sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Padilha vai derrubar Temer





O ilegítimo Michel Temer (PMDB) avisou nesta quinta (22) que manterá intacto o ‘núcleo da propina’ em pastas estratégicas no governo, dentre os quais Eliseu Padilha (PMDB-RS), o Primo, acusado em delações da Odebrecht de chefiar o milionário propinoduto peemedebista.
Eu não tirarei o ministro chefe da Casa Civil. Ele continua firme e forte frente a Casa Civil. Não haverá mudança nenhuma”, afirmou ontem Temer.
A declaração do ilegítimo por extensão também vale para Angorá, isto é, para o ministro Moreira Franco (PMDB-RJ) que igualmente foi delatado por executivos da empreiteira.
Há ainda o núcleo da propina do partido que atua no Senado cujos chefetes seriam Renan Calheiros (AL), o Justiça, Romero Jucá (RR), o Caju, e Eunício Oliveira, o Índio.
“Eu não sei o que vai acontecer lá para frente, mas não planejo fazer nenhuma alteração. Não há nenhuma intenção nesse momento de fazer qualquer modificação”, reforçou Michel Temer ante as denúncias de corrupção de seus correligionários no governo e no Congresso.
O presidente ilegítimo asseverou que aproveitará a baixa popularidade impor as maldades contra o povo brasileiro.
Questionado sobre a hipótese de renunciar ao cargo, Temer disse que não renuncia, mas, desafiou, se for cassado, obedece.
“Renunciar, eu não tenho pensado nisso. Se for cassado eu já disse que obedeço a decisão”, declarou o Tinhoso.
Se Michel Temer não vai renunciar, então resta ao povo derrubá-lo de lá tal utilizando-se de técnicas do judô para desequilibrar (kuzushi) sua quadrilha no governo.
http://www.esmaelmorais.com.br/2016/12/padilha-vai-derrubar-temer/#more-165861

Só a vergonha nos libertará


2016, o ano da submissão final do Direito: só a vergonha nos libertará

Por Lenio Luiz Streck

Abstract: E quando o primeiro professor ensinou o ECA cantando funk, o caos já se instalara. De há muito. E quando o professor abriu a palestra dizendo “sentença vem de sentire’ e foi aplaudido de pé, o império do Direito já ruíra. De há muito.

A substituição do direito pela moral (ou por opiniões pessoais, ideológicas) tem enfraquecido sobremodo a democracia. Há um livro interessante de Kyame Appiah, O Código de Honra, em que mostra como algumas práticas foram abandonadas e o valor do constrangimento. Em um parafraseio da tese de Appiah, é possível afirmar que foi o constrangimento a arma mais poderosa. Com efeito, ele diz que a causa do fim dos pés atados das chinesas foi a honra (no sentido da desonra provocada pela prática em relação ao observador externo) e não a lei ou a religião.

Durante mais de mil anos os pés das meninas chinesas eram atados, para que não crescessem e ficassem pequenos e delicados, em torno de 7,5 cm. A prática durou mais de mil anos e acabou em 20. Appiah pesquisou e descobriu que outros países estavam se inteirando desse hábito chinês e o repudiavam. Isso constrangeu enormemente os chineses.  E foi decisivo. Assim também ocorreu com os duelos na Inglaterra. Se a prática de atar os pés era vergonhosa, a dos duelos passou a ser vista como ridícula. E ambas acabaram. Ele diz também que no Brasil, a escravidão no início era normal, depois, num curto período ficou "menos normal" e, em seguida, algo abjeto, a ponto de netos não entenderem como seus avôs foram capazes de escravizar. No século XIX, um funcionário chamado Kang consegue convencer o establishment chinês de que a prática de atar os pés era, além de todos os males, ridícula e envergonhante. E o fez comparando outros povos que não amarravam pés.

Talvez no Brasil as péssimas práticas de não levarmos a sério a Constituição possa um dia ser revertida porque ela — essa prática — nos envergonha e, porque, para outros povos, soa como ridícula. E esse deverá nos causar constrangimentos tais que abandonaremos essa prática. O mesmo se diga em relação ao patrimonialismo. Quem sabe? Não esqueçamos que “a prática” de substituir o direito por juízos morais também, já por si, é uma visão moral, por mais (imoral e) paradoxal que isso possa parecer. E essa “prática de substituir o direito pela moral” deve ser enfrentada. Democracias se fazem com leis e constituições feitas na esfera pública e respeitadas pelos aplicadores. Não existe democracia quando a lei é substituída pelos juízos particularistas (que são juízos morais). No fundo, isso devia nos envergonhar. Papel da doutrina? Simples: criar os constrangimentos para extinguir essa prática.

Por isso, esta coluna natalina é uma insistência nos pontos que venho batendo. Venho tentando criar códigos de honra para acabar com práticas que vêm fragilizando nossa democracia e nosso país. Digo isto para lembrar que o ano de 2016 ficará marcado como o ano mais jurídico-canibal da história do Direito. O ano em que a comunidade jurídica se portou como a acídia, o animal marinho suprassumo do canibal: aninha-se em um canto confortavelmente e consome toda a sua energia. Quando não há mais energia, devora o próprio cérebro. Eis a alegoria do homo jurídicus. Profetas do passado. Correm no Facebook para dizerem que aprovaram um texto na Faculdade do Balão Mágico. Ou que colocaram as notas no mural. Invadem a minha página para apresentarem um livro com perguntas e respostas de concursos públicos (que, aliás, estão acabando por culpa dos próprios juristas).

