terça-feira, 22 de junho de 2010

Qual reforma Tributária -2

A qualidade do nosso gasto não corresponde à expectativa dos serviços oferecidos, ainda mais se levarmos em conta que possuímos um índice de arrecadação de impostos sobre o PIB mais elevado do que a média dos países em desenvolvimento. Mas a busca de solução passa por aperfeiçoamento e melhoria da despesa pública e não pela redução da carga tributária! O artigo é de Paulo Kliass.


Paulo Kliass (*)
Atualmente, a carga tributária no Brasil situa-se em torno de 35%. Para chegar a esse índice, a metodologia recomenda utilizar as informações da Contabilidade Nacional do IBGE. Assim, verifica-se a participação do total de tributos no valor do PIB. Nesse montante incluem-se também as arrecadações de caráter previdenciário (inclusive do FGTS), que representam quase 10% do PIB. Os tributos sobre os bens e serviços (produção e consumo) representam por volta de 15%. Os tributos sobre renda, propriedade e capital representariam também por volta de 10%. Ora, se a proposta é a tão propalada redução do volume de impostos, é preciso que apontem de onde pretendem retirar a tributação. E verificar quais os setores seriam prejudicados na hora do Estado contar com menos recursos para cumprir com suas funções básicas.

Atenção especial deve ser dada às idéias de alterar o mecanismo de financiamento da Previdência Social, o INSS. Vira e mexe volta a sugestão de desonerar a folha de pagamento, substituindo-a com soluções miraculosas, como a proposta de incidência de uma alíquota sobre o faturamento das empresas. Em essência, sempre o antigo questionamento neoliberal quanto ao modelo de seguridade social pública e a gulosa tentação de transformar esse enorme volume de recursos em massa a ser movimentada pelo mercado financeiro.

As considerações apontadas até aqui não podem significar, por outro lado, uma postura conformista de nossa parte no que se refere à forma como o Estado brasileiro realiza seus dispêndios. É sabido que a administração pública gasta mal, principalmente no que se refere aos serviços prestados à população de mais baixa renda. Estruturas antiquadas, vícios do patrimonialismo, características culturais que tendem a favorecer a corrupção, dificuldades institucionais na relação do pacto federativo (União, Estados e Municípios). Os recursos existem, mas muitas vezes não “chegam” na ponta, como diz expressão popular carregada de eufemismo.

Em suma, a qualidade do nosso gasto não corresponde à expectativa dos serviços oferecidos, ainda mais se levarmos em conta que possuímos um índice de arrecadação de impostos sobre o PIB mais elevado do que a média dos países em desenvolvimento. Mas a busca de solução passa por aperfeiçoamento e melhoria da despesa pública e não pela redução da carga tributária!

Um elemento essencial para o aprimoramento de nosso modelo tributário refere-se à criação do Imposto sobre Grandes Fortunas – IGF. A maioria da população talvez desconheça o fato, mas essa foi uma recomendação dos constituintes ainda nos idos de 1988 e consta do inc. VII, do art. 153 da Constituição. Porém, passados 22 anos, a lei complementar criando o tributo portador de inequívoca justiça social ainda não foi aprovada pelo Congresso Nacional.

A ironia da história é que há vários projetos em tramitação no legislativo dando forma ao IGF. O primeiro, de autoria do então Senador Fernando Henrique Cardoso, já foi aprovado pelo Senado e encontra-se na Câmara dos Deputados. Mais recentemente, em 2008, a bancada do PSOL apresentou versão mais atualizada para o referido imposto. Apesar da importância da medida, sua aprovação dependeria de uma grande mobilização na base da sociedade, uma vez que a correlação de forças no interior do Congresso não parece muito favorável a tal mudança.

Ainda no campo da tributação sobre o patrimônio, há medidas mais simples de implementação e que não dependem de alteração constitucional. É o caso da instituição do IPVA sobre iates de luxo e jatos executivos, ainda generosamente excluídos da cobrança, uma vez que há decisão do STF que restringe o conceito de “veículo automotor” apenas àqueles de circulação terrestre. Além disso, a cobrança do Imposto Territorial Rural - ITR está longe de ser implementada de maneira efetiva por todo o território nacional. Não obstante a imensidão de nossas áreas agrícolas e da relevância econômica do agronegócio, o ITR representa apenas 0,1 % do total da arrecadação federal, sendo o tributo de menor valor recolhido pela União.

