Lasciva, Diário do Centro do Mundo
"Uma das maiores frustrações do ser humano é gerada quando há uma obrigação de se encaixar em padrões que não funcionam para você. Na área dos relacionamentos, a nossa cultura, a sociedade e até a lei, dita que os relacionamentos monogâmicos devem ser o modelo seguido por todos. Mas tem gente que não se enquadra nesse modelo, por achar que o amor é um sentimento que não precisa ser limitado somente a uma pessoa – assim como amamos nossos pais, amigos, parentes, etc, ter uma relação de amor com somente uma pessoa parece ser algo injustificável. Por isso tem muitas pessoas que escolhem viver relacionamentos com uma abertura no qual os envolvidos têm a liberdade de se envolver com quantas pessoas tiverem vontade, sem que isso signifique que o amor por eles sentido seja de qualidade inferior – é o chamado Poliamor.
Pode parecer loucura para você, mas a cada dia mais observamos pessoas que decidiram viver modelos alternativos de relacionamentos, sempre em busca de sua felicidade e do que mais os completa. Não precisamos ir muito longe para encontrar alguém que tenha vivido um relacionamento fora dos moldes para obter um relato sincero de como é viver fora dos padrões no amor – a nossa colunista Lasciva viveu por 5 anos em um casamento liberal e topou relatar como foi essa experiência. Antes de julgar, lembre-se que as pessoas têm direito de escolha individual e que o que é bom para você pode não ser bom para o outro. Respeito é reconhecer e admirar as diferenças do outro.
Estava solteira. Havia dez meses que eu terminara meu primeiro compromisso sério. Namorei um rapaz durante os quatro anos finais da minha adolescência. O relacionamento acabou justamente porque eu precisava de mais espaço e queria viver novas experiências. Aos 20, enquanto curtia a juventude adoidado, apaixonei-me novamente, por um amigo. A questão era essa: éramos bem próximos, da mesma galera.
Na medida em que você convive com grupos de vários homens, percebe como eles se comportam, a forma que falam das mulheres, os valores que afirmam entre eles. Conhecia todos os podres do garoto por quem me apaixonei. E sabia que, em todos os outros relacionamentos que teve na vida (muitas namoradas), nunca conseguiu deixar de trair. Não que ele gostasse disso. Baladeiro convicto, tinha um monte de amigos, a mulherada dava mole. A diversão do flerte é mesmo revigorante, principalmente para jovens adultos. Funciona como uma massagem na autoestima. Atrair olhares, puxar conversa, conquistar. Alguns rapazes usam até a expressão “paquera esportiva” para descrever aqueles dias em que saem em solteiros.
Não quis ser enganada como vi acontecer com as suas últimas namoradas. Decidi que comigo seria diferente. Como amiga, preferi que ele e a nossa galera não escondessem nada de mim. Então, quando o homem por quem eu estava apaixonada confessou sentir o mesmo a meu respeito, foi algo espontâneo. Quase que uma sinergia de sentimentos. Sem nunca cobrar nada um do outro, de repente nos vimos totalmente conectados. Estávamos namorando.
O modelo de relacionamento que tivemos aconteceu naturalmente – como tudo em nossa relação. Continuamos a fazer as mesmas coisas de sempre, a nos divertir por aí, sem restrições. Não acho que alguém precise reprimir o desejo que sente pelo resto do mundo para me amar. O que eu realmente queria era ele feliz, ao meu lado. Assumi, na minha cabeça, que a tentação das outras mulheres é mesmo irresistível. Acho que é, até para mim. Talvez eu seja tão safada quanto eles.
Pedi ao rapaz para me contar sobre qualquer envolvimento que rolasse fora da nossa relação. Quis saber de tudo. Ter a consciência tranquila de que ele não me enganava. Descobri que pensar nele com alguma garota me dava tesão. Às vezes, a mera imaginação me deixava excitada. Queria saber detalhes sobre qualquer contato com outra mulher. Afinal, permanecia a fantasia do sexo a três, arrastar nossas amigas para a nossa cama juntos. E, da mesma forma que me namorado, eu também fazia tudo o que queria.
Ele estabeleceu suas condições: nada de olhar para os amigos dele. Justo. Também quis que eu lhe contasse (sem detalhes) sobre todos os meus casos. Da mesma forma em que o casal monogâmico assume o compromisso de haver total fidelidade ao parceiro, no relacionamento aberto também se deliberam condutas que deixam ambos confortáveis. Casais de amigos próximos da gente conviviam felizes em suas relações liberais. Saíamos juntos à noite, os vimos beijar garotas na frente de todos. Eles nos inspiravam com suas histórias divertidas de pegação. A gente também adorava sexo. E curtimos de um tudo juntos.
