sexta-feira, 25 de junho de 2010

Detonando o lugar comum: Camisa não ganha jogo

por Luiz Carlos Azenha

Minha carreira começou no esporte. Eu ainda era menino quando assinava uma coluna, chamada Síntese, no Jornal da Cidade de Bauru. Era um resumo dos resultados de competições que não cabiam na página principal de esportes: campeonato internacional de xadrez (nos tempos de Karpov e Mequinho), de automobilismo (Carlos Reutemann e Emerson Fittipaldi), de tênis (Martina Navratilova, Thomas Koch e Bjorn Borg). Meu grande prazer, nesta época, era entrar no quarto escuro para revelar as radiofotos que chegavam via United Press International. Era inacreditável ver aquelas imagens feitas algumas horas antes em Nova York, Moscou ou Berlim.
Experimentei na pele o desprezo dos “jornalistas sérios” em relação aos assim chamados “cronistas esportivos”. Voltei a atuar no ramo bem mais tarde, como repórter da Fórmula Indy, viajando o mundo. Reconheço que é uma luta evitar o lugar comum e que me rendi muitas vezes à cobertura esquemática, aquela em que você confunde o esporte com as emoções pessoais dos competidores, um truque conveniente quando se trata de atrair o público. É o que chamo de “personagismo”.
Ao olhar em retrospectiva, no entanto, fico pasmo de ver a longevidade de alguns destes lugares comuns da chamada “crônica esportiva”. Essa história de que camisa ganha jogo, por exemplo. Ouço isso desde a Copa do Mundo do México, em 1970, quando ainda não trabalhava no jornal. Ouvi isso nas copas que cobri pessoal ou indiretamente (1990, na Itália; 1994, nos Estados Unidos; 1998, na França; 2002, com reportagens especiais na Índia, Serra Leoa, El Salvador e Honduras; e 2006, em Gana).
Diz-se que esta ou aquela seleção ganha jogo por conta meramente da tradição. Do peso da camisa. Um lugar comum derrotado espetacularmente na Copa da África do Sul, quando a campeã mundial e a vice foram eliminadas ainda na primeira fase.
Aceito que existam “escolas de futebol” distintas e que a força destas escolas seja maior ou menor, dependendo da geração de jogadores. Há escolas, como a do Uruguai, que às vezes mergulham em sono profundo, para renascer mais adiante. Há escolas que surgem e se consolidam, como parece ser o caso agora dos Estados Unidos e do Japão.
Mas a ideia de que uma simples camisa ganha jogo é tão absurda que deveria pertencer à categoria do “sobrenatural de almeida”, o personagem de Nelson Rodrigues que salvava goleiros, defendia pênaltis e fazia gols no Maracanã. Só aceitamos este absurdo porque estamos anestesiados pela quantidade de idiotices e lugares comuns que nos são servidos cotidianamente sob o rótulo de “jornalismo esportivo”. Pelo menos lá atrás, no tempo do Nelson Rodrigues, os cronistas e narradores edulcoravam suficientemente os jogos a ponto de fazer um Juventus x Noroeste parecer um confronto de titãs na rua Javari.
A televisão acabou com os gols espetaculares, os dribles mágicos e os ataques infernais narrados pelo Fiori Gigliotti (“Conhaque Presidente, uma bebida quente, uma dilícia de conhaque”) e nos deu, em troca, estatísticas sobre quantas vezes o jogador cospe em campo. O lugar comum, este é o mesmo desde quando o Noroeste era escalado assim: Roque, China, Tecão, Araújo e Dé; Lorico e Zé Mário; Jáder, Zé Rubens, Rodrigues e Julinho. Se tradição ganhasse jogo o Noroeste, que é de 1910, seria campeão brasileiro.

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