por Luiz Carlos Azenha
Quando eu fechei contrato com a TV Record pedi para fazer reportagens especiais nas periferias das grandes cidades brasileiras, especialmente em São Paulo, onde vivo. Era uma forma de compensar o meu desconhecimento relativo dessas metrópoles, já que eu havia passado quase 20 anos como correspondente nos Estados Unidos (mitigado por passagens pelo Rio de Janeiro e São Paulo, nos tempos da Globo, quando fui muitas vezes à periferia).
Agora, quase todas as gravações que faço acontecem longe dos bairros ditos nobres de São Paulo. Numa série sobreVizinhos, que vai ao ar a partir de segunda-feira próxima, no Jornal da Record, passei algumas semanas em viagens diárias a diversos pontos da capital, todos bem distantes do centro.
Quem conhece in loco sabe exatamente do que estou falando: a maioria esmagadora dos paulistanos vive mergulhada em quatro crises crônicas.
1. A crise ambiental é uma das mais graves e basta passar pelos rios mais importantes que atravessam São Paulo para constatá-la. Ou ir ao blog da Conceição Oliveira, que se tornou especialista em fotografar lixo nos rios. Eu, numa série sobre a marginal Tietê, naveguei pelo rio em um barco do Departamento de Águas e Energia Elétrica paulista, o DAEE. Muitos de vocês talvez não saibam, mas a empresa de água paulista, a Sabesp, aquela que fez propaganda em todo o Brasil e que se disse uma empresa de saúde, joga diariamente milhares de litros de esgoto nos rios paulistanos.
2. A crise habitacional. Como, durante as reportagens, entro nas casas das pessoas, fico pasmo de ver quantas residências são inadequadas por qualquer padrão que se aplique: esgotamento sanitário, ventilação, espaço por habitante. Há de se considerar, também, as casas feitas em encostas ou às margens dos rios podres.
3. A crise do transporte público. Todos os dias, dezenas de milhares de paulistanos deixam de bater o ponto ou sofrem descontos salariais por chegarem atrasados ao trabalho. Em algumas estações de trens de subúrbio é impossível embarcar em alguns horários. Há estações que fecham por não dar conta da demanda! Os trens quebram. É comum encontrar gente que passa tanto tempo dentro de uma condução quanto no trabalho. O metrô paulista é excelente, mas a expansão da rede não deu conta da demanda. Embarcar em algumas estações no horário de pico é impossível. Pais deixam de viajar com os filhos nos trens de subúrbio e no metrô por temerem pela integridade física deles, tamanha é a empurração e a falta de espaço. Os ônibus seriam alternativa, não fosse o trânsito infernal.
4. A crise da saúde. Embora tenha havido melhorias no setor, há uma grande carência de bons hospitais e de atendimento médico adequado. É natural que pessoas submetidas às três crises que citei acima adoeçam, sofram de stress e de doenças psiquiátricas. Na série sobre Vizinhos que acabo de gravar, por exemplo, quando tratei de disputas domésticas descobri casos em que por trás de desentendimentos estavam pessoas que precisavam urgentemente de atendimento médico. No entanto, a quem recorriam os envolvidos? À polícia, que é o único “estado” à vista. O policial, além de registrar queixas, é psicólogo, conselheiro, psiquiatra, um pouquinho de tudo.
Notem que não estou falando em ideologias, nem em tucanismo, petismo ou malufismo. Estou falando objetivamente sobre as condições materiais de vida da maior parte dos moradores da maior cidade do Brasil, que ficam entre ruins e péssimas se aplicado um padrão razoável de qualidade de vida (não estou falando dos ônibus de Washington, que chegam no minuto marcado; nem do metrô de Vancouver).
Seria desonesto atribuir toda a culpa a este ou aquele partido. O Brasil sofreu um (historicamente) rápido processo de urbanização, que criou imensas exigências de infraestrutura nas metrópoles. O que me assusta, de verdade, é que São Paulo continue sendo governada para a minoria. Que a mídia e os partidos políticos continuem a falar e a representar apenas a minoria que pouco sente o sufoco das graves crises ambiental, habitacional, de transporte público e de saúde enfrentadas pela grande maioria. Dia desses embarquei na estação de trens de Guianazes e desembarquei na Barra Funda, de onde caminhei até o Higienópolis. Nos extremos eram dois mundos tão distintos que foi difícil acreditar que ficavam na mesma cidade.
Sou paulista de Bauru e sou orgulhoso de ter nascido em São Paulo. Gosto muito de minha cidade adotiva. A cidade e o estado são tão ricos que é difícil acreditar que não surjam aqui as grandes soluções para o Brasil, especialmente para as graves crises em que estão mergulhados milhões de paulistanos. Mas duvido que isso mude enquanto não surgirem lideranças paulistas com o DNA político do Lula, lideranças que consigam reproduzir aqui a construção do consenso necessário para dar absoluta prioridade ao enfrentamento das quatro crises que descrevi. São Paulo pode mais. Ou pelo menos deveria.
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