por Luiz Carlos Azenha
Um bom jogador de futebol deve saber quando parar. Um bom politico, idem. De um ex-presidente da República, espera-se compostura.
Mas não deixa de ser curioso observar aquele momento revelador, em que fica claro que o corpo do jogador responde atrasado às exigências da mente. Ou quando a gente nota que um líder decadente se agarra furiosamente ao que já foi para preservar a autoimagem.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso acaba de nos brindar com uma exposição pública desse "momento mágico". Com um texto rancoroso, por vezes desconexo, em que claramente concluiu primeiro -- o mundo vai acabar e a culpa é do governo Lula -- e depois correu atrás de argumentos para justificar a tese.
FHC começa acusando Lula, não se sabe exatamente do que:
Como dizia o famoso príncipe tresloucado, nesta loucura há método. Método que provavelmente não advenha do nosso Príncipe, apenas vítima, quem sabe, de apoteose verbal. Mas tudo o que o cerca possui um DNA que, mesmo sem conspiração alguma, pode levar o país, devagarinho, quase sem que se perceba, a moldar-se a um estilo de política e a uma forma de relacionamento entre Estado, economia e sociedade, que pouco têm a ver com nossos ideais democráticos.
Qual é o sentido disso? Como faltam argumentos objetivos ao ex-presidente, ele descreve o problema como se fosse uma doença insidiosa, da qual o próprio Lula pode até ser vítima. Tenho a impressão que FHC está tentando dizer que, "quando eu era presidente, o Brasil era uma democracia. Agora, está deixando de ser", por causa de algum vírus maligno.
Quem quiser ler o texto completo, está aqui
Eu, sinceramente, não consegui enxergar no texto uma unidade lógica. FHC recorre a todos os chavões que sugerem uma conspiração anarco-sindicalista. Como disse um leitor deste site, mais parece uma produção intelectual do professor Hariovaldo:
Em pauta, temos a transnordestina, o trem-bala, a Norte-Sul, a transposição do São Francisco e as centenas de pequenas obras do PAC, que, boas algumas, outras nem tanto, jorram aos borbotões no orçamento e minguam pela falta de competência operacional ou por desvios barrados pelo TCU. Não importa: no alarido da publicidade, é como se o povo já fruísse os benefícios: “Minha casa, minha vida”; biodiesel de mamona, redenção da agricultura familiar; etanol para o mundo e, na voragem de novos slogans, pré-sal para todos.
É a primeira vez na História da política nacional em que alguém é ACUSADO de fazer obras importantes e históricas. Obras que, obviamente, não foram feitas nos oito anos de FHC. Por que? A quem servem essas obras? Quais foram as grandes obras de FHC e a quem serviram?
Sim, sim, eu sei que o manifesto de FHC foi político. Foi um chamamento às bases mais reacionárias e conservadoras do Brasil. E uma forma de tentar deslocar o debate de uma comparação entre os governos FHC e Lula no campo econômico, onde os números para os tucanos são devastadores, para o campo da política, em que embusteiros como o próprio ex-presidente contam com a máquina publicitária da mídia corporativa para propagar suas teorias conspiratórias e reproduzir o discurso do medo.
Pouco importa se o discurso não faz sentido. Quem está falando em razão? O que o ex-presidente faz é açular o medo da classe média, a insegurança que ela sente diante da ascensão social de pretos, pobres e nordestinos. O texto de FHC explora toda a gama de preconceitos contra Lula, Dilma "a mentirosa", os sindicalistas, poderes difusos e obscuros que operam nos bastidores, as estrelas do PT. Tem, portanto, um objetivo político bem definido: mobilizar o pavor contra "essa gentinha".
Mas esse ato de priapismo ideológico não deixa de ter suas vantagens: abre espaço para que façamos uma comparação objetiva sobre as diferenças entre os oito anos de FHC e os oito anos de Lula no poder. Não era esse o sonho do Planalto?
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