Na época, ambos trabalhavam fora o dia inteiro. O resto do tempo, vivíamos grudados. Mas rolava de viajarmos separados, a trabalho ou para encontrar família. Também virou rotina sairmos desacompanhados num dia da semana. A gente sempre dizia um para o outro para onde íamos e com quem. Mesmo que fosse um encontro romântico com outra pessoa. Saber onde o outro estava demonstrava nossa total cumplicidade. Cada um fazia questão de ter certeza que o seu amor estava bem. Afinal, comprometemo-nos a fazer de tudo pelo outro sempre que preciso.
Está se perguntando se não havia ciúmes? Claro que sim. Ninguém está imune a ciúmes. É um sentimento como qualquer outro, presente em todos os tipos de relações humanas. Tanto ele quanto eu protagonizamos algumas crises, por motivos difíceis de se explicar. A maioria das vezes, meu namorado levava numa boa quando eu revelava algum amante. Mas o ego masculino pode ser perigoso. Essa é outra questão moral que a sociedade ainda precisa avançar. Homem é, em geral, orgulhoso e possessivo demais para aceitar a ideia de que sua namorada fez sexo com outro.
O escritor Franklin Veaux, um dos maiores especialistas em poliamor, explica que ciúmes é apenas um sentimento – não é nem bom, nem mau. É quase sempre sintoma de uma insegurança subjacente. A maneira mais eficaz de lidar é muitas vezes resolver o problema subjacente que o cria. Ciúmes é mais comum quando alguém se sente inseguro, maltratado, ameaçado ou vulnerável em um relacionamento.
Com o tempo, percebi que saber lidar com ciúmes é essencial em um relacionamento. É um sentimento irracional e muitas vezes inesperado. Se deixar passar, você percebe que a causa mesma do ciúmes é, quase sempre, uma bobagem da sua cabeça. Grande parte da razão do ciúmes é a nossa própria imaginação. Criamos situações envolvendo a pessoa amada e ainda sofremos por isso.
A pergunta que mais eu ouço, ao descrever meu modelo de relacionamento aberto é se eu tinha medo de perder o homem que amava. A resposta é não. Nós nos amamos de todas as formas que pudemos. E o que tivemos juntos foi realmente único. O envolvimento com outras pessoas acabava reforçando os sentimentos de um sobre o outro. Chegava a ser reconfortante pensar que, não importava com quem ele estivesse, só a gente partilhava aqueles momentos, tão especiais.
Construímos uma vida juntos. Decidimos morar sob o mesmo teto, após um ano de namoro. Assinamos uma certidão de união estável, que assegura todos os direitos de um casal casado. Primeiro fomos para um apezinho apertado. Depois, arrumamos uma bela casa com quintal, árvore, cachorro. Parecia um albergue, onde abrigávamos amigos e familiares. Continuamos a andar com a mesma galera, sempre unida. Sentia-me realizada, ao seu lado. Pudemos realizar alguns dos nossos fetiches. Anos mais tarde, mudamos de cidade, os dois juntos, atrás de novas perspectivas profissionais. A gente nem imaginava viver qualquer outra relação. Esse pacto de amor funcionava bem entre a gente.
Franklin Veaux adverte que existe o mito de que poliamor é um tipo de relação amorosa mais evoluída. Na verdade, a forma de relacionamento preferencial nada tem a ver com conhecimento ou evolução mental. De fato, com a quebra de instituições da sociedade moderna, como família e igreja, mais pessoas têm experimentado novas concepções de envolvimentos afetivos. As mudanças sociais observadas com esse movimento estão sendo chamadas de Nova Revolução Sexual.
É preciso evitar certos males do nosso tempo. O teórico da pós-modernidade Zygmunt Bauman cunhou o conceito de amor líquido para denominar um dos sintomas da sociedade pós-moderna. É um amor “até segundo aviso”, que segue o padrão dos bens de consumo: dura apenas enquanto trouxer satisfação. Enquanto vivemos em ansiedade permanente, tendemos a substituir qualidade por quantidade. As nossas próprias angústias reforçam a liquidez dos relacionamentos e se tornam ameaças à perenidade das relações humanas.
