Um ânimo alegre disfarça mal o riso, um coração triste encobre mal o seu desgosto: como há-de chorar quem está contente? E como há-de rir quem está triste? Se alguma vez se chora donde só se deve rir, ou se ri por aquilo por que se deve chorar, a alma então penetrada de dor, ou de prazer, desmente aquele exterior fingido, e falso. Só a vaidade sabe transformar o gosto em dor, e esta em prazer, a alegria em tristeza, e esta em contentamento; por isso as feridas não se sentem, antes lisonjeiam, quando foram alcançadas no ardor de uma peleja, esclarecida pelas circunstâncias da vitória; as cicatrizes por mais que causem deformidade enorme, não entristecem, antes alegram, porque servem de prova, e instrumento visível, por onde a cada instante, e sem palavras, o valor se justifica; são como uma prova muda, que todos entendem, e que todos vêem com admiração, e com respeito.
Matias Aires, in 'Reflexões Sobre a Vaidade dos Homens e Carta Sobre a Fortuna'
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