quarta-feira, 14 de abril de 2010

O Olhar Feminino


A Folha fez uma longa entrevista com a ex-prefeita paulistana Marta Suplicy, candidata do PT ao Senado. Na última pesquisa Datafolha ela aparece à frente dos outros concorrentes, com 43% da intenções de voto. A conversa tem bons momentos. Como, por exemplo, Marta fala sobre as chances do candidato petista ao governo de São Paulo, senador Aluízio Mercadante, que, para muitos, já perdeu a eleição para o tucano Geraldo Alckmin:

Folha - Há quem diga, até dentro do PT, que ele [Mercadante] está indo para perder.
Marta - Pode-se pensar isso quando o outro [Geraldo Alckmin] tem uma condição de votação tão grande. Mas eu mesma ganhei do Alckmin já duas vezes. Acho que tem um cansaço de tucanato e vai ser difícil para os tucanos e para Alckmin, que já foi governador seis anos, fazer promessas. As promessas serão exatamente as mesmas que foram feitas nas eleições passadas e não cumpridas. O Aloizio é uma pessoa muito determinada, com grande competência e um discurso que pode ser avassalador de desconstrução da tal da boa gerência tucana que na verdade não existe. Hoje a violência nunca foi tão alta, os problemas de perda de empregos no Estado de São Paulo são acentuados e na educação, nós paulistas vemos que estamos sempre na rabeira dos testes entre todos os Estados, sendo que somos o Estado mais rico. Na saúde também não estamos tão bem. Isso o tucanato tem a responder, porque estão há 16 anos lá.

Outros bons momento são quando Marta fala sobre a candidatura Dilma Rousseff para a Presidência:

Folha - Como você avalia a pré-campanha da Dilma?
Marta - Eu não tenho visto nenhum passo errado. A campanha começou bem, o lançamento foi lindo, uniu muito o partido. Eu acho que ela está indo bem. Agora, campanha vai acontecer e as opiniões vão sendo formadas dependendo do comportamento dos candidatos, não tem nada pronto.
Folha - Você vê a necessidade de ela aprimorar o corpo-a-corpo?
Marta - Acho que nem ela tem muito facilidade disso, nem o Serra. Quando me cobram 'a Dilma não tem carisma' eu digo 'O Serra tem?' Mas acho que o Serra está na estrada há mais tempo e isso poderia estar melhor desenvolvido. A Dilma está indo rápido. Nas primeiras vezes que ela era convidada a falar, era uma exposição com power point. Agora, ela está começando a falar espontaneamente. Eu a observei em situações não ensaiadas e eu percebi que ela leva jeito. [...] Ela tem que ter um tempo de transição, porque a mudança de papel que ela está vivenciando é gigantesca. Ela tinha um chefe. E tinha autonomia também, tinha que cobrar os subordinados, é a função mais dura da Casa Civil. Se você for ser docinha, fazem picadinho de você.
Folha - Que conselho você dá para Dilma?
Marta - A gente tem muita conversa de mulher. Eu entendo [o que é estar em um cargo político importante] perfeitamente e o que eu digo para ela é diminuir sempre a agenda, não aumentar, como eles [a campanha] gostam. Ter a autoridade de barrar um pouco a agenda, porque quando você é candidata majoritária, se puder trabalhar de manhã, de tarde e noite, eles te põem. E se for para ter três horas de sono, melhor ainda para agradar a todos. [...] A única coisa que eu brinco com ela é que tem limite.
Folha - O crescimento de Dilma não é tímido para quem tem Lula como cabo eleitoral?
Marta - Não, eu acho que ela cresceu bastante. Tem muita gente que ainda não a conhece e que votará nela por ser a candidata do Lula e muita gente que votará nela por ver nela uma figura competente, uma figura de mulher, algo que eu acho que está sendo pouco explorado. Esse olhar é muito interessante, e o Lula percebeu isso, que ser mulher era algo interessante.
Folha - A campanha de Dilma peca por não explorar o lado mulher?
Marta - Seria interessante focar na questão da mulher, mas acho bastante difícil porque as pessoas não sabem como fazê-lo, se sentem inseguras. Eu mesma como candidata sempre achei isso, mas nunca tive certeza suficiente para seguir à frente nas discussões que tive com os marqueteiros. Mas isso seria um paradigma importante, mas é arriscado. E, quando é arriscado numa coisa de grandíssima dimensão, não se faz. Presidente da República, muito menos. Então de novo não faremos. Tem gente que não vota em mulher, e não podemos perder a oportunidade de fazer pesquisas e saber o porquê. Isso vai deixar um histórico muito importante para as mulheres, para nossas filhas e nossas netas que quiserem entrar na política. Temos uma chance única com a Dilma e com a Marina.

Também merecem destaque os trechos em que ela fala sobre a participação da mulher na política:

Folha - Você acha que pode ser um trunfo ser mulher?
Marta - Acho que pode. Mas precisa saber se vai ser [nessa eleição].
Folha - Faz diferença uma mulher na Presidência?
Marta - Acho que isso tem uma importância gigantesca que não é levantada e que faz parte do subjetivo. Vou te contar um exemplo. Quando eu fui candidata ao governo, a filha do Nilton Lima tinha 10 anos, chama Bruna, queria ser bailarina. Ela conversou comigo. Quando acabou a campanha, o Nilton falou 'Marta, a Bruna não quer mais ser bailarina'. Eu disse 'o que ela quer ser?' Ele falou para eu perguntar pra ela. Ela disse 'governadora do Estado de São Paulo'. Aquilo pra mim foi um encantamento. Porque não tinha esse papel para pensar nessa possibilidade. Eu acho que candidatura da Dilma, de uma mulher, com a competência que ela tem, pode servir de enorme estímulo para as mulheres. O modelo do 'eu posso chegar onde eu desejar'.
Folha - A sua geração de mulheres ganhou muito espaço na política. O que falta?
Marta - Sim, mas mulher ainda tem muito a caminhar nesse país. Nós caminhamos um pouco pra trás em algumas áreas, caminhamos par trás na área política. A não ser por uma candidatura presidencial, que é de enorme importância, e que pode quebrar estes paradigmas, nós diminuímos nosso crescimento no parlamento. Enquanto a Argentina tem 38% de mulheres no parlamento, nós temos 9%. E somos o antepenúltimo na América Latina em termos de representação [feminina] política no parlamento. A nossa geração, minha e da Dilma, ainda está para acontecer na política. Ainda temos muito a caminhar.

Marta Suplicy não é unanimidade nem dentro do PT. Sua personalidade forte não atrai muitos amigos. Sua trajetória política, porém, não pode ser desconsiderada por ninguém que queira estudar a sério a história brasileira. Ela foi uma das mulheres que romperam paradigmas e colocaram a participação da mulher na política num nível mais elevado.
Se eleita, terá muito a acrescentar a um Senado esclerosado e praticamente inútil.

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