sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Educar o povo brasileiro


Chegamos ao fim de 2010, e ao fim da primeira década do século XXI, vislumbrando um país diametralmente diferente daquele que chegou ao novo século. Em 2000, éramos um país sem perspectiva. O fim da hiperinflação em meados da década que terminava – uma década começa e termina nos anos com dois zeros na casa da dezena de sua representação numérica – não conseguira nos fazer progredir economicamente e tampouco distribuir renda.

Hoje, dez anos depois do início do novo século – e, não nos esqueçamos, de um novo milênio, o que contém um simbolismo altamente significativo –, tornamo-nos um país em que as perspectivas saltam sobre nós, de tantas que são. Todavia, culturalmente o Brasil ainda é um país extremamente atrasado. E na base desse atraso cultural está um conservadorismo que oscila entre o patético e o deprimente, sobretudo para quem quer acreditar que um novo país esteja surgindo.
Artigo do diretor do instituto Vox Populi, Marcos Coimbra, publicado no Correio Brasiliense de hoje (8/12) revela um dado que, à primeira vista, é desanimador, mas que representa, apenas, a apuração de um problema na cultura brasileira que, devido à sua dimensão, assusta, mas que pode, sim, ser revertido, ainda que tal feito deva tardar um bom tempo até acontecer.
Coimbra lembra pesquisa do instituto que preside feita no mês passado, portanto após a eleição presidencial, que revela que o brasileiro, antes de tudo, é um conservador nato. Temas considerados “morais”, tais como aborto – que é um problema de saúde pública –, homossexualidade – que é uma escolha legítima e constitucional do cidadão – e uso de drogas – que é outro problema de saúde que se tornou problema de Segurança Pública devido à vã tentativa de se proibir o uso de certas substâncias e de se liberar outras – aparecem na pesquisa de uma forma preocupante.
Segundo o Vox Populi:
1-      82% dos entrevistados são de opinião que o aborto não deve deixar de ser considerado crime;
2-      72% acham que o governo não deve propor mudanças na legislação que o descriminalizem;
3-      60% entendem que a união civil de pessoas do mesmo sexo não deve ser permitida;
4-      72% acham que o governo não deve propor leis que descriminalizem o consumo de drogas
E a conclusão de Coimbra sobre a pesquisa é de uma precisão cirúrgica:
“(…) As variações socioeconômicas e regionais nas respostas são pouco relevantes, embora aconteçam nas direções esperadas. Pessoas de escolaridade mais alta, com maior renda, mais jovens, moradores de áreas urbanas e de estados mais desenvolvidos, tendem a ser menos hostis a mudanças, mas nunca em proporções elevadas (a aceitação de que o aborto não seja considerado crime é de 10% entre pessoas de baixa ou nenhuma escolaridade, mas vai a apenas 20% nas de alta escolaridade). Ou seja, se quisermos falar em conservadorismo, trata-se de um fenômeno majoritário na sociedade inteira (..)”
A pergunta que surge é sobre por que um povo que precisa tanto de mudanças se aferra a dogmas religiosos e moralistas que estão na base da ideologia que moldou o país que mantém esse povo na miséria desde sempre? Por que em um momento de ruptura com o dogma de que só doutores poderiam governar bem um país, em um momento em que a mudança é o nome do jogo que está sendo jogado, o conservadorismo – o que seja, o apreço pelo “tradicional” – continua tão forte inclusive entre os que apóiam politicamente a mudança?
A explicação está naquele esquerdista que prega valores moralistas e ultra-religiosos de repúdio ao aborto e à homossexualidade, mas que defende valores progressistas como distribuição de renda, igualdade racial e de gênero etc. Porque a cultura brasileira foi impregnada por esses valores ao longo de séculos, e muitos ainda mantêm os valores dentro dos quais foram criados por país conservadores, ainda que tenham se deixado seduzir por valores humanistas ao amadurecerem.
Outro fator de peso na construção da mentalidade conservadora do brasileiro é o baixo nível cultural que, a despeito dos níveis de escolaridade, permeia todas as classes sociais, todas as regiões, ambos os gêneros, todas as faixas etárias e todas as regiões geográficas do país. Mesmo entre os mais ricos e escolarizados, a cultura geral é baixíssima. Entre empresários, por exemplo, enorme parte deles é de homens sem qualquer refinamento cultural ou preocupação intelectual, que lêem a Veja e acreditam que estão consumindo cultura.
O povo brasileiro está entre os que menos lêem no mundo e esse não é um fenômeno restrito às camadas populares, pois devido ao gigantismo do país e de sua população nossas classes média alta e alta encerram contingentes que, somados, superam as populações de vários países. Ainda assim, o Brasil tem um dos menores mercados editoriais do mundo.
Chegamos à segunda década do século XXI em condições de educar este povo, para que, mais esclarecido, ultrapasse valores medievais e se insira na moderna sociedade contemporânea da informação, na revolução dos costumes que o conhecimento da história revela inexorável em sua marcha cadenciada através da odisséia humana.
Temos riqueza e pujança econômica suficientes, hoje, para tornar o Brasil um país culto e educado. Só depende das escolhas políticas que continuarmos fazendo durante a década que começa. Se mantivermos no poder grupos políticos dispostos a apostar alto no social a despeito da gritaria de uma casta que se sente ameaçada pela distribuição de renda, poderemos nos tornar uma das maiores potências do novo milênio.
blog da cidadania

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