de imagem para fotos da embraer
sanguessugado do GGN

André Araújo

A Embraer, os vira-latas e o chicote do inglês

O Império Britânico governou uma quarta parte das terras deste planeta. O Império não precisava de muita tropa para manter os controles sobre tão vastos territórios.

Na maior das colônias o “Raj”, que incluía o que é hoje a Índia, o Paquistão e Bangladesh, menos de 10 mil ingleses bastavam. Qual o segredo?

Os ingleses eram inteligentes e terceirizavam os capatazes de suas terras, os próprios indianos serviam ao Império Britânico como soldados, selecionavam tribos guerreiras como os Sikhss e os Gurkas  que em nome do Soberano em Londres usavam o chicote sobre os outros indianos.

No Brasil de hoje há tropas disponíveis para servir de guarda ao interesse dos herdeiros dos ingleses e seus sucessores imperiais, os americanos que encantam os brasileiros.

A proposta de compra da EMBRAER pela Boeing trouxe a luz do dia essa tropa vira lata que serve aos interesses estrangeiros no Brasil com o maior prazer. Na GLOBONEWS Sardenberg e Teco, codinome de Luís Gustavo Medina, comentaristas econômicos da linha “tudo pelo mercado”, habituais porta vozes do pensamento neoliberal que vem da Casa das Garças,  soltaram rojões de alegria com a hipótese da BOEING comprar a EMBRAER. Disseram que o Brasil deveria  se sentir lisonjeado pela BOEING voltar seus olhos para o Brasil, “ é uma prova de confiança no Pais”, disseram sôfregos de alegria, “olha como gostam de nós”.

Disseram que agora a EMBRAER vai poder vender muito mais aviões para o exterior pelas mãos da BOEING. Demonstraram ai o ápice do desconhecimento. Muitos países compram aviões da EMBRAER exatamente porque ela é brasileira e NÃO comprariam se ela fosse americana.  Os aviões Tucanos de treinamento militar são comprados por países que não comprariam  esse tipo de equipamento se o fornecedor for americano. Os fabricantes americanos NÃO transferem tecnologia, não abrem os códigos fonte da eletrônica embarcada, não fornecem todos os desenhos, eles querem deixar o comprador AMARRADO aos controles tecnológicos e dependentes eternamente do fornecedor, é tradicional politica dos EUA.

Sardenberg e Teco não tem a menor ideia do que significa uma grande multinacional comprar uma empresa de pais emergente. Tive essa experiência em 1974, quando uma empresa de bens de capital da família foi vendida a um dos maiores conglomerados americanos da área, uma empresa cem vezes maior do que a nossa quando foi comprada.

Em seis meses a empresa estava COMPLETAMENTE mudada, da cabeça aos pés, mudaram os processos de controle, de orçamento, de relações trabalhistas, quem quisesse ficar precisava assumir a CULTURA da empresa matriz, completamente diferente da empresa nacional.

É isso o que significa uma compra da EMBRAER pela BOEING, aqui vai ser uma divisão da empresa mãe, pode até desaparecer, como a nossa vendida em 1974 desapareceu em 1985.

A BOEING comprou nos últimos anos SETE grandes empresas aeronáuticas: De Havilland Australia, Hugues Aircraft, McDonnel Douglas, North American Aviation, Piasecki Helicopter, RocketDyne e Stearman Aircraft. Todas desapareceram, foram absorvidas pela Boeing, não existem mais como empresas, é o sistema BOEING de fusões e aquisições.

Há pouco tempo a EMBRAER foi acusada de corrupção na Republica Dominicana e foi processada pelo Departamento de Justiça, a EMBRAER acabou fechando acordo por US$180 milhões de multa paga por esse processo, que nada tinha a ver com os EUA, mas lá eles acham que tem jurisdição sobre o mundo, esse processo começou no Brasil e foi parar nos EUA.

Por conta desse acordo a EMBRAER teve que aceitar ser monitorada por dois fiscais do governo americano, os fiscais ficam dentro de seus escritórios no Brasil.

A postura de Sardenberg,Teco e outros do mesmo naipe é de COMPLEXO DE INFERIORIDADE.

Somos tão ruins que é melhor um estrangeiro nos comprar, aliás é uma HONRA o estrangeiro se interessar por nós, como deixaram claro Sardenberg e Teco, felizes pelo aceno da Boeing.

Foi o orgulho nacional profundo que fez a Alemanha, a Inglaterra, a França, a Rússia serem potencias industriais. Orgulho de seus produtos que representam o nível civilizatório do País. A Embraer é uma criação nossa, tecnologia nossa, é uma derivação da FORÇA AEREA BRASILEIRA. Vende-la não é apenas um negocio financeiro, como acham Sardenberg e Teco, é  abrir mão de um sucesso bem brasileiro, saído de cérebros brasileiros.

Mas lamentavelmente muitos brasileiros são assim, ACHAM o Brasil um lixo. Em alguns points dos Jardins em São Paulo (posso listar) vê-se pais brasileiríssimos falando em inglês com seus filhos pequenos, acham isso lindo, querem ser estrangeiros em seu próprio Pais, que desprezam, acham que tudo é lindo nos EUA, sem ver as mazelas desse País.


 É fácil dominar um país vira lata, como já sabiam os ingleses.

Uberização do desespero, luta de classes, disputa hegemônica


Henry Ford ficou conhecido por introduzir a produção em série. Mas poucos sabem que para trabalhar na Ford era preciso comprovar adesão a certos valores como fidelidade conjugal, estabilidade familiar e emocional, repulsa ao álcool e à vida boêmia, apego à religião e patriotismo.

Mais sutil, o toyotismo se apropriou da capacidade flexível da produção artesanal. Passou a exigir de seus “colaboradores” capacidade de cooperação, consenso, participação, valorização dos grupos informais etc.

Já na era do Uber, as empresas inovam a partir da chamada economia compartilhada ou “economia do bico”. Nela, borram-se as fronteiras “entre consumo e trabalho, entre o que é trabalho e o que não é, entre trabalhador e consumidor, entre o trabalho e o bico, entre trabalhador-empreendedor”.

A análise acima é um resumo grosseiro de um artigo que vale a leitura. Trata-se de “Luta de classes na era do Uber”, de Marco Antonio Gonsales de Oliveira, Rodrigo Bombonati de Souza Moraes e Rogério de Souza. É dele também a seguinte passagem:

As empresas da economia do compartilhamento navegam nas oportunidades que a sociedade do trabalho, em crise, oferece: consumidores em busca de baixo preço e trabalhadores em situação de desespero.

Sendo que “consumidores em busca de baixo preço” e “trabalhadores em situação de desespero” muitas vezes são as mesmas pessoas.

Mas tudo isso fica escondido sob a aparência de “eficiência”, “versatilidade”, e até “sustentabilidade ecológica”.

Ou seja, desde a triagem moralista de Ford, passando pela apropriação do artesanato pelo toyotismo até a uberização do desespero, é de luta de classes que se trata. Mas também de luta ideológica. Disputa de hegemonia.

http://pilulas-diarias.blogspot.com.br/2017/12/uberizacao-do-desespero-luta-de-classes.html