Quem está por trás destas práticas que fragilizam o Direito? Os próprios juristas. As carreiras jurídicas. E os advogados, é claro. E os professores. E parcela expressiva da doutrina. Em vez de apoiarem um grau mínimo de autonomia do Direito, praticam o canibalismo. Como pagãos epistêmicos, tece(ra)m loas aos que descumpriram a Constituição. Grita(ra)m “lá vem o novo”, quando começaram a atropelar as leis e a Constituição. Mal sabiam que ali estava o ovo da serpente.

homo juridicus pindoramense trocou o direito pela moral e pela política e ganhou de presente um enorme pacote econômico. Bingo. Bateu panelas e ganhou uma palha de aço. Dia a dia, juristas troca(va)m de lado. Tudo como torcedores. Gol de mão? Vale...e não vale. Se for a favor do nosso time, grande juiz. Se for contra, deve ser esfolado. Direito? Ah, prá que direito? – “Não me venha com positivismos” (essas “falas” chegam a ser hilárias; e se repetem todos os dias).

Estamos indo “bem” nestes tempos de pós-verdades no direito. Tudo vira narrativa. Na medida em que se institucionalizou o mantra de que “princípios são valores”, é possível trocar o direito por uma palavra mágica como princípio da rotatividade, da amorosidade, da fatalidade, da dialeticidade, da verdade real, etc. Juízes e promotores estão convictos que eles o são vinte e quatro horas por dia. Unção. Como sacerdotes. Claro: por isso a resposta que dão nunca é a que vem de fora (direito, fatos, constituição, doutrina); ela vem de dentro, de sua subjetividade, de sua livre convicção (o símbolo disso é o juiz Xerxes, em um debate no TRT-SP, sob os aplausos de uma parcela considerável de seus colegas, dizendo: “se eu tiver que fundamentar como manda o NCPC, me mudo para o Zimbawe”).

Resultado: temos milhares de judiciários, milhares de ministérios públicos, onze supremos, trinta e três essetejotas. Resultado: meia cidadania. Meio direito. Na verdade, um direito substituído pela moral e pela política, para dizer o mínimo. Observem até onde nos levaram as práticas de desrespeitar a lei, a CF, substituindo o direito pela moral e pela política, ao ponto de o cientista político Werneck Vianna afirmar que “tenentes de toga comandam essa balbúrdia jurídica”, gravíssima acusação ao ativismo do poder judiciário e ministério público. Urgentemente, as associações do MP e PJ deveriam se reunir e olhar para dentro de si e fazer uma autocrítica.

Pindorama está ruindo e o homo juridicus está preocupado em como decorar o ECA (que, aliás, nem é cumprido). Porque cai na prova da Ordem e nos concursos. Gostam de citar Savigny e sua metodologia. E misturar autores. E criticar Kelsen, chamando-o de exegeta. Essa é a “sofisticação”. Estamos construindo próteses para fantasmas, como dizia Warat. Portarias valem mais do que a Constituição. “— Consultemos a instrução normativa numero X”. “— Mas, e a Constituição?”. “— A Constituição? — Lá vem de novo vocês com essa conversa de Constituição”, dizia um professor na Capes. Bom, no Império a Constituição abolira em 1824 a pena de açoites. O Código de 1830 instituiu açoites. E o Código valeu mais do que a Constituição. Novidade?  Qual é a diferença para hoje? Nem mesmo os códigos cumprimos. O CPC novo já virou um frangalho. Os embargos são julgados como se fossem os mesmos de antes de 2015. O convencimento (retirada da palavra “livre” do art. 371) continua “muito livre” (até mesmo para o STJ). O STF aniquila milhares de recursos em clara desobediência ao art. 489 do CPC (ler aqui). Conduções coercitivas são autorizadas à revelia da Lei e da CF (Silas Malafaia é um bom exemplo do “efeito rebote”: aplaudiu a ilegal condução coercitiva de Lula e quando foi a vez dele, não havia ninguém para defendê-lo – pau que bate em Lula, bate em Silas...[1]). Faz-se analogia em malam partem nos tribunais. Inverte-se o ônus da prova. Enquanto isso, o doutrinador e desembargador Guilherme Nucci diz que os vazamentos nas delações não geram nulidade. Normal. E a lei? A lei nada vale. O que vale é a opinião pessoal do doutrinador. Do mesmo modo, veja-se o artigo que três juízes escreveram na Folha de S.Paulo, chamado O Guardião da Constituição. Nele, defendem a liminar concedida pelo Ministro Fux no caso do projeto das dez medidas. Em nome da Constituição, contra a Constituição. Assim vamos indo em direção ao tenentismo denunciado por Werneck.

Enfim, tudo isso é fruto de muito esforço, como ironizava Nelson Rodrigues. Teses como o juiz-boca-da-lei-morreu-e-agora-é-a-vez-do-juiz-dos-princípios, neoconstitucionalismos de todas as espécies, clausulas gerais, os fins justificam os meios, prova ilícita de boa fé...  Estas coisas não são filhas de chocadeira. Alguém bolou isso. E transmitiu nas salas de aula. E escreveram nos livros “tipo galinha pintadinha”. Que vendem aos borbotões. O lema é: quanto pior, melhor.

