sexta-feira, 25 de março de 2016

O MALANDRO SINCERO


Pelo menos uma vez na vida, você deve ter se perguntado como pode um malandro parecer tão honesto, ou melhor como é possível que haja malandros que parecem verdadeiramente sinceros, gente do bem, que quer fazer o bem e consegue lhe convencer de sua total candura interior.

Você não é burro, já encontrou vários malandros e sabe como funcionam, conhece seus jeitos e trejeitos, falas e movimentos. Mas, na hora você jura que o tal sujeito é verdadeiro, que é uma pessoa confiável e você até gosta dele pra caramba! Sente uma alegria no coração por ter encontrado uma pessoa tão legal e interessante, e ainda por cima interessada em fazer o bem de seus semelhantes.

Mas aí, após uns tempos, e longe da pessoa – é importante este detalhe: estar afastada da pessoa e observar de longe – se percebe que tem algo estranho. O tempo passa e você nota que há uma incongruência entre o sentimento que a pessoa lhe despertou e o que você vê ela fazer, ou deixar de fazer. Vêm à tona comportamentes que não são pertinentes com o que preconizamos como honestidade e sinceridade. De onde veio isso tudo? Quando você volta a pensar em seu primeiro encontro com a pessoa nada naquele momento parecia “errado” e “desonesto”...

Honestidade significa, entre outras coisas, ser consequentes, ou seja você cumpre o que promete, fala o que pensa e faz o que diz. A honestidade tem uma coerência interna e é porque falta essa coerência que chegamos à conclusão que aquela sinceridade que na hora nos tocou o coração não era pura. Como é possível ser profundamente malandro e profundamente sincero ao mesmo tempo?

Há uma explicação para isso, as coisas são menos malucas do que parecem ou mais malucas, dependendo do ponto de vista.

É possível ter os opostos dentro de si: basta não se aperceber deles! Uma pessoa dividida internamente, pode na hora em que falar com você, por exemplo, querer lhe vender um produto, ser de alguma forma verdadeiramente sincera. É como um ator que faz tão bem sua parte que lhe convence porque ele está sinceramente e totalmente comprometido com a parte que está atuando. Ele está convencido de sua própria sinceridade e é este convencimento dele que ele consegue vender!

Mas nem tudo o que ele é está lá, visível. Eis o truque. A pessoa tem outros aspectos, outras agendas, mas na hora do encontro entre vocês ela é capaz de colocar qualquer outro conteúdo próprio de lado e mergulhar completamente no motivo de sua reunião e, claro, irá parecer perfeitamente sincera. Um amor de pessoa!

Infelizmente, não tem como saber que há bastidores e outros cenários por trás das aparências, porque estas são trabalhadas com tamanha credibilidade que é impossível discernir algo distoante.

É somente no tempo e observando os demais comportamentos e escolhas que temos uma visão mais completa da pessoa em questão. É como se várias pessoas convivessem dentro de um corpo só. Mas a pessoa “não o sabe”, como diz o ditado: não saiba a mão direita o que faz a esquerda. Ela acredita ou está empenhada em acreditar, tão sinceramente no papel que exerce, que simplesmente omite a si mesma o “resto”. Com esta especial forma de loucura “normalizada” se obtém o pacote inteiro: o amor do mundo por “estar fazendo o bem” e a satisfação dos mais ocultos e menos nobres desejos que os outros, tendo recebido tanto “bem”, não percebem e até ajudam a ocultar.


Adriana Tanese Nogueira
Terapeuta Transpessoal, Psicanalista, Life Coach, Educadora Perinatal, Terapeuta Floral, Autora. Atendimento adulto, criança, casal e adolescente – Presencial, Skype, por telefone e por escrito. Boca Raton, FL +15613055321. www.adrianatanesenogueira.org.

segunda-feira, 21 de março de 2016

Dúvidas sobre o Admirável Brasil Novo


Algumas dúvidas me assaltam sobre o dia seguinte:

1) O que o novo governo vai fazer com os programas sociais, principalmente com o que chama de "Bolsa Esmola"?

2) Vai manter a fórmula de reajuste do salário mínimo?

3) Como vai corrigir os benefícios do INSS (aposentadorias e pensões)?

4) O que será das megaobras de infraestrutura em curso, como, por exemplo, a transposição do Rio São Francisco e as grandes hidrelétricas?

5) O "Minha Casa, Minha Vida", vai continuar?

6) A taxa básica de juros será mantida no nível atual ou vai aumentar ainda mais para "combater a inflação"?

7) E os preços públicos (energia, combustíveis...) como ficarão?

8) BNDES vai continuar sua política de empréstimos subsidiados?

9) A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) será mantida?

10) Haverá, como tanto apregoam os líderes oposicionistas, mudanças profundas no sistema tributário - ou seja, como não cansam de dizer, vamos todos pagar menos impostos?

11) Vão acabar com o SUS, com o programa Mais Médicos, e entregar a responsabilidade sobre a saúde pública para as empresas da área?

12) O atual sistema eleitoral será mantido ou só serão permitidos partidos de direita?

13) O que será da Petrobras e do pré-sal?

14) Como funcionalismo público federal será tratado?

15) O programa de reequipamento e modernização das Forças Armadas será mantido?

16) O sistema de financiamento sindical será alterado?

17) Como será feita a distribuição das verbas publicitárias?

18) Que planos imediatos serão adotados para tirar o país da recessão?

19) Programas de educação, como o Pronatec, o Sisu e o Fies, serão mantidos?

20) Estaremos definitivamente livres do pagamento de "cafezinhos", "caixinhas" e que tais para os agentes públicos?

21) E por último, mas não menos importante: há prisões suficientes ou serão construídas outras para abrigar os dissidentes do Admirável Brasil Novo?

