quarta-feira, 7 de abril de 2010

Chuvas no Rio e em SP; Alguns dados e uma reflexão

As duas situações têm semelhanças, diferenças e um denominador comum: são os pobres quem mais sofrem, embora toda a população sofra sérios prejuízos, materiais e com o sacrifício de suas rotinas.

A primeira questão é saber quanto choveu em cada uma.


Em São Paulo, em todo o mês de janeiro – o pior das enchentes - o Instituto Nacional de Meteorologia, o Inmet, mediu, na estação meteorológica do Mirante de Santana, um total de 480,5 mm de chuva durante o mês, um nada abaixo do recorde de 1947, de 481,4 mm. Já a USP diz que foram 628,9 mm, disparado o maior índice desde que ela começou a medir, em 1930. É normal que se registrem índices diferentes em áreas diferentes, mesmo próximas uma da outra.
O dia de maior precipitação foi em dezembro, logo no início da temporada de problemas da capital. Neste dia, foram registrados diversos índices acima de 100 mm : Na Consolação, a marca chegou aos 122,6 mm, em Ermelino Matarazzo chegou a 119,8 mm, no Itaim Paulista chegou a 109,3 mm, na Lapa, a marca foi de 106,8, em Itaquera de 105,4 mm, e em Guaianazes de 101,4 mm. O recorde histórico é de 1988: 151,8 mm.

No Rio, de 9h de segunda-feira até a mesma hora de hoje, a maior precipitação foi, segundo a Geo-Rio – foi a medida na Rocinha: 283,2 mm em 24 horas. A menor, em Copacabana: 201,4 mm. Desde 2000, o maior acumulado em 24 horas ocorreu em dezembro do ano passado, com 155 mm.

Por isso eu disse hoje cedo que, ainda que tudo estivesse perfeito na cidade, haveria problemas, pela quantidade de água.

Isso exime os administradores públicos, atuais e pregressos, de responsabilidades? Não, de forma alguma.

A topografia do Rio de Janeiro e a de São Paulo são diferentes. Se o Rio, acidentado como é, faz escoar mais depressa a água, esta, em compensação, ganha mais velocidade e, nos pontos mais baixos, vazão afluente de água é imensa. Traduzindo o volume de água que chega num determinado intervalo de tempo é gigantesco. Já em São Paulo o problema é o escoamento mais lento da água: é preciso – e possível – acumulá-la fora das vias até que se escoe.

Num caso e no outro, a intervenção humana agravou o problema. Impermeabilizou-se grande parte do solo – construções, pavimentação, etc. A água que não se infiltra, corre, e corre para algum lugar. E ai desse lugar…A retificação dos rios diminui sua extensão e, portanto, o volume d’água que suas calhas podem acumular e reter. A cidade “oficial” ocupou as áreas de acumulação natural: em São Paulo, as várzeas; no Rio, o mangue.

Tudo isso foi feito, como disse, pela “cidade oficial”, por sua necessidade de expansão, de progresso, sua fome de vias e de áreas edificáveis: todas legais, autorizadas e até saudadas como símbolo do progresso.

Agora, porém, a culpa das desgraças das enchentes é sempre dos pobres: moram mal, ocupam áreas de risco, jogam lixo… Atirados nestas áreas por uma sociedade que precisava do seu trabalho, mas não de sua dignidade, agora são apontados como “culpados” de suas próprias agruras, até de seus próprias mortes.

O problema das enchentes no Rio não pode ser completamente resolvido, com a topografia que tem a cidade. Pode ser muito amenizado com boa drenagem e, sobretudo, com boa conservação, o que definitivamente a cidade não tem, e faz tempo. Mas o drama das mortes às dezenas, este pode, sim, ser resolvido.

No início do século, o Rio não tinha, praticamente, favelas. Mas tinha, aos milhares, os cortiços, no centro, na zona zul e nos subúrbios mais antigos. Eram os “inimigos” da cidade, com suas “imundícies”. A cidade, ansiosa por crescer e modernizar-se, os foi demolindo, desde o bota-abaixo do prefeito Pereira Passos até depois mesmo da abertura da Avenida Presidente Vargas. Só nos anos 40 e 50, com a construção dos conjuntos de casas dos Institutos de Previdência – IAPI, IAPB, IAPC, Iapetec – a classe operária foi quase que completamente alojada nos chamados “bairros proletários”.

Urbanizar as favelas não implica em fazer o mesmo. Mas também não significa que ninguém vá ser removido de área de risco. Significa que a cidade tem de ter maturidade, já que não tem mais espaços para crescer racionalmente – porque afastar cada vez mais exige investimentos novos e caros – em transporte, saneamento, etc – e danos ambientais com os quais a sociedade não aceita mais conviver.Significa que não se criará comunidades sadias a partir de pessoas arrancadas de seu ambiente, de seus laços culturais, de seu mundo, por precário que seja.

Ao contrário do que aconteceu com sucessivos governos municipais e estaduais – entre eles o de meu avô – aos quais a política recessiva e de restrição ao crédito tornava impossível um programa de habitação, hoje há crédito para fazê-los. Falta, porém uma visão capaz de entender o espaço urbano como algo voltado para as pessoas e não, ao contrário, dispor das pessoas por uma lei que não precisa ser sábia, basta que seja lei.

Qualquer energúmeno, se tiver o coração frio o suficiente, tem capacidade de mandar jogar um trator sobre um barraco humilde e ainda dizer que faz isso pela segurança de seus moradores. Mas só governantes de verdade, homens capazes de encarnar o desejo de felicidade que tem uma coletividade humana – e nem sabe, por vezes, expressá-lo – são capazes de tirar lições de um momento de dor e transformá-lo numa hora de decisão e de mudança.

Brizola Neto, em seu blog

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