“É preciso um constante exercício de autoconsciência político-histórica para não se deixar levar – principalmente não se deixar levar a escrever – pelo ideologês que ressoa neste mundo, citando Saramago, ‘de injustiça globalizada’”
Márcia Denser
Em artigo recente, o jornalista Robert Fisk do The Independent comenta: “No contexto Ocidental, a relação entre poder e mídia diz respeito a palavras – é sobre o uso de palavras. É sobre semântica (sobre o significado das palavras). É sobre o emprego de frases e suas origens. É sobre o mau uso da História e sobre nossa ignorância da História. Mais e mais, hoje em dia, nós jornalistas nos tornamos prisioneiros da linguagem do poder. É por isso que atualmente os editoriais dos jornais soam como se fossem discursos políticos.”
Trocando em miúdos: a ideologia vigente, neoliberal e multiculturalista, atualiza vertiginosamente palavras, sentenças, segundo a segundo, minuto a minuto, atribuindo-lhes novos significados com que nomeia a sempiterna realidade histórica. Conseqüentemente, o que chega até nós através da mídia não é a realidade em si, mas apenas a realidade das palavras. Razão pela qual é preciso um constante exercício de autoconsciência político-histórica para não se deixar levar – principalmente não se deixar levar a escrever – pelo ideologês que ressoa neste mundo, citando Saramago, “de injustiça globalizada”.
Exemplo pontual de tudo isso é o discurso de Serra, sobretudo, o discurso de Serra que os jornalões publicam acriticamente, passam liso, sem comentários, quando não elogiam com fervor seja lá o que for. Sabatinado esta semana pela FSP, Serra diz absurdos como “estou curiosíssimo para saber quem será meu vice” (who???????????) ou “quem ataca minha candidatura é terrorista” ou “a questão das privatizações ainda não está fechada” (para quem, para quê e em que sentido, cara pálida?). Já na área internacional, a grande vedete de Serra é a Bolívia – salvo o Irã, parece ser o segundo país do mundo capaz de absorvê-lo totalmente. Tais petardos verbais, um mix de truculência, meias verdades, asneiras, frases sem sentido e ameaças, na linguagem bélica correspondem a “contra-medidas”, às quais Serra recorre para fugir da abordagem direta dos fatos principais. E esse é todo o problema dos sem-discurso, modelito FHC.
Aliás, Serra quer repetir no Brasil inteiro o que fez na saúde pública em Sampa: mulheres pobres obrigadas a fazer parto sem anestesia; crianças sem imunização por falta de vacinas; doentes graves esperando seis meses na fila por um cateterismo, mas também para procedimentos de máxima urgência, como hemodiálise e quimioterapia – eis algumas constatações do quadro alarmante vivido pela saúde pública no estado de São Paulo. Segundo a Carta Maior, os dados são de uma pesquisa encomendada pelo próprio governo tucano junto a 350 mil usuários do sistema único de saúde no Estado. O resultado devastador foi mantido em sigilo pela gestão Serra por três meses, até que a blindagem acabou sendo furada pelo UOL, que divulgou os resultados desse trabalho no mesmo momento em que o candidato demotucano se auto-elogiava na sabatina da Folha.
Mas, e se Serra ganhasse, o que ele faria? No blog do Emir Sader, um engraçadíssimo exercício de ficção político-cientifica, que repasso aos leitores. Confiram:
“- Tiraria o Brasil do Mercosul;
- Assinaria um Tratado de Livre Comércio com os EUA;
- Tiraria o Brasil do Banco do Sul;
- Baixaria totalmente o perfil do Brasil na Unasul, no Conselho Sulamericano de Defesa na Comunidade dos Paises da América Latina e do Caribe;
- Promoveria uma aproximação privilegiada do Brasil com o México, a Colômbia, o Peru e o Chile;
- Tiraria o Brasil dos Brics;
- Nomearia Celso Lafer para o Ministério de Relações Exteriores e Rubem Barbosa para embaixador nos EUA;
- Paulo Renato, para reiniciar a privataria na Educação;
- Katia Abreu, para levar adiante a modernização da agricultura brasileira;
- Privatizaria a Caixa Econômica Federal, a Petrobrás e o Banco do Brasil;
- Colocaria um oficial da PM paulista para dirigir o Ministério da Segurança;
- FHC como Embaixador em Paris;
- E Gabeira em Roma;
- Romperia relações com o Irã, a Bolívia e a Venezuela;
- Compraria assinaturas da Veja para todas as repartições publicas e instituições federais;
- Nomearia Arnaldo Jabor para o Ministério de Comunicações;
- Artur Virgilio para dirigir a Zona Franca de Manaus;
- E Diogo Mainardi para cônsul em Veneza”.
Eis como se articula esta operação ideológica: começa com a “realidade das palavras” e se conclui com o pesadelo dos fatos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário