domingo, 27 de novembro de 2011

A verdade sobre Belo Monte e sobre a gente

  

Terra Magazine
Marcelo Carneiro da Cunha
De São Paulo

A verdade surge do entrevero, como dizia a minha pampeana avó Jovita. A minha avó Jovita podia ser um tanto assustadora, mas era sábia, agora eu sei.

E, na semana passada, eu tirei sarro dos bonitinhos da Globo dizendo aquelas coisinhas de teleprompter no vídeo contra Belo Monte. Tirei sarro do que eles diziam e do jeito que diziam, porque já que gosto de gente falando o que sabe, detesto gente dando texto. Pronto, caiu o mundo.

Uma das críticas foi a de que eu teria sido deselegante para com os globais. Pois eu discordo, embora um neto da minha avó Jovita pouco se importe com as aparências. Eu poderia ter sido menos elegante e ter falado que eles mentem. No vídeo eles dizem barbaridades, como a afirmação de que o lago vai alagar o Parque do Xingu (que fica no Mato Grosso, a 1300 km dali), que o lago formado vai alagar 640 km2 de floresta (são 516 km 2, e mais de 2/3 da área já são o curso do rio ou desmatados), que tribos indígenas vão ser desalojadas (não é verdade) e que o dinheiro que financia a obra vem dos nossos impostos, o que de novo é mentira, porque o dinheiro do BNDES não vem de impostos, como sabe qualquer um que queira saber e não falar besteira em público...



Ou os atores foram ingênuos ou mentirosos, e eu até fico com a primeira hipótese, que combina mais com o psiqué du rôle deles. Mas alguém construiu uma mensagem mentirosa para tungar milhares de assinaturas de pessoas como você, sinceramente interessadas no país e no futuro. O que você acha disso?

Outros me dizem que o certo é "ouvir os muitos cientistas que se pronunciam a respeito do assunto". Eu, louco por verdades que sou, recebo essa pérola de um doutor em meio-ambiente que vive na Catalunha (e me chamou de ignorante em tudo) "...A energia eólica nao somente fica na beira da praia e estraga o visual, isso é uma falta de informação. Em Osório, no sul do país, encontra-se um dos maiores parques eólicos do Brasil, e tudo isso nas montanhas."

O nobre doutor não sabe que eu estive no local em agosto, e olhem a tal eólica nas montanhas:


Então, caros leitores, dá pra confiar na isenção de alguém e na sua capacidade de produzir verdades por ele ter um doutorado em alguma coisa? Se ele gosta de verdades tanto quando o doutor acima, quanto adianta ouvir o que ele diz, se queremos verdades?


E essa é a questão: queremos a verdade ou queremos chupeta?


O Manuel, aqui em casa, com duas semanas de vida já sabe a diferença entre uma e outra. A verdade exige bem mais esforço, mas dela sai leite. A chupeta é fácil, e engana, por um tempo, mas ele precisa mesmo é do leite.


Os globais do vídeo ficaram enchendo a gente de chupeta. "Pra que hidroelétrica, tem solar, tem eólica". Um sujeito que não sabe pra que lado fica o Xingu, sabe o que eólica ou solar representam ou podem representar hoje? Você colocaria o seu destino e o do país na cabeça dessa gente? Somos bebês? Vocês são, caros leitores? Vocês acreditam mesmo em verdades fáceis e almoços grátis?


Claro que um projeto de hidrelétrica na Amazônia é um projeto de hidrelétrica na Amazônia. Claro que algo desse porte vai levar muita gente para lugares que já são disfuncionais hoje. Claro que o lago formado vai ter impacto, algo difícil de avaliar. Tomando como comparação Itaipu, parece que os ganhos superaram as perdas, e elas incluem as Sete Quedas. Sem Itaipu, nossa história seria outra, e bem mais carbônica, não? Gente vai ser movida pra lá e pra cá, o que acontece o tempo inteiro, porque nenhum lugar permanece estagnado e igual para sempre. Para alguns, vai ser bom, para outros, não. Afetados por isso tudo somos os 190 milhões, ainda mais se ficarmos sem energia suficiente, a única coisa, salvo perder a Copa de 2014 na final e em casa de novo, capaz de acabar com a gente.


Querem um santuário, criem um santuário. E se a nação decidir, depois de muito debate, tornar a Amazônia um santuário, que assim seja. Mas quem vai explicar isso para os vinte milhões de habitantes que já estão lá? Querem que o Brasil deixe de ser injusto com os indígenas? Querem devolver o país a eles, a única forma de corrigir a injustiça essencial? Ok, vamos pra onde?


Não existe almoço grátis. Verdade, certamente, tem custo.


A questão real e que me aflige, ainda mais com um filho de apenas duas semanas e que vai herdar esse século, é a nossa incapacidade para debater e buscar a verdade. Fracassamos vergonhosamente em uma decisão tão simples quanto a da proibição das armas. Seríamos incapazes hoje de debater e decidir de maneira inteligente e verdadeira sobre questões de igualdade e os direitos de minorias. Sobre a reforma política. Sobre o sistema educacional. Sobre as drogas. Sobre o importantíssimo Código Florestal. Sobre a eticamente complexíssima questão do aborto.


Somos incapazes porque somos seduzidos por chupetas, em nossa busca da verdade. Fracassamos porque, em uma era de tanta informação, afundamos nos preconceitos e cedemos aos discursos maniqueístas e reducionistas.


Eu quero acreditar em mim e em vocês, em nossa capacidade de sermos maiores do que a nossa própria miopia. Eu quero tanto que vou compartilhar o infalível método Avó Jovita de localizar a verdade, onde quer que ela esteja, baseado em um conceito muito simples: a verdade dói.


Querem ver? Não, mulheres não são mais sensíveis do que os homens. Não, Deus não vai garantir o seu sucesso simplesmente porque você paga o dízimo. Aliás, ele nem existe, ao menos não do jeito que venderam pra você. Sim, a homeopatia não passa de uma besteira. Não, o Gremão não é imortal. Sim, precisamos e muito de energia, e sim, hidrelétricas estão, longe, entre as melhores soluções, ao menos até a cientista nuclear Denise Richards inventar a fusão a frio. Sim, países ricos têm melhores condições de enfrentar e vencer as sérias questões do ambiente, e esse é um bom motivo para trabalharmos para o Brasil prosperar. Sim, o atual modelo de produção precisa ser trocado por outro. Não, ainda não sabemos como fazer isso. Não, ele não quer ser seu amigo. Não, ela não ama você.


Viram? Fácil. Agora vão lá fora e apliquem o método. Afastem as chupetas e leiam a Veja e a imprensa de verdade com o cuidado de quem busca bola em espinheiro, sabendo que nos espinhos estará a verdade. A verdade dói, sim, mas ainda é a única forma de sairmos dos buracos em que nos enfiamos ou nos enfiam. Ela dói, mas cura, que nem mercúrio-cromo. Saudades do mercúrio-cromo. Saudades da minha avó que nunca, nunca mesmo, mentiu pra mim.


Marcelo Carneiro da Cunha é escritor e jornalista. Escreveu o argumento do curta-metragem "O Branco", premiado em Berlim e outros importantes festivais. Entre outros, publicou o livro de contos "Simples" e o romance "O Nosso Juiz", pela editora Record. Acaba de escrever o romance "Depois do Sexo", que foi publicado em junho pela Record. Dois longas-metragens estão sendo produzidos a partir de seus romances "Insônia" e "Antes que o Mundo Acabe", publicados pela editora Projeto.

Via Esquerdopata

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