A fórmula tradicional do exorcismo se aplica a essa crendice grotesca de que “o que há de bom no governo Lula, o Serra vai continuar”, que vem sendo afirmada pelos marqueteiros do candidato do PSDB. Pois o que há de bom no governo Lula é tudo o que tucano detesta.
A fórmula tradicional do exorcismo se aplica a essa crendice grotesca de que “o que há de bom no governo Lula, o Serra vai continuar”.
Pois o que há de bom no governo Lula é o que tucano detesta: transferência de renda (imagine se fosse redistribuição!), política energética de longo prazo, diálogo ambiental, política social como definida como investimento e não como gasto público, ampliação do ensino superior, aumento real do salário mínimo (isso, então, dá urticária em tucano). E também política externa independente, é claro.
O ideal para o tucanato é algo como o governo Dutra de antigamente, que deixou o povão cinco anos sem um único reajuste sequer do salário mínimo. E que se alinhava com a “direita moderna” no plano internacional.
“Diz-me quem és, e te direi com quem vais andar”, diz uma adaptação adequada de outro tradicional ditado popular. Afinal, por exemplo, a oposição em peso votou contra a entrada da Venezuela no Mercosul, até mesmo contra a própria oposição venezuelana, cujo líder veio a Brasília implorar pela adesão. Já imaginaram um tucano da gema aplaudindo aproximação com Venezuela, Bolívia, Uruguai, Equador, etc.?
O sentimento tucanês é o de que existe um mundo “civilizado”, para o qual o Brasil deve voltar completamente o rosto e tudo o mais. Esse mundo “civilizado”, exemplar, é a parte “civilizada” da Europa, dos Estados Unidos e, quando muito, do Japão. Ideal político tucânico privilegia o que os diplomatas enunciam como o “circuito Elizabeth Arden”, formado por Londres, Paris, Roma e Washington. O resto? Imagine! África? Nem pensar. América Latina? Coisa de bugre! Ou então de caudilho hispano-hablante. Claro, para esse mundo tucanopensante, já há ou houve alguns indícios de civilização neste terceiro mundo, como nos bairros periféricos de Johannesburgo, habitados pelos herdeiros ou descendentes do apartheid, ou gente como Piñera, no Chile, Vargas Llosa no Peru, Uribe na Colômbia, Vicente Fox no México, e assim por diante.
O problema é conceitual e é bem antigo, mas agora se agravou. É claro que para esse mundo o problema central se deu no momento em que o presidente Geisel colocou Azeredo da Silveira nas Relações Exieriores, provocando a ascensão dos então chamados “barbudinhos” no Itamaraty. Havia de tudo entre os “barbudinhos”, até os que não usavam barba, mas eles eram, sobretudo, de uma geração diferente da que se alinhava automaticamente com a direita mundial nos tempos da Guerra Fria. Houve quem se alinhasse mais com a política de Sarney, ou de Fernando Henrique, e tinham todo o direito de faze-lo, assim como houve quem preferisse as inflexões que vieram à tona com o governo Lula, e também tinham todo o direito de faze-lo.
Acontece que o que era para ser uma inflexão tornou-se um estilo com vida própria, e fez o Brasil dar um salto no plano internacional. Como a imprensa mundial não liga muito para o que dizem os jornais reacionários do Brasil, para a maior parte da mídia internacional o Brasil é um sucesso social, econômico e político (e ela não poupa crítica a nossos problemas), sem falar no cultural.
Isso o espírito tucaneiro, contido em seu vulcão adormecido, não pode nem consegue engolir nem perdoar. Por isso, se o tucanês voltar a ser a linguagem do Planalto, a emenda vai ser pior do que o remendo. O governo Fernando Henrique vai parecer uma flor de independência, diante do que viria por aí, tal é a sanha de se “corrigir” os rumos do “populismo bonapartista” de Lula no exterior. E no interior do país também.
Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior em Berlim.
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