Melancolia, de Munch
Por Gilberto Maringoni, via DCM
Há um sentimento – que ganha concretude – nesses tempos ásperos.
Trata-se do niilismo.
O niilismo sempre existiu.
É irmão gêmeo do cinismo, primo da desesperança e vizinho do desalento. Trabalha junto com o ceticismo.
Todos têm um ponto em comum; alegam não haver futuro. Dizem que estamos todos fodidos e – principalmente – mal pagos. Não há o que fazer. There is no alternative.
O formulador das teses niilistas geralmente fala em “nós”, mas se refere, na verdade, a uma terceira pessoa indeterminada.
A manifestação rasteira do niilismo sempre conclui que brasileiro é assim mesmo, que este país não tem jeito e que todo mundo é ladrão (especialmente os políticos, que nunca prestam). O Brasil de fato é uma merda, propagam.
O niilista defende o voto nulo. Diz não ser responsável por tudo o que está aí.
Nesses tempos em que o governo Dilma e o PT – que tantas esperanças despertaram há mais de três décadas – faz seu pouso – forçado? voluntário? prazeroso? – na pista do neoliberalismo e provoca uma decepção vertical, ressurge com força o niilismo.
Com uma diferença.
Vem agora como pretensa explicação para o desastre.
E aparece de roupa nova.
Emerge como vertente bem-pensante, com notas de rodapé e bibliografia nas últimas páginas.
Chega para dizer que não se deve confiar em políticos, em instituições e cita os teóricos iluminados dessa senda. Pode ser quem advoga mudar o mundo sem tomar o poder. Pode ser quem denuncia a “burocracia” partidária – da esquerda, claro! – numa leitura enviesada de cânones weberianos ou teóricos do “patrimonialismo” brasileiro.
Surge para dizer que nenhuma ação terá chance contra a maré montante ultraliberal, pois um ciclo se encerra, tudo o que foi construído nas últimas três décadas acabou, que é preciso formas novas de se fazer política (sem enunciar muito claramente do que se trata).
Nem tente mudar.
Nem tente planejar.
Nem tente organizar.
Nem tente tentar.
Nem tente, porque tudo já foi tentado e nada deu certo.
Acabaram-se as grandes narrativas.
O mundo é fragmentado.
O comportamento chega a ser visto como chique. Gera personagens eternamente blasés, charmosamente chatos, mas com aura de sapiência irrefreável.
O incrível é que diante da crise – política, econômica, social e cultural – o niilismo bem pensante nos reconforta.
Alivia nossa impotência, funciona como bálsamo para nossos fracassos e nos dá a impressão de já termos visto tudo nesta Terra. Já que nada dá certo, pelo menos o esforço de buscar saídas nos é poupado. Usemos nosso tempo para outras coisas.
Hoje, este é o principal inimigo a ser – racionalmente – combatido por quem quer construir alternativas.
O niilismo mata vontades, golpeia a inteligência e obscurece o futuro.
Não parece, mas nos desarma diante do avanço conservador.
Nos tira o chão diante de Dilmas, Lulas, Temers, Cunhas, Renans, Alckmins, Richas e outros prestidigitadores da vida pública.
Nos leva ao fatalismo paralisante.
Vou falar uma coisa bobamente militante aqui.
A hora é de tentar.
Não tentar por esporte ou por algum automatismo impessoal.
A hora é de tentar, pois como me falava um velho comunista bauruense, Alberto de Souza (1908-1992), teoria sem saída não nos serve. Por mais brilhante que pareça.
Ouvir sábios pregarem que o mundo é uma merda e seguirá sendo não paga a cera dos ouvidos que gastamos para escutar esse arrazoado.
Seu Alberto tinha motivos para falar isso.
Encarou a Revolução de 1924, mal tirado das calças curtas. Correu o Brasil na Coluna Prestes. Foi arrebentado na prisão, em 1935, de onde saiu para nunca mais conseguir andar.
Tornou-se um lutador e um organizador bravo e valente. Ajudou greves e mobilizações. No golpe de 1964, roubaram-lhe todos os livros. Perdeu amigos e camaradas.
Mas pode ver o ressurgir democrático nos anos 1970/80.
No quintal de sua casinha, na periferia bauruense, sentado numa cadeirinha de palha pegava um graveto, fazia um risco no chão, como um limite.
– Não presta quem diz que daqui ninguém passa. A gente passa ou morre tentando. É preciso saber transformar derrota em vitória. Quem não faz isso, melhor ficar em casa.
Seu Alberto mal concluíra o ensino fundamental. Mas pensava grande.
Não leu Gramsci. Mas exercitava o pessimismo da Razão e o otimismo da Vontade como poucos que conheci.
O mundo gira e a Lusitana roda.
Saída sempre há.
Pode não estar a vista.
Nesse caso precisa ser inventada. Usando as ferramentas de sempre – organização, ousadia, luta, inteligência – e sabendo-se o lado em que se está.
Não é fórmula e nem conselho.
Requer alguma prática e um tanto de habilidade.
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