Vincent Van Gogh |
Taís Luso de Carvalho
Não há dúvidas que ao recebermos a notícia do falecimento de alguém ficamos consternados e lamentamos muito. Mas se o falecido for parente, a coisa muda. A dor é enorme e a recuperação é muito lenta. Porém, certas atitudes, que seguem ao sepultamento, poderão nos surpreender, e nos darão uma dimensão exata do comportamento humano. ...
A princípio, se pensa na pobre viúva (o) e nos filhos como mais um dos tantos casos que fazem parte da nossa vida, por pior e mais traumatizante que possa ser.
Tudo começa igual; parece que o ser humano é único. Após o falecimento da pessoa, começam as doações das roupas e dos seus pertences distribuídos entre os familiares, empregados e instituições. Tudo com muito pesar e lágrimas. Fotos são inevitáveis: abre-se o baú e ali estão as fotos do nascimento, namoros, noivado, das férias inesquecíveis, das bodas de prata, de ouro e outras recordações. Revive-se, nesse momento, situações há muito esquecidas. E lágrimas brotam oriundas de um estado de consternação.
O primeiro mês é um tormento, imaginamos a pessoa falecida em todos os cantos; sua cadeira, seu terço, seu livro de cabeceira, sua xícara... E seus antigos defeitos viram virtudes. Se por ventura a pessoa adquiriu alguns bens, ao longo da vida, chora-se ao olhar o seu computador, ao ouvir seu som, ver seu celular, olhar seu chinelo... Seus pertences tornam-se algo penoso de suportar. Tudo tem uma conotação afetiva e tudo permanece onde sempre esteve. Não é assim? É.
Passado algum tempo, as coisas começam a trocar de lugar: a cadeira voa, a cama é substituída, os livros vão para o lugar certo, o chinelo vai pra empregada e a sala toma outra aparência, com cortinas novas e bugigangas compradas com a intenção de renovar; é preciso dar prosseguimento à vida. Ninguém quer ter, por mais tempo, uma lembrança triste e constante. Todos querem amenizar o sofrimento. E todos começam a falar de quão sua morte foi sem dor e do magnífico lugar que o falecido (a) deve estar... É um conforto. É como se alguém procurasse o perdão por certos entraves causados a quem se foi. A maioria até que consegue ajeitar as feridas e soterrar as culpas.
Pois bem: passada a dor inicial, entra uma outra realidade: a Partilha, divisão dos bens! É neste ponto que o ser humano se diferencia. É aí que começa a dureza da nova vida: as leis e os direitos: o meu e o teu; o fifty-fifty fiscalizado e um advogado mediando os interesses das partes. Começa o que antes nem se cogitava: as brigas pelas coisas, pelas coisinhas. Brigas por palmos de terra, desentendimentos por porcarias.
E é nesse ponto que acontece a segunda perda: sepultam-se sentimentos, o respeito, a amizade, a dignidade, o parentesco e a justiça. E tudo em nome de latarias: de trecos e cacos. Começa a mesquinharia. Acaba a harmonia e começa a desconfiança entre os herdeiros. Muitos deles são verdadeiros horrores. A harmonia vai pro brejo. Para o fosso.
A morte física parece ser um engodo, uma provação pra ver até que ponto pode chegar o ser humano. Sordidez é algo que desqualifica, que depõe, que desmerece. Mas é próprio da nossa espécie. A paz é essencial, e bendito seja aquele que consegue ver que o importante é ter apenas o necessário. O supérfluo é dispensável, e em muitos casos só serve para magoar, pra separar, pra destruir. Partilhar deveria ser um ato civilizado, feito em paz; mas é um confronto penoso.
Não sei onde fica o Paraíso, mas acho que não é um lugar físico. Paraíso é estar em paz e sem conflitos. Um estado de espírito.
Até hoje não entendo como a morte não consegue deixar seu recado; é apenas percebida quando chega, quando se apodera da vida. Depois, é esquecida, e tudo se repete... Como se ela não fosse voltar.
Porto da crônicas
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