ENSAIO SOBRE A SUBTRAÇÃO
.
Não se iludam: o ser humano não presta! .
Um professor de Direito da USP começava cada aula recitando solenemente tal imprecação.
Exposta a récita com autoridade de catedrático, a sentença soava desconcertante. O calouro é demasiado impressionável. Balancei no meu idealismo, pois acreditava que o curso de Direito poderia me qualificar a fazer alguma coisa de bom para o Brasil.
No entanto, a sobressaltar minha santa ingenuidade, outro professor ressaltava que a Faculdade de Direito era o escoadouro das profissões indefinidas.
Mais um outro me arremessava então diretamente para o abismo da descrença. Sentenciava, off the record, que o jovem começa a trilhar o caminho da corrupção política quando ingressa na Faculdade de Direito. Por coincidência, a maioria dos ditos representantes do povo no governo procede das escolas de Direito.
Após sofrer violentíssimo trote em 1964, discursei no palanque de pedra do Largo São Francisco. Um pouco ensanguentado, para a multidão que se reuniu eu clamei: daqui saem os políticos que vocês elegem e deixam vocês peladinhos. Aqui estão os que estudam com o dinheiro de vocês.
Verdadeiramente, parlamentares corruptos transformam a democracia e o espaço republicano numa caverna de Ali Babá.
Utopia: se fossem todos honestos o Brasil seria o país respeitado que todos sonhamos. Que pena.
Há vida no entorno do quadrilátero das leis? – eu me desesperava.
Fazer o que para meu país, eu me perguntava no meio de 400 alunos do período da manhã, debaixo das decantadas arcadas.
Como ajudar meu Brasil a se depurar das conseqüências de suas raízes de 358 anos de regime escravagista, três períodos monárquicos absolutistas e 50 presidentes da República, cada um deles sempre despertando esperanças natimortas de melhora das condições de vida dos brasileiros?
Já disse isto em algum lugar: do descobrimento até o chamado Governo Geral, a então Terra de Santa Cruz vivera sob o signo do arbítrio, campo fértil para livres roubalheiras. Para tomar posse da terra definitivamente e defendê-la contra invasores e ladrões de ouro, madeira, território, Portugal instalou em 1549 tal governo.
Os três governadores gerais, o militar Tomé de Souza e os fidalgos Duarte da Costa e Mem de Sá, são identificados pela História como sobejamente corruptos.
Todo homem é fraco e ladrão, rezava Tomé de Souza. Ele sofria de uma doença chamadamedo da pobreza. Será este o embrião da compulsão para subtrair?
Tomé de Souza de mão estendida... para receber o que? |
Pois é o que venho rastreando, tal porquê multimilenar de os integrantes da espécie humana, em sua brevíssima peregrinação pela terra, subtraírem bens, direitos, corações, afetos. Meter a mão em tudo o que não é deles.
A cada três horas nasce um ladrão no mundo, garantia antiga pesquisa trabalhada pelo país das pesquisas, os Estados Unidos. Hoje seriam três minutos?
Nem mesmo uma pitadinha de religião desvenda o enigma: por que o ser humano vive a subtrair? Segundo a Revelação, o coração de todo ser humano é corrupto. A corrupção está dentro do homem e profundamente instalada. Há uma tendência para a corrupção, desde a tenra idade. O ser humano é corrupto por natureza. Caramba!!!
Minha santa ignorância encoraja-me-me tão somente a me valer deste ensaio para cavocar um mínimo de entendimento sobre esta doença incurável de se subtrair intermitentemente bens materiais e morais. E o ensaio, como já opinei em algum lugar por aí, é um texto em que se rodeia um determinado tema, envolvendo-o, cercando-o e o emboscando, para, no fim, muito se falar e nada se dizer. E que culpa tenho eu?
Meu catedrático, se estiver certo, e está (quero ver quem vai conseguir provar o contrário!), não circunscreve em sua sentença apenas aquela cultura de corrupção despachada para o Brasil nos costados das caravelas. A endemia de subtrair não contagiaria só àqueles portugueses rijos.
Ensaiando ainda, prosseguindo na tentativa de destrinchar o porquê do eterno movimento repetitivo de subtrair, imagino que o poder maior que criou os homens deve ter esquecido de tirar o aplicativo da subtração inserido nas costelas que os formataram. Brincadeirinha.
