terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Confrontos no Rio: dançando com o diabo

Há dez anos, a antropóloga Regina Novaes constatou, em pesquisa, que os protestantes atraíam jovens das favelas como meio de fuga do recrutamento dos traficantes. Na época, a pesquisadora do Instituto de Estudos da Religião (Iser) declarou que “a fé evangélica é tão forte que não pode mais ser desconsiderada em assuntos ligados ao combate à criminalidade e à segurança pública”. O que parece é que, nesse meio tempo, o enfoque mudou.

Se nos baseássemos, hoje, nessa premissa, e a contar pelo número de igrejas neopentecostais que existem no Complexo do Alemão – e em todo Estado -, o Rio de Janeiro seria um paraíso. Se as conversões que acontecem diariamente nos presídios e cadeias realmente tirassem bandidos da vida do crime, não teríamos visto centenas de homens, fortemente armados, saindo da Vila Cruzeiro (na última quinta-feira, 25/11) para se esconderem nas favelas vizinhas.
Uma foto de O Globo - anterior a ocupação do Complexo da Penha pela polícia - mostra alguns bandidos, com fuzis, diante de um paredão onde lia-se “Deus está no controle”. A questão é que, se alguém tinha dúvida sobre o controle social exercido pelas igrejas eletrônicas, através da recuperação de bandidos pela conversão ou como opção dos jovens ao recrutamento do tráfico, está ainda mais confuso.
E as respostas parecem ficar mais difíceis. Em 2008, enquanto o mesmo Jornal O Globo revelava que Marcinho VP – um dos chefões da facção criminosa que aterrorizou a população do Rio de Janeiro, nos últimos dias - é uma ovelha do rebanho neopentecostal, outros informativos noticiavam a perseguição de traficantes aos adeptos de outras religiões, nas comunidades onde impunham seus domínios. A imprensa fluminense revelou casos de pessoas que precisavam esconder sua crença (na maioria, de origem afro) para poder continuar em suas casas.
Foi também neste ano, que o correspondente no Brasil do The Guardian (jornalão inglês), Tom Phillips, anunciava que “esses traficantes evangélicos pintam suas comunidades com passagens da Bíblia e tatuam salmos em seus corpos, mas que se calam quando são perguntados sobre o Quinto Mandamento (não matarás). Esses homens queimam seus inimigos em cemitérios improvisados ou cortam os seus órgãos com machados". A matéria trazia dados da ONG Observatório de Favelas e referia-se a possíveis mortes que aconteceriam no Rio até a Olimpíada de 2016.
O tema é tão complexo que Phillips passou quatro anos pesquisando a suposta conversão de bandidos no Rio de Janeiro. O resultado deste trabalho está no elogiadíssimo “Dancing with the devill, the movie” (em português, “Dançando com o diabo, o filme”), produzido pelo jornalista. O título, segundo ele, é uma expressão utilizada por um de seus personagens.
A obra chegou a ser indicada para o Silverdoc, um dos maiores festivais de cinema dos Estados Unidos, e para o The Grierson Award, que é o prêmio mais importante do Reino Unido. O filme tem três personagens centrais: um traficante, um pastor e um policial. E a ideia é mostrar o paradoxo existente entre a prática “evangélica” dos bandidos que muitas vezes até pintam frases bíblicas em fuzis.
Como um bom inglês, Phillips não revela se possui orientação religiosa. “É muito pessoal”, desconversa. Mas acredita que o fenômeno dos traficantes evangélicos deveria ser estudado. “O meu filme não é político. É apenas um retrato. Não se coloca nem contra nem a favor de ninguém. Apenas mostra as falas, as vidas e as realidades das pessoas. Não saberia dizer se é bom ou mau”, afirma. O que intriga é como alguém, que mora no Brasil há sete anos, enxergou um conflito pouquíssimo observado por aqui?
- Os gringos têm muito mais acesso. Nas comunidades, a gente não chega com as mesmas ideias de quem é criado aqui. E as pessoas (moradores, pastores e traficantes) não têm medo de nós, revela.
Pode até ser. Mas o que importa é que no final das contas, tanto a antropóloga quanto o jornalista continuam tendo razão. A fé evangélica não pode mais ser desconsiderada em assuntos ligados a Segurança Pública. E este é um fenômeno que precisa, cada vez mais, ser estudado.
Rosiane Rodrigues
By: Maria Frô

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