Por Mauro Santayana
Um dos mais perturbadores segredos de Minas é o seu soberbo ar de província. Os mineiros são capazes de espantar o mundo, com seu saber histórico, sua ciência, sua literatura e seu talento esportivo. Não nos esqueçamos que Tostão e Pelé nasceram em Minas e mineiro foi o grande Guimarães Rosa. Mas onde quer que se encontrem, os mineiros continuam em Minas, amarrados a seus vales, fiéis ao ponto exato em que, da janela de seus quartos, vêem nascer o sol e devotados espectadores da paisagem da tarde, com sua promessa da noite e a advertência da brevidade da vida.
Sendo sempre uma província, Minas se parece a uma grande família. E foi como uma reunião de família a despedida de Aécio Neves do governo, ontem à tarde. Houve tudo aquilo que não pode faltar a uma festa mineira: música, cafezinho, pão de queijo para centenas de convidados e a emoção da multidão na Praça da Liberdade, apesar da chuva inesperada e forte que atrasou a cerimônia. Aécio reafirmou esse espírito de convivência dos mineiros, ao lembrar que houve natural cooperação entre o poder executivo e os outros poderes, em torno dos projetos necessários.
Aécio e o prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel, demonstraram, na prática, essa forma diferente de fazer política. Somaram seus recursos orçamentários a fim de realizar obras necessárias e adiadas, há décadas, na estrutura urbana da Capital. A mesma política de cooperação se estendeu a praticamente todos os municípios de Minas.
Esse sentimento de construção em comum revela- se no convívio entre as forças políticas do Estado. Isso se viu, ontem, na Assembléia Legislativa, na posse do novo governador, Antonio Anastasia, que cumprirá os meses restantes do mandato, e no ato da transmissão ritual do cargo, na sacada do Palácio da Liberdade: velhos adversários políticos se abraçavam, entre eles ex-governadores, com visível emoção. Todos os oradores, nas solenidades de ontem, elogiaram a coragem do ex-presidente e ex-governador Itamar Franco, na defesa do Brasil e de Minas.
Em todos os atos, principalmente na transmissão do cargo, era inevitável a memória de Tancredo ao assumir o governo em 15 de março de 1983, e na emocionante despedida dos mineiros, de seu líder morto, a caminho de São João del Rei, há 25 anos. Ao empossar-se, em 83, ele dera o seu recado – que os mineiros entenderam claramente – de que se empenharia em recuperar o poder da República para o povo. Em seu discurso, os avisos eram claros: os compromissos de Minas com a liberdade, o respeito à República e à Federação, o registro das lutas históricas dos montanheses e de outros brasileiros contra o centralismo do poder e a desigualdade regional.
Em 1983, houve um gesto simbólico e forte, de sua personalidade. Os portões do Palácio se encontravam fechados e a multidão, que ouvira seu discurso, esperava na praça. Com seu cavalheirismo conhecido, Tancredo acompanhou o governador que saía, Francelino Pereira dos Santos, até o automóvel, estacionado ritualmente junto ao portão. Com a saída do carro, Tancredo impediu que ele fosse novamente fechado e ele mesmo abriu e lado a lado os portões do Palácio, convidando o povo a entrar. O simbolismo do gesto era evidente. A multidão percorreu os jardins e os salões do Palácio, sem que uma só flor fosse danificada e sem que desaparecesse um só cinzeiro das mesas. Aécio também realizou um gesto simbólico, ao sair a pé do Palácio e misturar-se ao povo que o aplaudia. Foi uma festa mineira – e emocionante. Quando o governador se referiu ao chão metálico de Minas, e com ele se identificou, muitos não contiveram as lágrimas. Não obstante a existência de grupos de oposição intransigente, o que é natural em um sistema democrático, nenhum outro governador obteve aprovação tão ampla no Estado – nem mesmo Juscelino.
À solenidade de ontem, em Belo Horizonte, estiveram presentes os mineiros da diáspora, como o cartunista Ziraldo, e numerosos amigos de Minas, vindos de muitas partes do país – entre eles o senador Sérgio Guerra, presidente nacional do PSDB. O grande segredo da política mineira é a sua intrínseca identidade com o jeito natural de sua gente – e isso se viu na despedida de Aécio e na posse de seu substituto.
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