Outra dificuldade para aprovar as PECs de reforma tributária diz respeito ao pacto federativo, ou seja, às sensíveis relações entre a União, os Estados (e o DF) e os Municípios. Apesar da Constituição ter delegado a Estados e Municípios uma série de atribuições em termos de serviços públicos, a grande capacidade arrecadadora do setor público continua sendo a do poder federal. Uma forma de amenizar tal disparidade são os chamados fundos de participação: o FPE dos Estados e o FPM dos Municípios. Tais fundos são constituídos com base num percentual do total arrecadado de Imposto de Renda (pessoas físicas e empresas) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), ambos do governo federal. Através desse mecanismo, 21,5% desse total de IR + IPI são rateados entre Estados e DF, enquanto 23,5% são distribuídos entre os mais de 5.500 Municípios de todo o País.

O imposto mais expressivo dos Estados é o ICMS, incidente sobre a circulação de bens e serviços. Já na esfera dos Municípios, os impostos mais significativos são o imposto sobre imóveis urbanos (IPTU) e o imposto sobre serviços (ISS). Mas na grande maioria dos casos, os chamados recursos próprios são insuficientes para fazer frente às necessidades orçamentárias desses entes federados. Assim, eles dependem, essencialmente, dos repasses do FPE e do FPM para fazer frente à execução de suas despesas.

Um dos problemas do modelo adotado para o ICMS é o chamado “efeito-cascata”. Como cada Estado faz incidir sua alíquota sobre bens e serviços, há uma enorme complicação quando o produto atravessa várias fronteiras interestaduais antes de chegar ao consumidor final. Outro aspecto refere-se à polêmica “origem x destino” no que se refere à cobrança desse tributo. As unidades da federação produtoras de um determinado bem querem que o chamado “fato gerador” do ICMS ocorra no local da produção, a “origem”. Já os Estados consumidores, consideram mais adequada a cobrança no momento do consumo, ou seja, a tributação no “destino”. É fácil compreender as razões pelas quais o Senado, com 3 representantes eleitos de cada um dos 26 Estados e mais o DF, encontre enorme dificuldade para aprovar um modelo de consenso ou de grande maioria. No cálculo do perde-e-ganha, com evidentes riscos de redução na arrecadação de seu Estado com qualquer mudança, acaba prevalecendo no voto do congressista a lógica da inércia, de ficar como está.

Em resumo, percebe-se que há um conjunto amplo e heterogêneo de questões relativas à Reforma Tributária, bem como diferentes propostas para solucionar os problemas apontados. Em razão das dificuldades políticas de aceitação na sociedade e das regras institucionais para aprová-las no interior do Congresso Nacional, o mais provável é que as medidas para 2011 sigam o roteiro das tentativas anteriores. Ou seja, um momento político de início de mandato presidencial, governo federal com a força política conquistada na vitória recente nas urnas e com base parlamentar majoritária consolidada. Esse é o quadro considerado “ideal” pelo Executivo para o envio desse tipo de proposta ao Legislativo para aprovação no ritmo mais acelerado possível.

A grande incógnita que permanece é exatamente a do título do artigo: mas qual Reforma Tributária? Para atender a quais interesses no processo de mudança?

(*) Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Université de Paris 13.

2 comentários:

  1. Você já conhece o Movimento Brasil Eficiente? O Movimento Brasil Eficiente tem por objetivo sensibilizar a população, a classe política e, sobretudo, os candidatos em fase pré-eleitoral sobre a importância de diminuir o peso da carga tributária sobre o setor produtivo, simplificar e racionalizar a complicada estrutura fiscal, melhorando a gestão dos recursos públicos.

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  2. O Movimentou Brasil Eficiente inaugurou seu site: http://www.brasileficiente.org.br/
    e também um blog, confira:
    http://movimentobrasileficiente.wordpress.com/

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