Terminei a leitura de Massa e Poder, obra escrita por Elias Canetti.*Transcrevo trechos das páginas iniciais, os quais expressam bem os fundamentos mais primitivos do medo que sentimos em relação ao desconhecido, do contato com o outro, e, por conseguinte, as origens e significado da massa. O objetivo é contribuir para a reflexão:
“Não há nada que o homem mais tema do que o contato com o desconhecido. Ele quer ver aquilo que está tocando, que ser capaz de classificá-lo ou, ao menos, de classificá-lo. Por toda parte, o homem evita o contato com o que lhe é estranho. À noite ou no escuro, o pavor ante o contato inesperado pode intensificar-se até o pânico. Nem mesmo suas roupas proporcionam segurança suficiente – quão facilmente se pode rasgá-las, quão fácil é avançar até a carne nua, lisa, indefesa da vítima” (p.13).“Tal aversão ao contato não nos deixa nem quando caminhamos em meio a outras pessoas. A maneira como nos movemos na rua, em meio aos muitos transeuntes, ou em restaurantes, trens e ônibus, é ditada por esse medo. Mesmo quando nos encontramos bastante próximos das pessoas; mesmo quando podemos observá-las bem e inspecioná-las, ainda assim evitamos, tanto quanto possível, qualquer contato com elas. Se fazemos o contrário, é porque gostamos de alguém, e, nesse caso, a iniciativa da aproximação parte de nós mesmos” (id.).“A presteza com que nos desculpamos quando do contato não intencional; a tensão com que se aguardam tais desculpas; a reação veemente e, por vezes, violenta quando elas não vêm; a repugnância e o ódio sentidos em relação ao “malfeitor”, mesmo quando não nos é possível ter certeza de quem foi que nos tocou – todo esse emaranhado de reações psíquicas em torno do contato com o estranho demonstra, pela instabilidade e irritabilidade extremas, tratar-se aí de algo muito profundo, sempre desperto e melindroso, algo que, uma vez tendo o homem estabelecido as fronteiras de sua pessoa, nunca mais o abandona. Mesmo o sono, estado em que nos encontramos muito mais indefesos, é facilmente perturbado por este tipo de temor” (p.14).“Somente na massa é possível ao homem libertar-se do temor do contato. Tem-se aí a única situação na qual esse temor transforma-se no seu oposto. E é da massadensa que se precisa para tanto, aquela na qual um corpo comprime-se contra o outro, densa inclusive em sua constituição psíquica, de modo que não atentamos para quem é que nos “comprime”. Tão logo nos entregamos à massa não tememos o seu contato. Na massa ideal, todos são iguais. Nenhuma diversidade conta, nem mesmo a dos sexos. Quem quer que nos comprima é igual a nós. Sentimo-lo como sentimos a nós mesmos. Subitamente, tudo se passa então como no interior de um único corpo. talvez essa seja uma das razões pelas quais a massa busca concentrar-se de maneira tão densa: ela deseja libertar-se tão completamente quanto possível do temor individual do contato. Quanto mais energicamente os homens se apertam uns contra os outros, tanto mais seguros eles se sentirão de não se temerem mutuamente. Essa inversão do temor do contato é característico da massa” (id.).“Absoluta e indiscutível, tal igualdade jamais é questionada pela própria massa. Ela é de tão fundamental importância que se poderia definir o estado da massa como um estado de igualdade absoluta. Uma cabeça é uma cabeça; um braço é um braço – as diferenças não importam. É por causa dessa igualdade que as pessoas transformam-se em massa. O que quer que possa desviá-la desse propósito é ignorado. Toda demanda de justiça, todas as teorias igualitárias retiram sua energia dessa experiência de igualdade que todos, cada um a seu modo, conhecem a partir da massa” (p.28).
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