Na contramão do homo juridicus, uma orientanda minha, Clarissa Tassinari, defendeu, no dia 19 de dezembro de 2016, tese sobre a “supremacia judicial consentida”, mostrando que tudo isso que está aí tem uma participação direta “queremista” da comunidade jurídica. Na mosca. Georges Abboud escreveu um texto sobre “Submissão e Juristocracia”, numa alusão ao best sellerSubmissão, de Michel Houellebecq. Bingo. E eu acrescento um livro mais antigo, bem antigo, chamado Discurso da Servidão Voluntária, de 1548. Sim, destruímos o direito em Pindorama a partir de um pacto de consentimento, submissão e servidão voluntária. Concedemos o skeptron (da fala de Homero) ao judiciário. De posse do skeptron (ou da concha, do livro O Senhor das Moscas — assistam aqui o programa Direito & Literatura ), é possível falar...qualquer coisa. A concha e o skeptron não nos foram devolvidos. Houve uma fagocitose epistêmica: agora tudo virou... concha. Já não há interdição. Não há como enfrentar o estado de natureza interpretativo, porque ele é fomentado por quem tem o skeptron.

Apostamos na coisa mais perniciosa para o direito: transferimos o polo de tensão para um só lugar. A tese: o direito é o que os tribunais dizem que é. E o STF levou isso aos píncaros. É o nosso realismo tupiniquim. Nosso realismo tipo Pink e Cérebro”. (ver o filminho aqui). E, veja-se: o nosso realismo jurídico é diferente. Ele é um realismo patrimonialista, como, sob outro viés, denuncia Danilo Pereira Lima no seu livro Constituição e Poder.  Um realismo patrimonialista-com-racionalidade-teológica. Não basta que as coisas sejam minhas. Quero também os sentidos. As significações. No princípio é “a minha nominação das coisas”. Por isso x vira y. Dá-se o sentido que se quer. Coisa de fazer inveja a Humpty Dumpty, de Alice Através do Espelho. Por isso é possível que alguém fique preso mais de 500 dias pelo crime de porte ilegal de arma (preventivamente). Por isso, é “legal” vazar depoimentos. Espalhar delações ao vento. E publicizar interceptações ilegais. Também por isso, em audiência, é “permitido” a testemunha dizer aos advogados “vocês são um monte de lixo” e nada acontece, porque o juiz nada faz. Tudo ficou invertido em Pindorama. O skeptron dá esse poder. O direito de Pindorama se transformou... no próprio skeptron.

E tudo convalidado na — e pela — rapidez das redes nesciais, nos resumos e nos enunciados fabricados em workshops. Por isso, minha insistência e minha luta contra as práticas predatórias do direito, do mesmo modo que o funcionário Kang denunciava a prática dos pés atados na China. Pela enésima vez: Voltemos a estudar direito. E que o respeitemos. E por isso proponho uma hermenêutica ortomolecular: para expulsar os “radicais livres” da “livre interpretação e do subjetivismo” (se me entendem a ironia).

Vamos resistir? Pindorama está se esvaindo... Em nome do direito, estamos acabando com o próprio direito. O que fizemos com nossa Constituição? O que restou da advocacia (excetuados os grandes escritórios)? O meirinho do fórum já olha atravessado para o causídico na chegada. Como é possível que milhares de advogados sejam submetidos a tratamento degradante todos os dias, em um país em que temos a maior corporação do mundo para protegê-los? Como é possível que até hoje temos dúvida acerca de como fazer para pedir uma cautelar, uma vez que ela é concedida (ou não) ao alvedrio do juiz ou tribunal?

De novo: nada disso é gerado espontaneamente. Quando o primeiro professor entrou na sala de aula em 6 de outubro de 1988 e bradou coisas como: princípios são valores (algo como Deus morreu e agora pode tudo), começou o nosso declínio. Quando o primeiro professor de cursinho inventou o resumo do resumo e depois veio outro professor com resumão facilitadão e coisas do gênero, iniciamos a descida. Quando os concursos foram transformados em quiz shows, terceirizados pela OAB, Tribunais, Ministérios Públicos etc, e ninguém fez nada, a “conquista” começou. Quando a doutrina começou a fazer apenas glosas de julgados e o um Ministro disse “não me importa o que diz a doutrina”, comecei a estocar comida. Quando o primeiro advogado, humilhado, não reclamou da negativa de transcrição na ata do julgamento do ato autoritário do juiz, quando a doutrina ficou silente em face dos descumprimentos das leis e da Constituição e quando a comunidade jurídica se transformou em torcedora, admitindo quebra da legalidade por interesses próprios, o processo de “transformação” estava já de vento em popa. E quando o primeiro professor ensinou o ECA cantando Funk, o caos já se instalara. Finalmente, quando o professor abriu a palestra dizendo “sentença vem de sentire’ e foi aplaudido de pé, o declínio do império do direito já se instalara. Faltava só o que aconteceu no ano de 2016. E aconteceu. E olha que o ano ainda não terminou. Como diz Eraclio Zepeda: quando as águas da enchente cobrem a tudo e a todos, é porque de há muito já começou a chover na serra; nós é que não nos damos conta.

