A expressão “Efeito Tango”, largamente usada no Brasil nas décadas de 1980 e 1990, caiu em desuso por aqui, no século XXI. Todavia, continua sendo produto de um fato: o estágio político e social mais avançado da Argentina sempre fez do país vizinho, para nós, uma espécie de “eu sou você amanhã”, bordão que remete a uma propaganda de vodka da época.
Na peça publicitária dos anos 1980, um homem bem-vestido e penteado olhava para o espelho, antes de sair para a “balada” à noite, e se via irreconhecível, com cara de ressaca. Então perguntava à imagem: “Quem é você?”. E ela respondia: “Eu sou você amanhã”....
A propaganda era de uma marca de vodka que pretendia convencer as pessoas de que, optando por ela, evitariam a ressaca no dia seguinte. A peça ficou tão famosa que deu origem ao chamado “Efeito Orloff”, aplicado às mais variadas situações em que a história de um país parecia repetir-se no outro.
Nos anos 1990, quando o Brasil se contorcia em sucessivas crises, a adoção de planos econômicos por aqui que reproduziam programas similares argentinos adotados antes de nós, com base na propaganda do “Efeito Orloff” gerou a expressão “Efeito Tango”. Isso porque, política e economicamente, Brasil e Argentina, apesar das diferenças culturais, sempre acabam espelhando-se um no outro.
A redemocratização argentina e os planos econômicos Austral e Menen vieram antes da redemocratização brasileira e dos planos Cruzado e Real, só para ficar em exemplos mais evidentes do “Efeito Tango”.
Nesta segunda-feira, o mundo ainda analisa, estupefato, a dimensão da vitória de um movimento político que, à exemplo do “lulismo” da mídia brasileira, a mídia argentina chama de “kirchnerismo “. Cristina Fernández de Kirchner e seu grupo político obtiveram uma vitória arrasadora nas eleições gerais de domingo último, com vitória de governadores “kirchneristas” em todas as províncias, menos na de San Luís.
Como entender uma vitória que, aqui no Brasil, só começou a ser prevista pela imprensa local há muito pouco tempo apesar de que, na Argentina, há muito se sabia que derrotar Cristina Kirchner seria praticamente impossível?
Qualquer pesquisa que se fizer sobre o que a mídia brasileira dizia da situação política argentina em anos anteriores, antes da morte de Néstor Kirchner, revelará um quadro de decadência desse mesmo “kirchnerismo” que, ontem, acabou com a oposição e com a imprensa argentina, uma imprensa igualmente golpista e partidarizada que emula a brasileira ipsis-litteris.
Os brasileiros vimos assistindo ao mesmo filme em relação à Venezuela, na imprensa local. Desde o referendo revogatório de agosto de 2004, quando Hugo Chávez pôs seu mandato à disposição do povo e foi mantido no poder, que a mídia brasileira, a cada eleição naquele país, sempre diz que a popularidade dele está em decadência. Quando chega a eleição, porém, ele vence de lavada.
Todavia, de todos os processos de soerguimento das nações sul-americanas durante a década passada no âmbito da ascensão de governos de centro-esquerda, talvez o processo argentino seja o mais bem-sucedido por ter promovido não só distribuição de renda, diminuição da pobreza e crescimento econômico, como no Brasil, mas por ter democratizado a mídia sem que eclodisse a terceira guerra mundial.
Na Venezuela, na Bolívia e no Equador, outros países que experimentaram políticas públicas de cunho social-democrata, porém aliadas a forte crescimento econômico, distribuição de renda e inclusão social, o custo de desconcentrar a propriedade de meios de comunicação e de estabelecer regras para eles como as que existem para todos os outros setores da sociedade, foi mais alto, gerando conflitos políticos que levaram esses países à beira de golpes de Estado.
O Brasil é o único país sul-americano governado sob esse modelo distributivo e desenvolvimentista de centro-esquerda que não avançou um mísero milímetro na questão da democratização da comunicação. Só que os outros países da região em que vige esse modelo, com exceção da Argentina, mergulharam em graves crises políticas, enquanto que o Brasil conseguiu a paz dos cemitérios ao se curvar ao oligopólio midiático.
Cristina Kirchner soube fazer o país avançar e se desenvolver mesmo ao custo de alguma inflação. E, assim, mostrou ao seu povo que aquela história de que era sempre preciso pisotear o povo para resolver problemas econômicos era balela dos ricos destinada a empurrar os custos de programas econômicos para os pobres.
Enquanto isso, no Brasil, vemos a mídia estender uma verdadeira ditadura sobre o país, com seus tribunais de exceção em que os seus inimigos políticos são sacrificados e o governo ao qual essa mídia se opõe fica paralisado. Já na Argentina, o governo fez uma campanha publicitária imensa que mostrou ao povo a quem servia o Grupo Clarín (a Globo argentina) et caterva.
A “ley de médios” pôs a Argentina em um estágio político equivalente ao de países nórdicos. O povo argentino descobriu que a comunicação de massas é uma arma política que vinha sendo usada para manter no poder políticos que atuam como despachantes dos mais ricos, e que esses veículos defendem os interesses das corporações.
A comunicação se desconcentra a passos largos, no país vizinho. Nos últimos meses, centenas de novas concessões de rádio e televisão foram distribuídas e não se tem notícia de censura alguma. A direita continua infestando seus veículos de comunicação com ataques incessantes contra o governo. Só que, agora, a esquerda também fala.
Se você ficou com inveja, leitor, não fique. Há toda uma tradição de o Brasil reproduzir – social, cultural, política e economicamente – a Argentina. A única diferença, por lá, é a de que ninguém tem coragem de dizer que os avanços do país se devem ao ex-presidente Carlos Menem, como fazem aqui em prol de FHC. E essa tradição tem até nome: “Efeito Tango”.
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