Mulheres na História política do Brasil
Salvo recentemente, o relato histórico sempre foi predominantemente masculino. Homens falando e escrevendo sobre homensprotagonizando ou simplesmente envolvidos nos mais diversos momentos e situações históricas.
Esquecidas, ou aparecendo apenas como apêndice de atores masculinos, muitas mulheres, no entanto, protagonizaram ações políticas ao longo de nossa história. Confrontando-se com os valores e regras vigentes reagiram e sozinhas ou ao lado de homens enfrentaram o conservadorismo e os poderes constituídos pagando às vezes alto preço por suas ousadias.
Sem a pretensão de ser exaustivo, pretendo expor apenas alguns casos no intuito não só de confirmar a tese exposta mas também de aguçar potenciais investigadores movidos por irrefreável e saudável curiosidade.
Partindo dos tempos do domínio lusitano (1500/1822) vamos encontrar alguns nomes marcantes de mulheres que fizeram história.
Na Vila Rica dos fins do século XVIII borbulhava a sedição de “magnates” da região. Gente da elite branca mineira, economicamente bem posta, mas afogada em dívidas com o fisco português e disposta a tudo para livrar-se dessa carga, inclusive a sublevação armada. Inconfidentes, como seriam taxados pelas autoridades portuguesas, reuniam-se para conspirar e arquitetar a revolta. Em meio a militares, fazendeiros, altos funcionários e clérigos divisamos as figuras de duas mulheres Hipólita Jacinta Teixeira de Mello , casada com cel. Francisco de Oliveira Lopes e Bárbara Heliodora Guilhermina da Silveira.
Hipólita Jacinta (1748 / 1828) foi a mais rica proprietária rural na região do Rio das Mortes. Destoando do comum entre as mulheres da época era letrada e dotada de vasta cultura.
Envolveu-se com a conspiração de Vila Rica tendo sua fazenda da Ponta do Morro servido para reuniões dos inconfidentes. Foi autora da carta que denunciou Joaquim Silvério dos Reis como traidor, assim como de diversos “avisos sigilosos”.
Seu envolvimento com um movimento de oposição ao domínio lusitano custou-lhe particularmente caro. Durante a Devassa teve sequestrados pela Coroa Portuguesa todos os seus bens. Após um difícil e longo processo judicial, com a ajuda de alguns amigos, em 1808, Hipólita conseguiu reaver boa parte de seu patrimônio.
Faleceu vinte anos mais tarde, vítima de icterícia, tendo sido sepultada na capela-mor da Igreja Matriz de Prados.
Bárbara Heliodora (1758/1819) foi uma poetisa brasileira. Casou-se com Alvarenga Peixoto com quem teve quatro filhos. Para alguns autores ela foi a estrela do norte que soube guiar a vida do marido, que lhe acalentou o sonho da inconfidência do Brasil. Quando ele, em certo instante, quis fraquejar, foi Barbara que o fez reaprumar-se na aventura patriótica tendo, por isso ganho o tratamento de Heroína da Inconfidência.
Ao virarmos o século nos deparamos com outra figura histórica, que por sua postura independente em meio ao mundo feminino submisso, ou ao menos submetido, ganhou narrativa de relevo ainda que maculada de muito preconceito. Refiro-me a Ana Jacinta de São José, mais conhecida como Dona Beija. Nascida em Formiga, em 1800, foi uma personalidade influente no século XIX na região de Araxá, Minas Gerais. Sua trajetória é uma mistura de história e lenda sendo difícil estabeler-se onde começa uma e termina outra.
Os relatos relativamente confiáveis falam que ela chegou a Araxá com os avós em 1805.
Em 1815, a bela jovem é raptada pelo ouvidor do Rei, Joaquim Inácio Silveira da Motta. Por dois anos, Beija viveu como amante do ouvidor na Vila do Paracatu do Príncipe. Depois disso, ele retorna para Portugal e Ana Jacinta, a Araxá.