No nosso caso, não foi ninguém nem nenhum tipo de egoísmo material que nos separou. Nenhuma crise de ciúmes nunca foi tão séria a ponto de ameaçar a continuidade do nosso amor. Mas o destino nos proporcionou surpresa difíceis de lidar. E relacionamentos afetivos são sistemas complexos, há muitas variáveis envolvidas. Enquanto que poligamia não era um problema para nós – apenas mais um aspecto divertido da nossa relação –, certas adversidades da vida deram conta do nosso fim.
Narrei um tipo de casamento liberal, que vivi no decorrer de cinco anos. Depois disso, tive ainda outro namoro poligâmico, esse mais curto – durou apenas um ano. Ambas as relações se estabeleceram de forma diferente e tinham regras distintas. Não há moldes predefinidos aos relacionamentos. Sinto-me mais confortável em envolvimentos sem grandes limites, você pode ser diferente. Já viveu um relacionamento aberto? Em que ele se parecia com o meu?"
Estava solteira. Havia dez meses que eu terminara meu primeiro compromisso sério. Namorei um rapaz durante os quatro anos finais da minha adolescência. O relacionamento acabou justamente porque eu precisava de mais espaço e queria viver novas experiências. Aos 20, enquanto curtia a juventude adoidado, apaixonei-me novamente, por um amigo. A questão era essa: éramos bem próximos, da mesma galera.
Na medida em que você convive com grupos de vários homens, percebe como eles se comportam, a forma que falam das mulheres, os valores que afirmam entre eles. Conhecia todos os podres do garoto por quem me apaixonei. E sabia que, em todos os outros relacionamentos que teve na vida (muitas namoradas), nunca conseguiu deixar de trair. Não que ele gostasse disso. Baladeiro convicto, tinha um monte de amigos, a mulherada dava mole. A diversão do flerte é mesmo revigorante, principalmente para jovens adultos. Funciona como uma massagem na autoestima. Atrair olhares, puxar conversa, conquistar. Alguns rapazes usam até a expressão “paquera esportiva” para descrever aqueles dias em que saem em solteiros.
Não quis ser enganada como vi acontecer com as suas últimas namoradas. Decidi que comigo seria diferente. Como amiga, preferi que ele e a nossa galera não escondessem nada de mim. Então, quando o homem por quem eu estava apaixonada confessou sentir o mesmo a meu respeito, foi algo espontâneo. Quase que uma sinergia de sentimentos. Sem nunca cobrar nada um do outro, de repente nos vimos totalmente conectados. Estávamos namorando.
O modelo de relacionamento que tivemos aconteceu naturalmente – como tudo em nossa relação. Continuamos a fazer as mesmas coisas de sempre, a nos divertir por aí, sem restrições. Não acho que alguém precise reprimir o desejo que sente pelo resto do mundo para me amar. O que eu realmente queria era ele feliz, ao meu lado. Assumi, na minha cabeça, que a tentação das outras mulheres é mesmo irresistível. Acho que é, até para mim. Talvez eu seja tão safada quanto eles.
Pedi ao rapaz para me contar sobre qualquer envolvimento que rolasse fora da nossa relação. Quis saber de tudo. Ter a consciência tranquila de que ele não me enganava. Descobri que pensar nele com alguma garota me dava tesão. Às vezes, a mera imaginação me deixava excitada. Queria saber detalhes sobre qualquer contato com outra mulher. Afinal, permanecia a fantasia do sexo a três, arrastar nossas amigas para a nossa cama juntos. E, da mesma forma que me namorado, eu também fazia tudo o que queria.
Ele estabeleceu suas condições: nada de olhar para os amigos dele. Justo. Também quis que eu lhe contasse (sem detalhes) sobre todos os meus casos. Da mesma forma em que o casal monogâmico assume o compromisso de haver total fidelidade ao parceiro, no relacionamento aberto também se deliberam condutas que deixam ambos confortáveis. Casais de amigos próximos da gente conviviam felizes em suas relações liberais. Saíamos juntos à noite, os vimos beijar garotas na frente de todos. Eles nos inspiravam com suas histórias divertidas de pegação. A gente também adorava sexo. E curtimos de um tudo juntos.
Na época, ambos trabalhavam fora o dia inteiro. O resto do tempo, vivíamos grudados. Mas rolava de viajarmos separados, a trabalho ou para encontrar família. Também virou rotina sairmos desacompanhados num dia da semana. A gente sempre dizia um para o outro para onde íamos e com quem. Mesmo que fosse um encontro romântico com outra pessoa. Saber onde o outro estava demonstrava nossa total cumplicidade. Cada um fazia questão de ter certeza que o seu amor estava bem. Afinal, comprometemo-nos a fazer de tudo pelo outro sempre que preciso.