Numa palavra: Os pés das chinesas eram amarrados durante mais de mil anos. E de repente, em menos de vinte anos, acabou. O modo como estudamos e aplicamos o direito no Brasil, embora já tão consolidado, pode estar chegando ao seu estertor. Será que — lembrando O Código de Honra — se nos envergonharmos do que está ocorrendo, poderemos mudar esse quadro em alguns anos? Ou vamos ficar de pés atados, se me entendem a alegoria?

Feliz Natal a todos. Sem cartinha para o Papai Noel. E sem duelo. E com os pés sem ataduras. E sentindo vergonha.



[1] O “fator Mal-Afaia” já vem ocorrendo: os mesmos (MP e o PJ) que aplaudiram o voto do Min. Barroso no caso da presunção da inocência, não gostaram nem um pouco de suas posições no caso da PEC 55.

Lenio Luiz Streck é doutor em Direito (UFSC), pós-doutor em Direito (FDUL), professor titular da Unisinos e Unesa, membro catedrático da Academia Brasileira de Direito Constitucional, ex-procurador de Justiça do Rio Grande do Sul e advogado.

Revista Consultor Jurídico, 22 de dezembro de 2016, 
via: http://caviaresquerda.blogspot.com.br/2016/12/so-vergonha-nos-libertara.html

A CRISE DO CAPITAL E A NOVA DIÁSPORA MUNDIAL


"Você não pode dormir bem quando pensa que
tudo está sendo pago pelo governo. Isso não
vai ser resolvido, a menos que vocês os
deixem ou os apressem para morrer"
(Taro Aso, vice-premiê do Japão, sobre
saúde pública x doenças graves)
.
A NOVA CONJUNTURA 
DO MERCADO MUNDIAL
O capital é branco, ocidental e masculino (Roswhita Scholz): e esta lógica do capital se espalhou por todas os quadrantes mundiais e se tornou one world, como resultante da necessidade de expansão vital. 

Destarte, os mundos asiático e africano (que juntos, correspondem a quase 80% da população do mundo, com equivalente extensão territorial) trocou paulatinamente as tradicionais relações pré-capitalistas, estabelecidas após o abandono da partilha primitiva, por relações capitalistas, mas sem condições de concorrência à altura.

As relações de produção predominantemente agrárias, que existiam sob o primado de instituições jurídico-sociais dominadoras, permitiam uma vida ao povo (miserável, mas possível); elas, contudo, implodiram sob a lógica do capital. 

Tal fato modificou a fisionomia do mercado mundial, posto que o capitalismo nada mais é do que uma forma de relação social (injusta, segregacionista, contraditória, e fadada à falência, diga-se en passant) que agora, quando vê alterado o seu conteúdo, alterou, correspondentemente, toda a dinâmica da concorrência mundial. 

Algumas regiões sucumbiram; outras sobrevivem num contexto de crescimento localizado, mas que implica um efeito colateral de queda geral da massa de valor e mais valia. 

Temos um exemplo disto na Ásia, cuja população está entrando no regime de concorrência mundial. A China, com seus 1,5 bilhão de habitantes, promoveu o maior êxodo rural da história da humanidade, levando para as cidades, quase compulsoriamente, centenas de milhões de pessoas que passaram o produzir industrialmente produtos para o mundo inteiro com valor reduzido, causando um estrago no tradicional regime de concorrência de mercado ocidental. 

Tal fenômeno foi possível graças à transferência de tecnologia do mundo ocidental em busca de mão-de-obra barata e abundante, e do acesso fácil atual ao conhecimento tecnológico.  

A China, dita comunista, mas capitalista de Estado, capacitou-se, a custa de:
Distopias de sci-fi são menos deprimentes do que isto...
— mão-de-obra barata;  
— transferência de tecnologia e desenvolvimento de tecnologia própria; e 
— endividamento por meio de capital fictício (a dívida privada chinesa é de 254% do PIB e, se a economia parar como se prenuncia, o calote fará estremecer de vez o mundo financeiro). 
O modo de produção industrial chinês desestabilizou o mundo capitalista de modo muito mais acentuado do que poderia prever Mao Tsé-Tung, defensor da revolução marxista tradicional. 

Com tal modo de produção, seguido pelo seu vizinho de impressionante tamanho populacional e grande extensão territorial (a Índia, que vem mantendo significativos níveis de aumento do PIB, tanto que em 2015 já ultrapassou a China em percentagem de crescimento), o capitalismo mundial ocidental estremece, de vez que o nível mundial de desemprego aumenta e as receitas fiscais do Estado definham com o emperramento da economia e da produção de valor válido. Soma-se a isto a indonésia, com seus 250 milhões de habitantes querendo seguir o mesmo caminho dos seus vizinhos. 

Diante da concorrência de mercado sob tais condições, o mundo capitalista ocidental diminui a sua produção industrial e se vê obrigado a financiar o déficit público e o fluxo monetário com dinheiro sem valor, além da emissão de títulos públicos insolváveis no futuro. 
2008: o  castelo de cartas quase desabou!

