quinta-feira, 8 de julho de 2010

Carne às feras




Nos primeiros cinco séculos da Era Cristã, o Império Romano se divertia jogando cristãos a leões famintos nos seus legendários “circos”. Grande público acorria às carnificinas de homens, mulheres e crianças por bestas enlouquecidas, ou às cenas trágicas de homens escravizados, de força extraordinária, digladiando-se uns com os outros.

O público queria pão para o corpo e aquele circo macabro para o espírito, de forma a saciar os tão baixos instintos que o homem nunca perdeu e que, na era contemporânea, manifestam-se de outras formas.
Hoje, os criminosos de culpa comprovada ou provável são usados para saciar a sede humana pelo sofrimento de semelhantes, invariavelmente sob a desculpa de que o supliciado é “merecedor” do suplício, o que, de maneira alguma, elide a perversão das massas por se deleitarem com o sofrimento alheio.
Outros, menos preocupados em justificarem seus baixos instintos, dedicam-se ao que se convencionou chamar de Bullying, termo inglês utilizado para descrever atos de violência física ou psicológica contra um indivíduo ou grupo de indivíduos incapaz(es) de se defender. Geralmente, é praticado entre adolescentes.
Há, finalmente, os que dão vazão ainda maior a esse lado obscuro da alma que clama pelo sofrimento do semelhante como forma de uma pervertida e insana distração. Atacam mulheres, negros, índios, homossexuais, imigrantes, enfim, minorias indefesas. Chegam a tocar fogo em índios adormecidos na rua ou a espancarem trabalhadoras humildes em pontos de ônibus.
Nesse caso desse goleiro que pode ter assassinado a namorada, o que me incomoda é que ninguém quer fazer justiça nenhuma. Sob a desculpa de que o sujeito parece ser mesmo culpado, o Estado de direito é subvertido e cada lance da investigação transforma-se em nova condenação e em nova aplicação da pena de execração pública.
A culpa ou a inocência do goleiro ou daquele casal que teria matado a filha, por exemplo, pouco importa. Duvido que se aceitaria um bom indício de dúvida sobre suas culpabilidades, se houvesse. Desta maneira, a mídia joga às feras os caídos em desgraça para saciar aquele mesmo instinto depravado do homem de há quinze séculos.
A civilização já deveria ter abolido esses “divertimentos” de massa, mas o sofrimento moral e físico continua sendo uma atração irresistível para o homem em todas as sociedades, das mais atrasadas às supostamente mais desenvolvidas. Supliciar autorizado pela culpabilidade provável da vítima foi o único progresso que o homem fez em milênios de história conhecida.
blog da cidadania

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