Está se perguntando se não havia ciúmes? Claro que sim. Ninguém está imune a ciúmes. É um sentimento como qualquer outro, presente em todos os tipos de relações humanas. Tanto ele quanto eu protagonizamos algumas crises, por motivos difíceis de se explicar. A maioria das vezes, meu namorado levava numa boa quando eu revelava algum amante. Mas o ego masculino pode ser perigoso. Essa é outra questão moral que a sociedade ainda precisa avançar. Homem é, em geral, orgulhoso e possessivo demais para aceitar a ideia de que sua namorada fez sexo com outro.
O escritor Franklin Veaux, um dos maiores especialistas em poliamor, explica que ciúmes é apenas um sentimento – não é nem bom, nem mau. É quase sempre sintoma de uma insegurança subjacente. A maneira mais eficaz de lidar é muitas vezes resolver o problema subjacente que o cria. Ciúmes é mais comum quando alguém se sente inseguro, maltratado, ameaçado ou vulnerável em um relacionamento.
Com o tempo, percebi que saber lidar com ciúmes é essencial em um relacionamento. É um sentimento irracional e muitas vezes inesperado. Se deixar passar, você percebe que a causa mesma do ciúmes é, quase sempre, uma bobagem da sua cabeça. Grande parte da razão do ciúmes é a nossa própria imaginação. Criamos situações envolvendo a pessoa amada e ainda sofremos por isso.
A pergunta que mais eu ouço, ao descrever meu modelo de relacionamento aberto é se eu tinha medo de perder o homem que amava. A resposta é não. Nós nos amamos de todas as formas que pudemos. E o que tivemos juntos foi realmente único. O envolvimento com outras pessoas acabava reforçando os sentimentos de um sobre o outro. Chegava a ser reconfortante pensar que, não importava com quem ele estivesse, só a gente partilhava aqueles momentos, tão especiais.
Construímos uma vida juntos. Decidimos morar sob o mesmo teto, após um ano de namoro. Assinamos uma certidão de união estável, que assegura todos os direitos de um casal casado. Primeiro fomos para um apezinho apertado. Depois, arrumamos uma bela casa com quintal, árvore, cachorro. Parecia um albergue, onde abrigávamos amigos e familiares. Continuamos a andar com a mesma galera, sempre unida. Sentia-me realizada, ao seu lado. Pudemos realizar alguns dos nossos fetiches. Anos mais tarde, mudamos de cidade, os dois juntos, atrás de novas perspectivas profissionais. A gente nem imaginava viver qualquer outra relação. Esse pacto de amor funcionava bem entre a gente.
Franklin Veaux adverte que existe o mito de que poliamor é um tipo de relação amorosa mais evoluída. Na verdade, a forma de relacionamento preferencial nada tem a ver com conhecimento ou evolução mental. De fato, com a quebra de instituições da sociedade moderna, como família e igreja, mais pessoas têm experimentado novas concepções de envolvimentos afetivos. As mudanças sociais observadas com esse movimento estão sendo chamadas de Nova Revolução Sexual.
É preciso evitar certos males do nosso tempo. O teórico da pós-modernidade Zygmunt Bauman cunhou o conceito de amor líquido para denominar um dos sintomas da sociedade pós-moderna. É um amor “até segundo aviso”, que segue o padrão dos bens de consumo: dura apenas enquanto trouxer satisfação. Enquanto vivemos em ansiedade permanente, tendemos a substituir qualidade por quantidade. As nossas próprias angústias reforçam a liquidez dos relacionamentos e se tornam ameaças à perenidade das relações humanas.
No nosso caso, não foi ninguém nem nenhum tipo de egoísmo material que nos separou. Nenhuma crise de ciúmes nunca foi tão séria a ponto de ameaçar a continuidade do nosso amor. Mas o destino nos proporcionou surpresa difíceis de lidar. E relacionamentos afetivos são sistemas complexos, há muitas variáveis envolvidas. Enquanto que poligamia não era um problema para nós – apenas mais um aspecto divertido da nossa relação –, certas adversidades da vida deram conta do nosso fim.
Narrei um tipo de casamento liberal, que vivi no decorrer de cinco anos. Depois disso, tive ainda outro namoro poligâmico, esse mais curto – durou apenas um ano. Ambas as relações se estabeleceram de forma diferente e tinham regras distintas. Não há moldes predefinidos aos relacionamentos. Sinto-me mais confortável em envolvimentos sem grandes limites, você pode ser diferente. Já viveu um relacionamento aberto? Em que ele se parecia com o meu?"
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