Esta é a forma de financiamento do déficit comercial dos Estados, que tudo compra, até quando evidenciar-se verdade trágica, já anunciada.  

Tudo se resume a um artificialismo financeiro que não possui lastro de sustentabilidade, tanto de um lado como de outro. Assim, o colapso, que já esteve próximo de ocorrer em 2008, quando da quebra do banco Lehman Brothers, se prenuncia como inevitável.    

O capitalismo só produz para quem pode comprar. Paradoxalmente, como é da sua natureza funcional, ele elimina postos de trabalho e diminui o contingente dos que podem comprar. Retira a escada pela qual alcança o desenvolvimento. Esta é uma equação irresolúvel sob a lógica do capital, que imporá, mais cedo ou mais tarde, uma mudança nos modos de produção. 

Um exemplo simples de contradição do capitalismo no atual estágio de produção tecnológica e redução do trabalho necessário e do trabalho excedente, formadores da mais-valia, nós podemos extrair da questão habitacional (setor no qual o capitalismo de Estado marxista-leninista encontrou sérias dificuldades). 

Há no Brasil um déficit habitacional de milhões de moradias e sabemos que a construção civil pode empregar um grande contingente de trabalhadores desqualificados profissionalmente. Assim poderiam, a um só tempo, serem resolvidas duas questões fundamentais: o déficit habitacional e o aumento da oferta de emprego. 

Mas, não há como se produzir uma residência minimamente confortável, num contexto de infraestrutura urbana necessária (esgotamento sanitário, vias públicas pavimentadas, iluminação pública, abastecimento d’água, etc.), sobre um lote de terra, mercadoria cara, pois a população que dela necessita não pode comprá-la: os salários são incompatíveis com o custo de uma propriedade habitacional ou com os juros de financiamento; e a coisa piora para quem é desempregado. 
O resultado disto é o desumano aumento das favelas, que poderia ser evitado sob outras formas de produção.       

Há uma relação de causa e feito com a miséria capitalista. Não se produz porque não se vende;não se vende porque não se compra; não se compra porque não se ganha dinheiro suficientemente. 

O capital só produz marginalmente, para uma pequena percentagem da população com poder aquisitivo e, assim, trava a produção da qual necessita desesperadamente, esta é mais uma faceta de sua contradição insuperável.
.          
OS EMIGRANTES DESESPERADOS
.
Hoje temos graves ebulições e guerras civis ou convencionais nos seguintes lugares: Ucrânia, Afeganistão, Iraque, Síria, Sudeste da Turquia, Líbia, Somália, Sudão, nordeste da Nigéria, Iêmen, Camarões, Mali, Curdistão, Egito, Líbano, além do histórico conflito entre palestinos e israelenses. 

Existem, ainda, conflitos internos nos países do Leste Europeu, na Venezuela e na União Europeia, que enfrenta alto nível de desemprego numa região outrora carente de mão-de-obra dos imigrantes de suas antigas colônias. 
Quase todos estes países eram governados por líderes militares com mão-de-ferro. O discurso do totalitarismo vigente era lastreado pela promessa de necessidade de ordem pública, de modernização da vida social, e de unidade nacional étnica e religiosa. 

Mas o discurso moralista encobria uma inconfessada sede de poder e da prática de corrupção generalizada por parte da elite dominante. O poder corrompe, e o poder continuado corrompe muito mais.        

Com a evolução tecnológica da terceira revolução industrial, que tornou inviável a produção em níveis de baixa produtividade, a estagnação tomou conta da economia de países economicamente subdesenvolvidos, que já não podem se endividar e nem voltar às suas antigas formas de produção de subsistência numa economia globalizada. O resultado de tanta insatisfação e miséria é o pulular de guerras fratricidas pelo poder, numa região fortemente marcada pelo misticismo religioso. 
Estado Islâmico: nada além de morticínios bestiais

Este é o caldo de cultura para o crescimento de movimentos político-religiosos fundamentalistas como a Al Qaeda, Estado Islâmico, Boko Haram, Al Shabaab, Hezbollah, Al Fatah e uma infinidade de grupos advindos de etnias sunitas, xiitas, alauditas, cada um deles querendo se mostrar mais autêntico na defesa da chamada jihad, a guerra santa islâmica. 

As potências econômicas militares internacionais sempre mantiveram tas países sob a sua influência apoiando governos totalitários e corruptos que terminaram por desintegrar as culturas e instituições locais, causando anomia social e uma aberrante tragédia humanitária.

É este o quadro no qual ocorre a grande diáspora da humanidade no início do século XXI  a era da tecnologia moderna – que nada mais é do que a explicitação da barbárie de um modelo de relação social que se exauriu completamente e clama pela substituição por outro modo de produção. O pior é que, em seus estertores, a relação condenada se apresenta cada vez mais sangrenta e desumana, tornando o desfecho do drama sumamente ameaçador para o destino de toda a humanidade.              

Relatos da Organização das Nações Unidas dão conta de que, até o início de 2016, mais de 4,8 milhões de pessoas emigraram de seus países, fugindo da guerra e da fome: e, ao longo deste ano deplorável, a emigração ainda aumentou. 

