Pelo menos uma vez na vida, você deve ter se perguntado como pode um malandro parecer tão honesto, ou melhor como é possível que haja malandros que parecem verdadeiramente sinceros, gente do bem, que quer fazer o bem e consegue lhe convencer de sua total candura interior.
Você não é burro, já encontrou vários malandros e sabe como funcionam, conhece seus jeitos e trejeitos, falas e movimentos. Mas, na hora você jura que o tal sujeito é verdadeiro, que é uma pessoa confiável e você até gosta dele pra caramba! Sente uma alegria no coração por ter encontrado uma pessoa tão legal e interessante, e ainda por cima interessada em fazer o bem de seus semelhantes.
Mas aí, após uns tempos, e longe da pessoa – é importante este detalhe: estar afastada da pessoa e observar de longe – se percebe que tem algo estranho. O tempo passa e você nota que há uma incongruência entre o sentimento que a pessoa lhe despertou e o que você vê ela fazer, ou deixar de fazer. Vêm à tona comportamentes que não são pertinentes com o que preconizamos como honestidade e sinceridade. De onde veio isso tudo? Quando você volta a pensar em seu primeiro encontro com a pessoa nada naquele momento parecia “errado” e “desonesto”...
Honestidade significa, entre outras coisas, ser consequentes, ou seja você cumpre o que promete, fala o que pensa e faz o que diz. A honestidade tem uma coerência interna e é porque falta essa coerência que chegamos à conclusão que aquela sinceridade que na hora nos tocou o coração não era pura. Como é possível ser profundamente malandro e profundamente sincero ao mesmo tempo?
Há uma explicação para isso, as coisas são menos malucas do que parecem ou mais malucas, dependendo do ponto de vista.
É possível ter os opostos dentro de si: basta não se aperceber deles! Uma pessoa dividida internamente, pode na hora em que falar com você, por exemplo, querer lhe vender um produto, ser de alguma forma verdadeiramente sincera. É como um ator que faz tão bem sua parte que lhe convence porque ele está sinceramente e totalmente comprometido com a parte que está atuando. Ele está convencido de sua própria sinceridade e é este convencimento dele que ele consegue vender!
Mas nem tudo o que ele é está lá, visível. Eis o truque. A pessoa tem outros aspectos, outras agendas, mas na hora do encontro entre vocês ela é capaz de colocar qualquer outro conteúdo próprio de lado e mergulhar completamente no motivo de sua reunião e, claro, irá parecer perfeitamente sincera. Um amor de pessoa!
Infelizmente, não tem como saber que há bastidores e outros cenários por trás das aparências, porque estas são trabalhadas com tamanha credibilidade que é impossível discernir algo distoante.
É somente no tempo e observando os demais comportamentos e escolhas que temos uma visão mais completa da pessoa em questão. É como se várias pessoas convivessem dentro de um corpo só. Mas a pessoa “não o sabe”, como diz o ditado: não saiba a mão direita o que faz a esquerda. Ela acredita ou está empenhada em acreditar, tão sinceramente no papel que exerce, que simplesmente omite a si mesma o “resto”. Com esta especial forma de loucura “normalizada” se obtém o pacote inteiro: o amor do mundo por “estar fazendo o bem” e a satisfação dos mais ocultos e menos nobres desejos que os outros, tendo recebido tanto “bem”, não percebem e até ajudam a ocultar.
Adriana Tanese Nogueira