Ajudada por amigos, construiu uma magnífica casa de campo, com o intuito de ali instalar um luxuoso bordel, conhecido como a "Chácara do Jatobá". Dona Beija, como passou a ser conhecida, deitava a cada noite, com um homem diferente se este lhe pagasse bem, mas à condição de poder decidir com quem dormir. Ela se tornou célebre, atraindo os homens das regiões mais remotas, para conhecer os seus encantos: esses a cobriram de dinheiro, jóias e pedras preciosas.
Teve importante influência na conformação geográfica de Minas Gerais, pois sob sua interferência conseguiu através do Príncipe D.Pedro, que D. João VI baixasse o Alvará de 04 de abril de 1816, desmembrando dos julgados do Desemboque e de São Domingos do Araxá, da Capitania de Goiás, reincorporando-os a Minas Gerais.
Dona Beija viveu até 1873 quando veio a falecer na localidade deBagagem, atual Estrela do Sul, Minas Gerais.
Ainda no século XIX, no Rio de Janeiro, damos de cara com o espírito de contestação de algumas mulheres na incipiente luta pelo voto. As primeiras manifestações pelo voto feminino, no Brasil, ocorreram em 1852, quando a jornalista Violante Bivas e Velascos fundou o primeiro jornal totalmente feito por mulheres do país, o "Jornal da Senhora".
Depois, em 1873, a professora Francisca Senhorinha de Motta Diniz abriu, na cidade de Campanha da Princesa (MG), o jornal feminista "O Sexo Feminino", também inteiramente editado por mulheres. Esse periódico faria, em 1875, uma ampla defesa do voto feminino.
A partir daí as datas começaram a atropelar-se. Em 1878, estreou em São Paulo a peça "O voto feminista"; de Josefina Alvares de Azevedo, que mais tarde, provocaria grandes debates sobre este tema.
Durante a época imperial, apenas uma mulher, no Brasil, havia exercido o direito de votar: a Dra. Isabel de Matto Dellom, que apelou para a Lei Saraiva, que dava aos detentores de títulos científicos o direito de voto. E chegou a apresentar-se como candidata à Constituinte, embora sabendo não ter qualquer possibilidade de vencer. Cesário Alvim, então Ministro do Interior, ao saber do caso da Dra. Isabel, ficou inconformado e baixou um decreto proibindo o voto feminino em qualquer circunstância.
Com o advento da República e da condição jurídica de cidadania abria-se um espaço maior à atuação política das mulheres, ainda que teoricamente, uma vez que a sociedade predominantemente rural e oligárquica mantinha o poder sob as rédeas curtas dos chefes de família masculinos.
A urbanização, no entanto, irá flexibilizar um pouco esse poder já que a expansão do mercado interno necessita do recurso de um número crescente rompendo a barreira do exclusivismo masculino. E nesse contexto vamos encontrar mulheres que procuraram ampliar esses limites.
Na primeira metade do século XX, no entanto, o país vive uma fase de grandes transformações dentre elas a urbanização alimentada particularmente com o crescimento da indústria. O sudeste torna-se o centro econômico dinâmico e suas cidades acomodam uma população cada vez maior de trabalhadores e consumidores. Homens e também mulheres anônimos no meio da multidão na luta cotidiana por uma vida melhor ousando contestar, ampliar e romper limites. É nesse contexto que vamos encontrar várias figuras femininas a ganhar destaque no cenário político do novo século.
Ainda nas primeiras décadas do século XX aparece o nome deMaria Lacerda de Moura (1887 - 1945) ocupando um lugar de destaque garantido não só pela sua personalidade combativa, pela sua múltipla atividade de escritora e conferencista, como pelo destaque que chegou a ter, não só no Brasil, como em outros países da América do Sul, tendo os seus textos divulgados em Portugal, na França e, principalmente, na Espanha.
