Como aqueles entes sobrenaturais incômodos que, às vezes, aparecem nas casas antigas, o ex-governador José Serra, volta e meia, se manifesta. Desde o início do ano, foram várias.
Em todas, causou embaraços e constrangimentos a seus correligionários. Quando, por exemplo, no primeiro semestre, resolveu pisar fundo nas críticas ao PT e a Dilma, em um texto que denunciava a “herança maldita de Lula” (vindo de quem havia se apresentado, em 2010, como o “Zé que vai continuar a obra de Lula”).
Justo na hora em que os governadores e parlamentares tucanos procuravam estabelecer um clima de diálogo com o governo.
Outro dia, se materializou, subitamente, no encontro peessedebista que estava sendo realizado no Rio de Janeiro, marcado - talvez por coincidência - para quando tinha dito que estaria indisponível. Voltou às pressas da Europa e lá surgiu....
Como a maior parte dos debatedores ali reunidos reprovava a campanha que fizera ano passado, teve que ouvir o que não queria.
Procurando acomodá-lo no arranjo partidário que emergiu da convenção de maio, arrumaram-lhe uma função para a qual se revelou inapto. Não faz sentido que o conselho político de um partido seja presidido por quem não dá mostras de querer ouvir os outros. Por quem quer apenas externar pontos de vista individuais.
Até agora, no entanto, Serra não tinha ido tão longe como foi na discussão da estratégia do PSDB para a sucessão da prefeitura de São Paulo. Na última terça feira, para espanto do meio político, saiu-se com a tese de que seu partido não deveria ter candidato a prefeito na maior cidade do país, a capital do estado que governa desde 1994 e o principal bastião tucano nacional.
Seu argumento é que o PSDB não tem “candidatos viáveis” e que, por isso, deveria se aliar ao PSD, cerrando fileiras em torno da candidatura de Guilherme Afif. Os quatro pré-candidatos tucanos que estão em campo - alguns intimamente ligados a ele - seriam perdedores.
Disputam a indicação os deputados José Aníbal, Ricardo Trípoli e Bruno Covas, assim como o secretário de Cultura do estado, Andrea Matarazzo. Todos, cada um a seu modo, estão qualificados para reivindicá-la – dois são deputados federais bem votados, um foi o campeão de votos para a Assembléia Legislativa (além de ser neto de Mário Covas), outro foi ministro de FHC e subprefeito na administração Serra.
Qualquer um deles é um “nome novo” para a prefeitura (especialmente Bruno Covas). O que não seria nada extraordinário na eleição que, provavelmente, teremos em São Paulo no ano que vem, pois vários dos possíveis candidatos de outros partidos também o são.
Seria nacionalmente relevante uma eleição em que os três maiores partidos apresentassem sua nova geração: Fernando Haddad, pelo PT, Gabriel Chalita, pelo PMDB, e um “nome novo” do PSDB. Ao invés do enésimo enfrentamento da “velha guarda”, nomes para o futuro.
Lula e Temer sabem que seus partidos precisam disso. Todas as movimentações de Alckmin sugerem que ele também. Os três raciocinam partidariamente (além de pensar, como a vasta maioria dos seres humanos, também em si mesmos). Serra, ao que parece, não. Sua aposta nunca é o novo. É o que ele considera “viável”.
A questão é como defini-lo. Em uma de suas frequentes amnésias seletivas, Serra se esquece de sua própria trajetória. Em 1988, quis ser candidato a prefeito e teve uma performance de nanico, com pouco mais que 5% dos votos (mas não se achava “inviável”). Em 1996, com Fernando Henrique no poder e o plano real nas alturas, voltou ao páreo e nem chegou ao segundo turno (mas continuou se acreditando “viável”).
Há quem ache que ele “não quer” ser candidato a prefeito em 2012, por ter medo de vencer e, assim, ser obrigado a abdicar de seu sonho presidencial. É improvável: o que tem é um fundado receio de perder, justificado pelo fraco desempenho nas pesquisas.
O que ele quer, mais uma vez, é que o PSDB faça o que ele quer. Se não é candidato, que ninguém o seja, assim permitindo que o partido seja usado na montagem da “estratégia nacional” que imaginou. E que só interessa a ele mesmo (e a seus amigos).
Os tucanos que resolvam. Às vezes, é melhor ter muitos adversários que um só companheiro assim.
Marcos Coimbra, sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
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