por Altamiro Borges, em seu blog
O presidenciável demotucano José Serra vai aos poucos soltando suas asinhas. Quando sua pré-candidatura foi oficializada, no início de abril, ele se fingiu de bonzinho. Evitando se confrontar com a alta popularidade do presidente Lula, afirmou que manteria o que há de positivo no atual governo e lançou o bordão adocicado “O Brasil pode mais” – que logo foi encampado pela TV Globo numa desastrada propaganda subliminar. Mas o “Serrinha paz e amor” não se sustenta. É pura estratégia eleitoral, coisa de marqueteiro esperto para embalar um produto falsificado.
Na semana passada, num evento com empresários de Minas Gerais, José Serra começou a fazer a demarcação dos projetos em disputa da eleição de outubro. Ele criticou o Plano de Aceleração do Crescimento, o que reforça a confissão à revista Veja do presidente do PSDB, Sérgio Guerra, de que o PAC será extinto. Também afirmou que irá “rever o papel” do BNDES. O que chamou a atenção no seu discurso, porém, foi o ataque ao Mercosul. Para ele, o bloco regional “atrapalha as relações comerciais do Brasil”. O discurso deve ter agradado aos seus amos dos EUA.
“Alinhamento automático” com o império
De há muito que a política externa do presidente Lula, mais altiva e ativa na defesa da soberania nacional, é motivo de duras críticas da oposição neoliberal-conservadora. Os demotucanos nunca engoliram a prioridade dada ao Mercosul e à integração regional; tentaram sabotar o ingresso da Venezuela no bloco regional e são inimigos declarados dos governos progressistas da região; não se pronunciaram contra o golpe militar em Honduras, mas condenaram o governo por dar abrigo ao presidente deposto. Para eles, como revela José Serra, a integração latino-americana atrapalha.
Presença nauseante nos telejornais da Globo e nas páginas dos jornalões e revistonas direitistas, os embaixadores tucanos Celso Lafer, Rubens Barbosa e Luiz Felipe Lampreia sempre pregaram o retorno à política de FHC do “alinhamento automático” com os EUA. No episódio recente da ameaça do governo Lula de retaliar produtos ianques em oposição ao seu protecionismo, alguns deles saíram em defesa dos EUA. Eles temem qualquer postura mais soberana diante do império. São contra a política de diversificação comercial do Brasil, contra a ênfase nas relações Sul-Sul.
Complexo de vira-lata dos demotucanos
Este é o time do candidato José Serra. Essa é a sua orientação para a política externa. Na prática, a oposição neoliberal-conservadora sonha com o retorno ao “alinhamento automático”. Mercosul e outras iniciativas visando quebrar o unilateralismo imperial seriam enterradas com a eleição do demotucano. O Brasil regrediria para o triste período de FHC, de total subserviência às potências capitalistas – do complexo de “vira-lata”. Serra tenta se afastar da imagem desgastada de FHC, mas sua política externa seria idêntica – não como farsa, mas como tragédia no mundo atual.
Para entender o que representaria este retrocesso vale a pena ler o livro “As relações perigosas: Brasil-Estados Unidos (de Collor a Lula, 1990-2004)”, do renomado historiador Luiz Alberto Moniz Bandeira. Ele comprova, como farta documentação, como a política externa regrediu nos oito anos de reinado de FHC. Neste período nefasto, o país só não aderiu ao tratado neocolonial dos EUA, a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), devido à reação da sociedade. Esta resistência também evitou que Alcântara, no Maranhão, virasse uma base militar ianque.
Tratamento humilhante para o Brasil
Entre outros casos vexatórios da política de FHC, Moniz Bandeira relata a sumária exoneração do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI) do Itamaraty, por este ter alertado o governo para os graves riscos da Alca. Cita a atitude acovardada do ex-ministro Celso Lafer diante das pressões dos EUA para afastar o embaixador brasileiro José Maurício Bustani da direção da Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPAQ), ligada à ONU, por este ter tentado evitar a guerra genocida no Iraque. Lembra ainda os discursos do ex-ministro de FHC propondo a participação do Brasil no genocídio no Iraque com base no draconiano Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR).
O ápice dessa postura subserviente se deu quando o diplomata aceitou tirar seus sapatinhos nos aeroportos dos EUA. “Em 31 de janeiro de 2002, Celso Lafer, ministro das Relações Exteriores do Brasil, sujeitou-se a tirar os sapatos e ficar descalço, a fim de ser revistado por seguranças do aeroporto, ao desembarcar em Miami. Esse desaire, ele novamente aceitou antes de tomar o avião para Washington, e mais uma vez desrespeitou a si próprio e desonrou não apenas o cargo de ministro, como também o governo ao qual servia. E, ao desembarcar em Nova York, voltou a tirar os sapatos, submetendo-se, pela terceira vez, ao mesmo tratamento humilhante”.
Subserviência ou soberania nacional?
Com base nas suas pesquisas, Moniz Bandeira garante que a eleição de Lula deu início a uma guinada na política externa, retomando a trajetória seguida por Vargas e outros nacionalistas. Ele lembra os discursos do então candidato contra a Alca, a indicação de Celso Amorim e de Samuel Pinheiro para o seu Ministério de Relações Exteriores, a prioridade às negociações do Mercosul, os esforços para a construção de um bloco regional sul-americano e a frenética investida na diversificação das relações com outros países em desenvolvimento – como China, Índia e Rússia. Cita ainda os duros discursos contra a ocupação do Iraque e o veto à base ianque em Alcântara.
Para o autor, após a longa fase de subserviência ao império, as relações do Brasil com os EUA voltaram a ficar tensas. Ele registra os vários discursos hidrófobos da direita estadunidense e não descarta manobras ardilosas e violentas para sabotar o atual projeto de autonomia nacional. Mas se mostra confiante na habilidade e ousadia da atual equipe do Itamaraty. Reproduzindo artigo do jornal O Globo, ele afirma que “há tempos (Celso Amorim) avisou a embaixadora dos EUA que não há força no mundo capaz de fazê-lo tirar os sapatos durante a revista de segurança dos aeroportos americanos. ‘Vou preso, mas não tiro o sapato’”. Conforme indica Moniz Bandeira, este é o dilema do Brasil na atualidade: subserviência ou soberania nacional?
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