quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Capital financeiro, é hipócrita...

           

Desde os anos 1970, a vida econômica no globo tem sido crescentemente subordinada à lógica da acumulação financeira. Para o sociólogo Giovanni Arrighi, isto é parte de um padrão evolucionário do capitalismo, em que fases de financeirização emergem ao final de cada ciclo de expansão do sistema mundial. Socialmente, isto significa o controle crescente das instituições – incluindo o Estado e os mercados – pelas elites financeiras, ao custo da maioria da população, que vê seus esforços produtivos drenados para alimentar o rentismo.
'A financeirização vem acompanhada de conflitos sociais, à medida que aqueles que são prejudicados por ela protestam'               
Por causa disso, a financeirização vem acompanhada de conflitos sociais, à medida que aqueles que são prejudicados por ela protestam. No entanto, até meados dos anos 2000, esta resistência não foi eficaz. Reformas neoliberais foram implementadas na América Latina, garantindo a reprodução do capital financeiro, a despeito da oposição de sindicatos e partidos de esquerda. Mais recentemente, porém, o jogo começou a virar. Uma vez que a estabilidade monetária foi conquistada, os efeitos negativos do neoliberalismo sobre o emprego e a desigualdade levaram a população a eleger presidentes ligados a movimentos sociais e partidos de centro-esquerda. Mesmo quando a subordinação às elites financeiras não foi rompida – caso do Brasil – o relaxamento das restrições externas ao crescimento permitiu maior independência em relação ao FMI, órgão máximo de gestão das finanças mundiais....
A crise mundial deflagrada em 2008 nos EUA deu novo impulso à resistência contra a financeirização. Os protestos contra medidas de austeridade fiscal na Europa e o Occupy Wall Street são momentos de uma onda global, que se manifesta também através de líderes como Dilma Rousseff, que tem insistido que o combate à desigualdade deve prevalecer sobre medidas de austeridade. Entretanto, há um movimento paralelo de resistência às altas finanças que carece da legitimidade presente nas manifestações acima – o ataque de governos de países centrais contra agências de classificação de risco.
Nos anos 1990, Fitch, Moody’s e Standard & Poor’s, através de suas avaliações, eram capazes de influenciar o valor do real ou do peso frente ao dólar. Como oligopólio privado a serviço de investidores internacionais, sua influência era uma representação emblemática da subordinação do público/estatal ao privado/financeiro.
Seu reinado passou incólume até que, nos últimos meses, títulos públicos e bancos de países centrais, como EUA e Alemanha, tiveram seu crédito negativamente avaliado. Em função disso, na Europa, regulações mais severas para tais agências estão sendo implementadas. O comissário da União Européia para o mercado interno as justificou afirmando que as avaliações de crédito têm impacto direto nos mercados e, portanto, na prosperidade dos cidadãos europeus.
Nos EUA, o presidente da Standard & Poor’s foi exonerado depois que a agência reduziu a nota atribuída aos títulos americanos. Estes fatos revelam não só como as assimetrias de poder no sistema mundial afetam a financeirização do capital, mas também uma séria hipocrisia.
Enquanto aquelas agências contribuíam para garantir que países como o Brasil, hoje com crédito bem avaliado, cumprissem suas obrigações com credores europeus e americanos, estava tudo bem.
Agora, quando são cidadãos de países centrais a pagarem a conta (já que seus banqueiros estão com bail-outs), trata-se de impor regulações mais fortes. É certo que a maioria da população tende a se beneficiar com uma maior regulação pública das altas finanças. Entretanto, há que se separar o joio do trigo na onda mundial de resistência contra a financeirização do capitalismo. Fazer isso é fundamental para sabermos quem ouvir enquanto procuramos soluções justas para a crise atual.

Texto: Felipe Amin Filomeno é economista e sociólogo, doutorando em Sociologia pela Johns Hopkins University,  Colunista do Carta Capital

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