Para onde essas multidões sofredoras, senão para regiões que já têm problemas internos graves? O impasse assume proporções colossais. 
Em países como o Brasil, que (ainda) não enfrentam guerra civil ou convencional, a falência das finanças públicas e a renitente depressão econômica estão deixando atônitos os seus cidadãos, que já veem as labaredas do incêndio capitalista bater às suas portas. 

Como corolário disto tudo, agora nós teremos pela frente um Donald Trump como presidente da meca do capitalismo, querendo quer apagar o fogo com gasolina. 

Fala sério! Já não é hora de repensarmos tudo isso? 
(por Dalton Rosadohttps://naufrago-da-utopia.blogspot.com.br/2016/12/a-crise-do-capital-e-nova-diaspora.html

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Anúncio do fim da Lei Áurea foi hoje

1888 - 2016
Luis Felipe Miguel

É para hoje, diz o jornal, o anúncio da reforma trabalhista que o usurpador quer implantar por medida provisória.

Inclui o fim da legislação trabalhista, com a "prevalência do negociado sobre o legislativo" - isto é, que direitos previstos em lei possam ser rifados em acordos coletivos de trabalho.

Há legislação de proteção ao trabalho exatamente porque se sabe que, no embate com o capital, ele tem muito menos força para defender seus interesses. É isso que Temer está enterrando.

Para não ter nenhum problema, a proposta também limita drasticamente a possibilidade de que a justiça do trabalho seja acionada para rever um acordo coletivo.

Também é abolido o limite diário de oito horas de trabalho. Temer quer até 12 horas de trabalho por dia. Juntem isso com os 49 anos de contribuição para a aposentadoria e façam as contas.

Em troca, concede a alguns trabalhadores o direito de retirar uma parte do FGTS para quitar dívidas...

O anúncio perto do Natal certamente não é só sadismo. É para reduzir as reações contrárias. Temer e seu bando não acreditam que estão fazendo tudo o que estão fazendo e o país continua nesta pasmaceira.
http://caviaresquerda.blogspot.com.br/2016/12/anuncio-do-fim-da-lei-aurea-sera-hoje.html

A luta de classes de cima para baixo


Atropelar? Por que não? É a nova regra do jogo.

Há muitos anos, no final de 1962, depois de estudar dezoito meses nos Estados Unidos, ao voltar a São Paulo, fiquei impressionadíssimo com a selvageria do nosso trânsito, quando comparado com o do Meio-Oeste americano. Por que tamanha diferença? Porque a sinalização de trânsito era melhor, porque as multas eram maiores, porque a fiscalização estava mais presente – essas eram razões óbvias. Mas, em artigo na imprensa, naquela época, sugeri que havia uma razão mais profunda. Enquanto nos Estados Unidos todos tinham carro, de forma que havia apenas uma “classe” de cidadãos, os motoristas, que em alguns momentos se tornavam pedestres, e os respeitavam, no Brasil havia duas classes bem distintas – os motoristas e os pedestres. Em consequência, enquanto nos Estados Unidos havia uma solidariedade entre os motoristas, aqui havia uma “luta de classes” entre os motoristas, todo-poderosos, que dirigiam como se quisessem atropelar que estivesse pela frente, e os pedestres “que atrapalhavam o trânsito”.

Passaram-se os anos, e o trânsito tornou-se mais civilizado em São Paulo. A sinalização tornou-se excelente, o Código Nacional de Trânsito definiu penas mais elevadas, a fiscalização melhorou. Mas nas marginais os motoristas continuavam a atropelar os pedestres. Em julho de 2015, depois de ouvir longamente os técnicos, que lhe diziam que a redução da velocidade reduziria o número de acidentes e não prejudicaria o fluxo, porque a diminuição da velocidade seria compensada pela diminuição das brecadas, o prefeito Fernando Haddad introduziu a mudança sugerida.

Inicialmente levantou-se um vozerio dos motoristas. Indignados. OK, eles não sabiam dos benefícios da mudança. Mas aos poucos foi ficando claro que o conselho dos técnicos e a decisão do prefeito haviam sido corretíssimos. O número de atropelamentos caiu verticalmente, e o número de acidentes envolvendo outro veículo também diminuiu. Maravilha!

Maravilha por quê? O prefeito eleito, João Dória, já determinou o gradual aumento da velocidade nas marginais para os níveis anteriores. Por que? Porque esta é a nova regra do jogo no Brasil: a luta de classes, de cima para baixo, dos ricos contra os pobres, dos motoristas contra os pedestres. Se os acidentes com outros veículos houvessem caído tanto quanto caiu o número de atropelamentos, ainda seria o caso de pensar duas vezes...

Mas é realmente essa a nova regra do jogo? Basta ver os raios e trovões que o Palácio do Planalto lança todos os dias. Foi a emenda do teto de gastos, necessária, mas não da forma irracional em que foi aprovada; é a emenda da previdência, novamente necessária, mas não a emenda draconiana proposta; são as medidas provisórias hoje anunciadas que simplesmente derrogam a Consolidação das Leis do Trabalho ao permitir que sindicatos sem representatividade façam acordos coletivos de trabalho contra a CLT.

