“As especificidades do Brasil dificultam comparações. Cabem duas observações que desconstroem o mito da tributação elevada
Marcio Pochmann, Folha de S. Paulo
Por causa disso, cabem, pelo menos, duas observações principais que terminam por desconstruir o mito da tributação elevada no Brasil.
Em primeiro lugar, a observação de que os impostos, taxas e contribuições incidem regressivamente sobre os brasileiros. Como o país mantém uma péssima repartição da renda e riqueza, há segmentos sociais que praticamente não sentem o peso da tributação, ao contrário de outros submetidos ao fardo muito expressivo da arrecadação fiscal.
Os ricos brasileiros quase não pagam impostos, taxas e contribuições.
Os 10% mais ricos, que concentram três quartos de toda a riqueza do país, estão praticamente imunizados contra o vírus da tributação, seja pela falta de impostos que incidam direta e especialmente sobre eles -como o tributo sobre grandes fortunas-, seja porque contam com assessorias sofisticadas para encontrar brechas legais para planejar ganhos quase ausentes de impostos, taxas e contribuições.
Além disso, há uma tributação direta, sobre renda e bens, muito "tímida" em termos de progressividade. O Imposto de Renda, que, nos EUA, tem cinco faixas e alíquotas de até 40% e, na França, 12 faixas com até 57%, no Brasil tem apenas duas, com alíquota máxima de 27,5%. Aqui, impostos sobre patrimônio, como IPTU ou ITR, nem progressividade têm.
As habitações dos mais pobres, por exemplo, pagam, proporcionalmente à renda, mais tributos em geral do que aqueles que residem nas mansões, enquanto os grandes proprietários de terra convivem com impostos reduzidos e decrescentes.
Aqueles com renda acima de R$ 3.900 contribuem apenas com 23%.
No entanto, quem vive com renda média mensal de R$ 73 transfere um terço para a receita tributária.
Em síntese, a pobreza no Brasil não implica somente a insuficiência de renda para sobreviver, mas também a condição de pagar mais impostos, taxas e contribuições.
Isso porque, uma vez arrecadado, configurando a carga tributária bruta, há a quase imediata devolução a determinados segmentos sociais na forma de subsídios, isenções, transferências sociais e pagamento dos juros do endividamento público.
Assim, o uso da carga tributária bruta no Brasil se transforma num indicador pouco eficaz para aferir o peso real da tributação.
Talvez o mais adequado possa ser análises sobre a carga tributária líquida, que é aquela que, de fato, indica a magnitude efetiva dos impostos, taxas e contribuições relativamente ao tamanho da renda dos brasileiros, pois é com essa quantia que os governantes conduzem (bem ou mal) o conjunto das políticas públicas.
MARCIO POCHMANN , 46, economista, professor licenciado do Instituto de Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), é presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Foi secretário do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da Prefeitura de São Paulo (gestão Marta Suplicy).
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