Nascida em Minas Gerais, desde jovem se interessou pelo pensamento social e pelas idéias anticlericais. Formou-se na Escola Normal de Barbacena, em 1904, começando logo a lecionar nessa mesma escola. Inicia então um trabalho junto às mulheres da região, incentivando um mutirão de construção de casas populares para a população carente da cidade. Participou da fundação da Liga Contra o Analfabetismo. Como educadora, adotou a pedagogia libertária de Francisco Ferrer Guardia. Após se mudar para São Paulo, começou a dar aulas particulares e a colaborar na imprensa operária e anarquista brasileira e internacional. No jornal A Plebe (SP) escreveu principalmente sobre pedagogia e educação. Seus artigos foram também publicados por jornais independentes e progressistas, como O Combate, de São Paulo e O Ceará (1928), de Fortaleza, de onde se extraiu o texto Feminismo? Caridade?, bem como em diferentes jornais operários e anarquistas de todo o Brasil.
Ativa conferencista, tratava de temas como educação, direitos da mulher, amor livre, combate ao fascismo e antimilitarismo, tornando-se conhecida não só no Brasil, mas também no Uruguai e Argentina, onde esteve convidada por grupos anarquistas e sindicatos locais. Entre 1928 e 1937, a ativista libertária viveu numa comunidade em Guararema (SP), no período mais intenso da sua atividade intelectual, tendo descrito esse período como uma época em que esteve "livre de escolas, livre de igrejas, livre de dogmas, livre de academias, livre de muletas, livre de prejuízos governamentais, religiosos e sociais". Faleceu em 1945, no Rio de Janeiro.
Outras devem ser lembradas, tais como Patricia Rehder Galvão, a Pagu.
Mineira de São João Del Rei, nasceu em 1910 e sempre foi defensora da participação ativa da mulher na sociedade e na política. Entusiasmou-se com as idéias marxistas e aderiu ao Partido Comunista tendo renegado a ambos após alguns anos. Questionadora da sociedade capitalista e de suas seqüelas sociais e políticas apoiou greves e envolveu-se na Revolta de 1935 tendo sido presa e torturada por cinco anos.Foi a primeira brasileira do século XX considerada presa política.
Profissionalmente, trabalhou nos jornais cariocas "A Manhã", "O Jornal", e nos paulistanos "A Noite" e "Diário de São Paulo". Além de jornalista foi escritora de romances e contos. Morreu em 1962, em Paris.
No inicio da segunda metade do século a vida política brasileira vivenciou dias difíceis.
Entre 1964 e 1985, viveu-se uma sucessão de governos militares ao longo dos quais conviveram um quadro de crescimento econômico com um regime autoritário marcado por amplas restrições à vida democrática acompanhado por intensa perseguição a todo aquele que condenasse a ditadura militar e defendesse reformas, assumisse posições nacionalistas, ou reivindicasse a simples redemocratização. Classificados como “terroristas”, “facínoras”, “bandidos” para descaracterizá-los como oposição política, foram combatidos pelo regime militar, que encheu celas de presos políticos onde a prática da tortura, do estupro e do assassinato generalizou-se (sem trocadilho).
Na resistência à ditadura muitas foram as mulheres que ousaram enfrentar o arbítrio, com a arma das palavras ou com a palavra das armas. Muitas sobreviveram em meio a outras que caíram em combate ou morreram nas prisões. Essas últimas contam-se algo em torno de meia centena. As que sobreviveram à prisão, às torturas e ao exílio são centenas. Aqui, portanto eleger um nome, uma história de resistência e luta seria injustiça com dezenas de outras. Aqui, então elejo uma personagem mítica síntese de todas elas. Antígona, personagem de Sófocles, que desobedecendo as ordens do rei Creonte resolve enterrar com suas próprias mãos o irmão condenado pelo monarca a ter seu corpo consumido pelos abutres. Descoberta, Antígona é presa e condenada a ser enterrada viva.
Nenhum comentário:
Postar um comentário