Sim, esta é a nova regra do jogo. É a regra do jogo de uma elite liberal e cosmopolita e de uma classe média tradicional cheia de ódio, que lograram substituir no poder uma presidente honesta e comprometida com interesse público, mas pouco competente, por um bando de políticos oportunistas ainda mais incompetentes, sem compromisso com o interesse público. Estes, para se “legitimarem” perante as elites neoliberais e seu partido, o PSDB, traíram seus compromissos com os eleitores que elegeram vice-presidente da República seu líder, Michel Temer, e adotaram a nova regra do jogo: a luta de classes de cima para baixo, com o argumento que todo o problema brasileiro é fiscal, nada tem a ver com os juros exorbitantes pagos pelo Estado, nem com os elevado déficits em conta corrente que apreciam o câmbio e inviabiliza a indústria; a clássica culpabilização das vítimas através da qual os ricos e os poderosos tranquilizam sua consciência.

Enquanto isso a recessão não dá trégua, as delações e agora a abertura do acordo da Odebrecht com os Estados Unidos revelam que todo o grupo governante está enredado até a cabeça não apenas em doações caixa dois, mas na corrupção em sentido estrito – em propinas. Em uma República as leis são sagradas – são as normas que a sociedade adota para resolver seus conflitos e permitir o avanço econômico e social. Ora, vemos horrorizados que as propinas não foram recebidas apenas em troca de obras; foram também recebidas em troca de emendas às leis – o que representa uma corrupção ainda maior, porque envolve mais do que dinheiro: envolve as instituições do país.

Mas a operação Lava Jato não está aí para acabar com a corrupção? Sim, mas, por enquanto, o Judiciário está voltado apenas contra uma velha, muito velha, regra do jogo: a corrupção de alguns políticos. Quanto à nova regra do jogo – a da luta dos ricos contra os pobres, a da culpabilização das vítimas – o Judiciário não tem poder. Quem tem poder para exercê-la é um Executivo e um Legislativo desmoralizados. Poder no curto prazo, poder decorrente de um impeachment que desestabilizou as instituições maiores do país. Poder que lhe será cobrado nas eleições.

A serem realizadas quando? Não daqui a dois anos. O país não suportará tanta violência e tanta ilegitimidade. Precisamos de eleições diretas já. O grito dos brasileiros não deve ser “Fora Temer”, porque poderemos ter alguém tão ruim ou pior do que ele o substituindo. Precisamos de “Diretas Já”.
http://caviaresquerda.blogspot.com.br/2016/12/a-luta-de-classes-de-cima-para-baixo.html

Brasil não evoluiu nada em 200 anos


Fábio Konder Comparato, entrevistado por Franciele Petry Schramm

De que forma a composição do Sistema de Justiça contribuiu para a manutenção de uma prática pouco democrática e que nem sempre observa a garantia dos direitos humanos?

Até a promulgação da Lei Orgânica da Magistratura (Lei Complementar nº 35, de 14/03/1979), não eram definidos os deveres funcionais dos magistrados. E até a promulgação da Emenda Constitucional nº 45, de 8/12/2004, que instituiu o Conselho Nacional de Justiça, não havia nenhum órgão de controle da atuação dos magistrados, incumbido de julgar o cumprimento de tais deveres. Verificamos, portanto, que durante um século e meio após a Independência, os nossos magistrados atuaram isentos de qualquer controle, a não ser o mui esporadicamente exercido por eles mesmos.

Dois exemplos históricos são ilustrativos dessa tradição de irresponsabilidade.

Em sua viagem ao redor do mundo, pela qual comprovou sua teoria da evolução das espécies, Charles Darwin fez uma estadia de vários meses no Brasil em 1832. Pôde então verificar o seguinte, conforme reportado em seu diário de viagem:
“Não importa o tamanho das acusações que possam existir contra um homem de posses, é seguro que em pouco tempo ele estará livre. Todos aqui podem ser subornados. Um homem pode tornar-se marujo ou médico, ou assumir qualquer outra profissão, se puder pagar o suficiente. Foi asseverado com gravidade por brasileiros que a única falha que eles encontraram nas leis inglesas foi a de não poderem perceber que as pessoas ricas e respeitáveis tivessem qualquer vantagem sobre os miseráveis e os pobres”.
O segundo exemplo diz respeito ao Supremo Tribunal de Justiça, o mais alto órgão judiciário no tempo do Império. Ao final do seu reinado, em declaração ao Visconde de Sinimbu, D. Pedro II não pôde conter-se e desabafou:

“A primeira necessidade da magistratura é a responsabilidade eficaz; e enquanto alguns magistrados não forem para a cadeia, como, por exemplo, certos prevaricadores muito conhecidos do Supremo Tribunal de Justiça, não se conseguirá esse fim”.
http://caviaresquerda.blogspot.com.br/2016/12/brasil-nao-evoluiu-nada-em-200-anos.html

A Retrospectiva 2016 tem 30 anos


Ninguém pode negar que o ano de 2016 foi muito produtivo em Brasília. Não, não se trata dos meses gastos para depor Dilma com um golpe parlamentar. Nem do enorme tempo perdido para afastar da presidência da Câmara de Deputados um parlamentar coberto de acusações de corrupção. Também não caberia falar do afastamento do presidente do Senado. Afinal, este foi revertido rapidamente quando o Supremo resolveu ignorar a ficha suja do afastado.