PS.: Sobre esse último tópico, relativo às liberdades individuais, esqueci de incluir outra dúvida - Lula e Dilma pegarão, por seus crimes, penas de prisão perpétua ou serão simplesmente fuzilados?

http://cronicasdomotta.blogspot.com.br/2016/03/duvidas-sobre-o-admiravel-brasil-novo.html

Quatro sombras afligem a realidade brasileira



Em momentos de crise, assomam quatro sombras que estigmatizam nossa história cujos efeitos perduram até hoje.
A primeira sombra é nosso passado colonial. Todo processo colonialista é violento. Implica invadir terras, submeter os povos, obriga-los a falar a língua do invasor, assumir as formas políticas do outro e submeter-se totalmente a ele. A consequência no inconsciente coletivo do povo dominado: sempre baixar a cabeça e levado a pensar que somente o que é estrangeiro é bom.
A segunda sombra foi o genocídio indígena. Eram mais de 4 milhões. Os massacres de Mem de Sá em 31 de maio de 1580 que liquidou com os Tupiniquim da Capitania de Ilhéus e pior ainda, a guerra declarada oficialmente por D.João VI em 13 de maio de 1808 que dizimou os Botocudos (Krenak) no vale do Rio Doce manchará para sempre a memória nacional. Consequência: temos dificuldade de conviver com o diferente, entendendo-o como desigual. O índio não é ainda considerado plenamente “gente”, por isso suas terras são tomados, muitos são assassinados e para não morrerem, se suicidam. Há uma tradição de intolerância e negação do outro.
A terceira sombra, a mais nefasta de todas, foi o escravidão. Entre 4-5 milhões foram trazidos de África como “peças” a serem negociadas no mercado para servirem nos engenhos ou nas cidades como escravos. Negamos-lhes humanidade e seus lamentos sob a chibata chegam ainda hoje ao céu. Criou-se a instituição da Casa Grande e da Senzala. Gilberto Freyre deixou claro que não se trata apenas de uma formação social patriarcal, mas de uma estrutura mental que penetrou nos comportamentos das classes senhoriais e depois dominantes. Consequência: não precisamos respeitar o outro; ela está aí para nos servir. Se lhe pagamos salario é caridade e não direito. Predominou o autoritarismo; o privilégio substitui o direito e criou-se um estado para servir os interesses dos poderosos e não ao bem de todos e uma complicada burocracia que afasta o povo.
Raymundo Faoro (Os donos do poder) e o historiador e acadêmico José Honório Rodrigues (Conciliação e reforma no Brasil ) nos têm narrado a violência com que o povo foi tratado para estabelecer o estado nacional, fruto da conciliação entre as classes opulentas sempre com a exclusão intencionada do povo. Assim surgiu uma nação profundamente dividida entre poucos ricos e grandes maiorias pobres, um dos países mais desiguais do mundo, o que significa, um país violento e cheio de injustiças sociais.
Uma sociedade montada sobre a injustiça social nunca criará uma coesão interna que lhe permitirá um salto rumo a formas mais civilizadas de convivência. Aqui imperou sempre um capitalismo selvagem que nunca conseguiu ser civilizado. Mas depois de muitas dificuldades e derrotas, conseguiu-se um avanço: a irrupção de todo tipo de movimentos sociais que se articularam entre si. Nasceu uma força social poderosa que desembocou numa força político-partidária. O Partido dos Trabalhadores e outros afins, nasceram deste esforço titânico, sempre vigiados, satanizados, perseguidos e alguns presos e mortos.
A coligação de partidos hegemonizados pelo PT conseguiu chegar ao poder central. Fez-se o que nunca foi pensado e feito antes: conferir centralidade ao pobre e ao marginalizado. Em função deles se organizaram, como cunhas no sistema dominante, políticas sociais que permitiram a milhões saírem da miséria e terem os benefícios mínimos da cidadania e da dignidade.
Mas uma quarta sombra obnubila uma realidade que parecia tão promissora: a corrupção. Corrupção sempre houve entre nós em todas as esferas. Negá-lo seria hipocrisia. Basta lembrar os discursos contundentes e memoráveis de Ruy Barbosa no Parlamento. Setores importantes do PT deixaram-se morder pela mosca azul do poder e se corromperam. Isso jamais poderia ter acontecido, dado os propósitos iniciais do partido. Devem ser julgados e punidos.
A justiça focou-se quase só neles e mostrou-se muitas vezes parcial e com clara vontade persecutória. Os vazamentos ilegais, permitidos pelo juiz Sérgio Moro, forneceram munição à imprensa oposicionista e aos grupos que sempre dominaram a cena política e que agora querem voltar ao poder com um projeto velhista, neoliberal e insensível à injustiça social. Estes conseguiram mobilizar multidões, conclamando o impedimento da Presidenta Dilma, mesmo sem suficiente fundamento legal como afirmam notáveis juristas. Mas o PT respondeu à altura.
As quatro sombras recobrem a nossa realidade social e dificultam uma síntese integradora. Elas pesam enormemente e vêm à tona em tempos de crise como agora, manifestando-se como ódio, raiva, intolerância e violência simbólica e real contra opositores. Temos que integrar essa sombra, como diria C.G.Jung, para que a dimensão de luz possa predominar e liberar nosso caminho de obstáculos.
Nunca fui filiado ao PT. Mas apesar de seus erros, a causa que defende será sempre válida: fazer uma política integradora dos excluídos e humanizar nossas relações sociais para tornar a nossa sociedade menos malvada.
Leonardo Boff é articulista do JB online e escreveu: Que Brasil queremos, Vozes 2000.
https://leonardoboff.wordpress.com/2016/03/20/quatro-sombras-afligem-a-realidade-brasileira/?fb_action_ids=1057271907629352&fb_action_types=og.shares