Isto não significa que ela não deva ser execrada e o seu autor sofrer um ataque de cócegas sempre que aparecer em público, para aprender. Significa que a punição por avacalhar candidatos não deve preocupar muito, nem humoristas nem ninguém. Inclusive porque será difícil caracterizar o crime.
— Pô, cara. A gozação que fizeram com você na TV, ontem, passou dos limites. Apareceu um imitador com a sua cara, dizendo uma porção de bobagens... Eu, se fosse você, processava.
— Não era imitação, era eu!
— Desculpe.
Uma questão maior é a dos limites da opinião, avacalhadora ou não, de quem tem o privilégio de um espaço na imprensa. Limites que independem da lei pegar ou não pegar porque fazem parte das nossas normas, e das nossas hipocrisias, jornalísticas.
Na Europa e nos Estados Unidos é comum colunistas abrirem o seu voto e os próprios jornais declararem suas preferências eleitorais. No começo de cada campanha presidencial americana, por exemplo, o "New York Times" anuncia para quem vai torcer — o que não é um anúncio de que vai destorcer a favor do escolhido.
Aqui a norma é da objetividade, mesmo fingida. Sempre achei estranho que um cronista de jornal, que é pago para ser subjetivo ao máximo, se veja obrigado a sonegar seu gosto político, que deveria ser tão naturalmente exposto quanto seu gosto em filmes, livros, mulheres e pastéis. Já outros sustentam que o voto aberto do cronista é um abuso do poder da imprensa. É uma discussão antiga, essa com a dona norma.
"Avacalhar", se não me falha o etimológico, vem de vaca mesmo. Reduzir alguém a vaca — pobre vaca, esse símbolo de resignação fatalista, sem falha de caráter conhecida — é desmoralizá-lo.
O mais triste é que não funciona. Historicamente, nem os mais avacalhados dos nossos políticos sofreram, politicamente, com a avacalhação. Temos uma cultura política à prova do ridículo. O que, claro, só torna a tal lei ainda mais ridícula.
Luis Fernando Veríssimo
com textolivre
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