O que realmente valeu foram três dias de intenso trabalho coordenado entre governo federal e Congresso Nacional. Tudo devidamente sacramentado pelo STF. Neste pequeno período, as duas valorosas casas do parlamento nacional votaram quase cinco vezes mais do que em todo ano de 2016.

Foram 62 votações envolvendo projetos de lei, vetos presidenciais, requerimentos e propostas de emenda constitucional. Uma média de pouco mais de 20 projetos por dia de trabalho. Em média, no restante do ano, os parlamentares votaram pouco mais de quatro propostas por sessão.

Por isso, caros parlamentares, “hoje, a festa é sua”! Que ninguém a estrague lembrando que grande parte de seus pares são acusados de ter tentado “desfigurar” um “pacote anticorrupção” para fugir de investigações e processos judiciais. Afinal, toda essa gente acusada de ser corrupta e voltada para interesses particulares finalmente pensou na nação.

Desde que a constituição atual foi aprovada, em 1988, suas conquistas sociais vêm sendo atacadas sistematicamente. Mas, agora, estes ataques parecem ter chegado a seu auge graças ao intenso trabalho a que se dedicaram as autoridades de Brasília neste finalzinho de 2016. Foram três dias que podem valer um retrocesso de 30 anos.
http://pilulas-diarias.blogspot.com.br/2016/12/a-retrospectiva-2016-tem-30-anos.html

UM CLÁSSICO DO TEMPO EM QUE NINGUÉM ERA MORTO POR ENCARAR A RELIGIÃO COM ESPÍRITO CRÍTICO E MENTE ABERTA

Os religiosos conservadores consideram que a Bíblia, o Alcorão e outros textos antigos sejam a expressão fiel, eterna e imutável da palavra divina, não comportando questionamentos nem reflexões, apenas a aceitação incondicional.

Quem não abdica do nosso grande diferencial em relação aos animais, a capacidade de pensar, encara tais textos como produtos históricos. Neles existem ensinamentos válidos até hoje, mas também preceitos superados, característicos de sociedades extremamente menos complexas do que a nossa. 

Há, contudo, os que fazem da fidelidade à ortodoxia uma bandeira, mesmo estando muito longe de por ela pautarem sua vida privada. Geralmente, assim procedem por ser esta a atitude mais conveniente para obterem sucesso em determinado nicho de mercado. 

A reverência obtusa marcava os intragáveis filmes religiosos da minha meninice, como O mártir do calvárioVida, paixão e morte do Nosso Senhor Jesus Cristo e que tais. Eram projetados ano após ano na 6ª Feira Santa, sempre com as mesmíssimas cópias gastas, roídas até o osso. A lembrança que me ficou é a de feriados estragados pela falta da minha diversão favorita, a matinê dos saudosos cines Aliança e Patriarca 
Até 1973, eu só travara contato com uma visão alternativa, a de Pier Paolo Pasolini em O evangelho segundo São Mateus(1964). Enfatiza os aspectossubversivos da pregação de Cristo, mas era um filme árido demais para me cativar, deliberadamente pobre e sombrio, com pouca ação e uma overdose de diálogos, parecendo teatro filmado.

Veio então o musical Jesus Christ Superstar, e foi uma grata surpresa. Adorei. Tinha ótimas músicas, coreografias belíssimas, fotografia impecável, força dramática e, acima de tudo... vida inteligente. Tratava-se da adaptação cinematográfica da melhor de todas as óperas-rock.

Andrew Lloyd Weber mandou bem nas músicas, mas o maior mérito foi do letrista Tim Rice, que deu uma abordagem crítica aos últimos dias de Cristo. Mostrou os grandes personagens do drama bíblico como prisioneiros da História, relutantes em cumprir sua sina mas impotentes para dela escaparem.

Assim, Jesus não quer o cálice do martírio mas se submete à vontade divina, pedindo, contudo, a Deus que faça tudo acontecer rapidamente, antes que ele mude de ideia.

Judas não quer trair, mas teme que Cristo tenha perdido o controle da multidão e dê aos romanos motivos para promoverem um banho de sangue.

Pilatos não vê crime a ser punido, mas recua quando o povaréu lhe urra que acima dele está César e a tibieza poderá acarretar sua desgraça.

O sumo-sacerdote Caifás teme o caos que, na sua opinião, advirá se a autoridade religiosa for abalada.

Só Herodes, mostrado como um frívolo hedonista, não age a contragosto e optando pelo que seria um mal menor. 

Foi um achado a solução encontrada pelo brilhante cineasta Norman Jewison (o diretor de A mesa do diaboNo calor da noite e Hurricane): encenar seu drama nas ruínas e desertos de Israel. Estava bem no espírito da era hippie, tendo tudo a ver.

E, num elenco de desconhecidos que não destoaram, o destaque absoluto é o enérgico e carismático Carl Anderson como Judas. Aliás, Jewison foi indagado sobre o motivo da escolha de um negro para papel tão melindroso. Respondeu que se tratava do personagem com maiores exigências dramáticas, daí ter optado pelo melhor ator de que dispunha, sem dar a mínima para sua cor..

https://naufrago-da-utopia.blogspot.com.br/2016/12/um-classico-do-tempo-em-que-ninguem.html