O ser humano não presta, o homem é fraco e ladrão, o Direito é o ralo das profissões indefinidas, a corrupção política começa na Faculdade de Direito. Que ensino tencionavam compartilhar meus queridos professores da Academia?
O Brasil é o país mais corrupto do mundo. Também já disse isto em algum lugar.
Este o bordão que faltou nas faixas e nos gritos durante os protestos populares de junho de 2014, a reivindicarem saneamento político. Os manifestantes se arrepiavam de emoção diante do Hino Nacional mais belo do universo, mas talvez não tenham se dado conta de que neste quesito de subtrair, o Brasil dá de goleada no resto do mundo.
Ao tempo dos protestos nas ruas, disseram as cartas dispostas na mesa em pesquisa da Transparência Internacional. que os brasileiros consideram corruptos ou muito corruptos os políticos e instituições como o Congresso, a polícia, o sistema de saúde, o Judiciário, o funcionalismo público, imprensa, Ong's, Igreja. Estão tecnicamente empatados com os outros países em nível de corrupção nossas Ong's, a imprensa, a Igreja, o setor privado e o militar.
Dia vai dia vem, nos 5l6 anos de existência do país, os brasileiros têm convivido conformada e pacificamente com a impune subtração dos bens públicos, sem ao menos entrever-se um quê de trovejar para despertar deste sono profundo.
Investigações, julgamentos e prisões, circunscritas ao âmbito da Petrobrás, acabaram por diagnosticar tamanho alastramento de ilicitudes em outras áreas, que autoridades dignas de serem ouvidas admitem uma corrupção metastática, um câncer espalhado por todo este imensoBrasil, il, il, il, de 8 milhões e 542 mil quilômetros quadrados de extensão.
O despertar recente da justiça e a boa porção de prisões pontuais tornaram mais difícil para os corruptos a aceitação, por parte dos bancos do exterior, de depósitos sem origem clara.
Mas vai continuar a doer na alma do brasileiro a inviabilidade de se punir cerca de 300 políticos de mais de 20 partidos, listados por uma empreiteira com apelidos e valores registrados para cada um deles.
Monstruosidade de alma talvez seja a resposta que procuro para entender porque o homem, como um sepulcro, é branco por fora e podre por dentro, segundo ainda a pitadinha de religião.
Meditemos de passagem sobre quatro engenharias recentes de subtrações, a constatar a ilimitada monstruosidade de alma dos roubadores e a provocar ânsia de vômito até em quem não é tão ladrão assim:
— fraude na compra de aparelhos para implante em pacientes com mal de parkinson deu prejuízo de R$ 13,5 milhões no Hospital das Clinicas de São Paulo. Esquema durou seis anos. Sem licitação, itens que custavam R$ 27 mil saiam por R$ 114 mil. Uma centena de pacientes ficou sem tratamento.
— fraudes no Teatro Municipal de São Paulo desviaram de realizações de espetáculos mais de R$ 20 milhões.
— R$ 100 milhões subtraídos de empréstimos destinados a servidores públicos.
— Sabe aquela comidinha distribuída para as crianças-estudantes, denominada de merenda escolar? Furtada em R$ 36 milhões. Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembléia Legislativa de São Paulo teatralizou demoradamente sem nada parir o assalto ao estômago da meninada.
Acabar com o foro privilegiado, em que políticos, ministros e altos executivos públicos habitam os palácios da impunidade, poderá ser um golpe no fígado dos maiores subtraidores. Pode mudar os rumos do país. Tomara se torne uma bola de neve. Mas, resta ainda por explicar a natureza corrupta da espécie humana.
A amenizar um pouco o revirar do estômago provocado por miríades de ladroíces, entre elas as que abalam as estruturas das maiores estatais do país, contamos com a genialidade do poeta português Almeida Garrett.
Com graça e mordacidade, ele encerra este ensaio reprovando, indignado, a atividade repulsiva do cavaleiro andante da subtração:
"Esse monstro!... e das garras sanguinárias. (...) Roubais a miseranda pátria?"https://naufrago-da-utopia.blogspot.com.br/2016/12/o-aplicativo-da-subtracao-de-bens.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário