por Marcos Coimbra
Desde o século 19, quando começamos a nos definir como país, começamos a procurar a raiz de nossos males. A construção de uma identidade nacional brasileira é inseparável dessa busca.
É como se, entre o destino imaginado de potência e a realidade mesquinha que se percebia, se interpusesse um obstáculo. Corretamente identificado e tratado, ele poderia ser removido, assim permitindo que nossas vocações fossem plenamente realizadas.
A história do pensamento social brasileiro é marcada por sucessivas tentativas de encontrar essa raiz, a partir da qual todos os problemas se tornariam inteligíveis. Ninguém se iludiu achando que havia só uma, mas foi comum a convicção de que era possível descobrir a causa fundamental do drama nacional (no máximo, a combinação das duas ou três que o explicavam)....
A saúva, formiga que poucos, hoje em dia, sequer conseguem identificar, já foi candidata ao posto. Ficou conhecida quando Saint Hilaire, um dos mais importantes viajantes estrangeiros a percorrer o Brasil e que aqui esteve nos anos 1810 e 1820, declarou que “Ou o Brasil acaba com a saúva, ou a saúva acaba com o Brasil”.
Duzentos anos depois, nem uma coisa nem outra aconteceu. O Brasil não terminou e as saúvas ainda aborrecem os agricultores.
Mas a verdadeira fama do inseto veio no século passado, quando Macunaíma formulou seu catastrófico diagnóstico: “Pouca saúde e muita saúva, os males do Brasil são!”. Mário de Andrade brincava com a frase do viajante francês e fazia uma crítica ao chamado higienismo, característico do pensamento médico e de alguns setores conservadores do período.
Para os higienistas, o atraso do Brasil era consequência das doenças que tornavam os brasileiros indolentes, passivos e resistentes à modernização. Somente uma revolução sanitária poderia nos salvar, difundindo novos comportamentos, erradicando tradições e medicando a população. Como dizia Monteiro Lobato, a principal voz literária do movimento, era preciso acabar com a “velha praga”, o “piolho da terra”, o “funesto parasita”, o Jeca Tatu.
A ideia de que a doença (entendida nesses termos) é o “mal nacional” se parece a outras que conhecemos antes e depois em nossa história política e intelectual. A miscigenação, a herança ibérica, o psiquismo transmitido pelos portugueses e a desnutrição já ocuparam o lugar.
E todas tiveram sua implicação terapêutica. Se o problema, por exemplo, era o “peso exagerado” de “raças inferiores” (como acreditava Oliveira Vianna), o remédio seria encorajar a imigração de europeus do norte. Se éramos subdesenvolvidos pela tradição ibérica de desvalorizar a iniciativa individual (como queria Tavares Bastos), podíamos importar instituições norte-americanas. Se tudo decorria da falta de nutrientes na dieta dos brasileiros (como imaginava Josué de Castro), podíamos distribuir merendas balanceadas aos escolares.
Hoje, só aumenta a proporção dos que acham que conhecem a causa do “problema brasileiro”. No senso comum, a corrupção se tornou a grande vilã, a culpada por tudo que acontece de ruim.
As pessoas pouco informadas são as que mais acreditam nisso. Nas pesquisas, as menos interessadas e de menor participação política é que mais tendem a concordar com teses simplistas.
A ideia de que a corrupção é a raiz de nossos problemas costuma andar de braços dados com a impressão de que o governo pode tudo e só deixa de fazer o que deveria por sua causa. Quem pensa assim supõe que a saúde, a educação e a segurança são precárias porque há corrupção. Se não, haveria dinheiro para elas.
A oposição sabe que a tese é falsa. A mídia oposicionista deveria sabê-lo. Mas ambas a sustentam, pois acham que isso enfraquece o governo.
Em apoio, usam estatísticas sem pé nem cabeça. Como a da Fiesp, que estima, usando metodologia inteiramente questionável (pois se baseia nas percepções do empresariado captadas em pesquisas de opinião), que o custo anual da corrupção no Brasil seria de R$ 70 bilhões (isso, se tivéssemos zero de corrupção, o que não existe em nenhum país do mundo).
Na explicação de por que a população não tem boas políticas de saúde, educação ou qualquer coisa, as causas são diversas. Perde-se (muito) mais por falta de planejamento e de administração, por não qualificar e pagar melhor os servidores, pela incompetência e a burocracia crônicas, que com a corrupção.
Lutar contra ela é tarefa cotidiana de todo governo. Mas dizer que a corrupção é o mal do Brasil apenas desvia a atenção. O problema brasileiro (e de todo país) é que não há um só problema.
Desde o século 19, quando começamos a nos definir como país, começamos a procurar a raiz de nossos males. A construção de uma identidade nacional brasileira é inseparável dessa busca.
É como se, entre o destino imaginado de potência e a realidade mesquinha que se percebia, se interpusesse um obstáculo. Corretamente identificado e tratado, ele poderia ser removido, assim permitindo que nossas vocações fossem plenamente realizadas.
A história do pensamento social brasileiro é marcada por sucessivas tentativas de encontrar essa raiz, a partir da qual todos os problemas se tornariam inteligíveis. Ninguém se iludiu achando que havia só uma, mas foi comum a convicção de que era possível descobrir a causa fundamental do drama nacional (no máximo, a combinação das duas ou três que o explicavam)....
A saúva, formiga que poucos, hoje em dia, sequer conseguem identificar, já foi candidata ao posto. Ficou conhecida quando Saint Hilaire, um dos mais importantes viajantes estrangeiros a percorrer o Brasil e que aqui esteve nos anos 1810 e 1820, declarou que “Ou o Brasil acaba com a saúva, ou a saúva acaba com o Brasil”.
Duzentos anos depois, nem uma coisa nem outra aconteceu. O Brasil não terminou e as saúvas ainda aborrecem os agricultores.
Mas a verdadeira fama do inseto veio no século passado, quando Macunaíma formulou seu catastrófico diagnóstico: “Pouca saúde e muita saúva, os males do Brasil são!”. Mário de Andrade brincava com a frase do viajante francês e fazia uma crítica ao chamado higienismo, característico do pensamento médico e de alguns setores conservadores do período.
Para os higienistas, o atraso do Brasil era consequência das doenças que tornavam os brasileiros indolentes, passivos e resistentes à modernização. Somente uma revolução sanitária poderia nos salvar, difundindo novos comportamentos, erradicando tradições e medicando a população. Como dizia Monteiro Lobato, a principal voz literária do movimento, era preciso acabar com a “velha praga”, o “piolho da terra”, o “funesto parasita”, o Jeca Tatu.
A ideia de que a doença (entendida nesses termos) é o “mal nacional” se parece a outras que conhecemos antes e depois em nossa história política e intelectual. A miscigenação, a herança ibérica, o psiquismo transmitido pelos portugueses e a desnutrição já ocuparam o lugar.
E todas tiveram sua implicação terapêutica. Se o problema, por exemplo, era o “peso exagerado” de “raças inferiores” (como acreditava Oliveira Vianna), o remédio seria encorajar a imigração de europeus do norte. Se éramos subdesenvolvidos pela tradição ibérica de desvalorizar a iniciativa individual (como queria Tavares Bastos), podíamos importar instituições norte-americanas. Se tudo decorria da falta de nutrientes na dieta dos brasileiros (como imaginava Josué de Castro), podíamos distribuir merendas balanceadas aos escolares.
Hoje, só aumenta a proporção dos que acham que conhecem a causa do “problema brasileiro”. No senso comum, a corrupção se tornou a grande vilã, a culpada por tudo que acontece de ruim.
As pessoas pouco informadas são as que mais acreditam nisso. Nas pesquisas, as menos interessadas e de menor participação política é que mais tendem a concordar com teses simplistas.
A ideia de que a corrupção é a raiz de nossos problemas costuma andar de braços dados com a impressão de que o governo pode tudo e só deixa de fazer o que deveria por sua causa. Quem pensa assim supõe que a saúde, a educação e a segurança são precárias porque há corrupção. Se não, haveria dinheiro para elas.
A oposição sabe que a tese é falsa. A mídia oposicionista deveria sabê-lo. Mas ambas a sustentam, pois acham que isso enfraquece o governo.
Em apoio, usam estatísticas sem pé nem cabeça. Como a da Fiesp, que estima, usando metodologia inteiramente questionável (pois se baseia nas percepções do empresariado captadas em pesquisas de opinião), que o custo anual da corrupção no Brasil seria de R$ 70 bilhões (isso, se tivéssemos zero de corrupção, o que não existe em nenhum país do mundo).
Na explicação de por que a população não tem boas políticas de saúde, educação ou qualquer coisa, as causas são diversas. Perde-se (muito) mais por falta de planejamento e de administração, por não qualificar e pagar melhor os servidores, pela incompetência e a burocracia crônicas, que com a corrupção.
Lutar contra ela é tarefa cotidiana de todo governo. Mas dizer que a corrupção é o mal do Brasil apenas desvia a atenção. O problema brasileiro (e de todo país) é que não há um só problema.
doladodelá
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