Flávio Aguiar
Não há pior candidato do que aquele que permanece candidato a candidato.
Quem é o candidato a candidato? É aquele que fica buscando sempre, e só isso, estar bem no filme... dos outros.
Quem é o candidato a candidato? É aquele que fica buscando sempre, e só isso, estar bem no filme... dos outros.
Normalmente, o candidato a candidato não tem o que dizer. Ou se tem, não pode dizer o que quer dizer, porque não condiz com o filme onde ele quer se dar bem. Então o candidato a candidato cai naquele limbo, onde não tem propriamente compromisso com o que venha a dizer, pois pode dizer qualquer coisa. Muitas vezes isso dá errado, porque nem sempre o que lhe vem a cabeça bate com o que está na cabeça dos outros. Por isso, normalmente o candidato a candidato dá cabeçadas e bate cabeça com a cabeça de muita gente.
O candidato a candidato é assim: redundante. Se descobre que alguma coisa que disse rendeu-lhe algo, mesmo que seja apenas no seu próprio arraial, fica martelando nisso como martelo em cabeça de prego, até achata-lo todo. Por quê? Porque o candidato a candidato precisa ter a certeza de estar mantendo atrás de si os correligionários que já conquistou, de medo de perde-los e com isso, como bote furado, deixar de captar outros, que não irão entrar num esquife que está fazendo água.
E por quê esse porquê? Por que o candidato a candidato, por não ter nada a dizer, precisa das manchetes, para dar a impressão que está dizendo algo. Precisa produzir manchetes a mancheias, para dar a impressão de que está fazendo algo de verdade, quando na verdade não está fazendo muita coisa. Ou se está, é apenas fazendo pouco dos que o ouvem, pois espera que acreditem que ele está fazendo algo importante, quando na verdade não está.
O candidato a candidato precisa de manchetes? Ah, estas são as partes difíceis. Porque então o candidato a candidato precisa de candidatos a mancheteiros que editem as manchetes que seus patrões, os donos dos veículos em que eles trabalham, querem que eles façam, para manchetear as virtudes do candidato a candidato que apóiam.
A dificuldade dessa operação começa porque os mancheteiros não podem por nas manchetes que mancheteiam a verdade sobre o que os donos dos veículos em que eles trabalham, ou seja, aquilo que esses donos querem que o candidato a candidato faça, se ganhar, mas que não querem que ele sequer diga, enquanto permanecer na corrida.
Para não dizer que não falei de pedras, quero dizer, de flores, vamos a alguns exemplos. Não pode sair uma manchete assim: “O nosso candidato, que é o candidato a candidato para vocês, leitores, vai privatizar tudo o que nós queremos e mais ainda”. Não que muitos leitores desses veículos não gostassem dessas candidatas a manchetes que jamais deixarão esse estado de gravidez nunca realizada. Mas é que ela poderia cair nos olhos de outros que não gostarão, e daí ir para a boca do povo, e aí os donos desses veículos começariam a ter urticária, alergia, perebas, essas coisas que lhes assaltam as peles quando ouvem expressões como “a boca do povo”, “a vontade do povo”, “a soberania popular” – ih, essa dá até convulsões em alguns.
Outros exemplos de manchetes que deverão ficar só em pensamento, como aqueles pecados que a gente cometia quando pequenos demais para comete-los por ações:
“Se o nosso candidato ganhar, bloqueará por todos os meios isso de desenvolvimento com consumo popular. Em troca, haverá bônus para todos os investidores no mercado de futuros, presentes e passados, e de secos e molhados”.
“Se o nosso candidato ganhar, Hillary Clinton vai mandar não só no Conselho de Segurança da ONU, como também no Ministério da Defesa do Brasil”.
“Nosso candidato vai isentar de impostos produtos essenciais, como o vinho francês, o uísque escocês, mesmo que seja naturalizado paraguaio, e o chapéu de caubói americano. Para compensar, vai sobretaxar produtos supérfluos, como o arroz com feijão, a caipirinha de cachaça (a de vodka russa, não!) e a tubaína.
E por aí vai.
Mas o problema é que o candidato a candidato é mais duro que carne de pescoço para produzir manchetes. Pobres mancheteiros! Têm chacoalhar mais a cabeça do que parafuso frouxo em espremedor de cana para produzir as desejadas candidatas a manchetes sobre o candidato a candidato! Por que o candidato a candidato, para agradar muitos e muitos sem se comprometer muito, tem que se voltar para minigâncias, nonadas, ninharias, frioleiras, inânias, nicas, nugas, mas sempre dando-se o ar de fazer verdadeiras maravalhas, espetaculosidades, dando sempre a impressão de estar roubando a cena quando na verdade está mesmo é tomando o tempo dos outros.
Então vem essa coleção de candidatas a pérolas de um colar, como se assim fossem preciosidades. “O candidato a candidato foi à missa”. “O candidato a candidato comungou”. “O candidato a candidato puxou uma Ave-Maria”. “O candidato a candidato acha que quem fuma enerva a Deus” (isso foi em outra igreja). “O candidato a candidato colocou o solidéu na cabeça” (isso vai ser em outra). E logo virão as inevitáveis “O candidato a candidato comeu um pastel”, e “O candidato a candidato segurou o feirante – ops – quero dizer – a filha do feirante no colo”.
(Não pensem que eu tenho algo contra ir à missa, comungar, etc. Mas é que no tempo em que eu fazia isso (hoje minha religião é entre eu e Ele, Ele e eu, nós dois numa demanda, nem ele ganha nem eu) aprendi que a gente devia fazer essas coisas com humildade e devoção, por amor do Amor, e não para sair no santinho.).
Mas isso não chega, só isso não ganha eleição. Daí vem outra: "candidato a candidato vai semear ministério no planalto". Opa, isso nào dá muito certo não. Tem gente no campo dele que acha que isso incha o Estado. Daí: "candidato a candidato diz que vai podar secretaria". Essa é fase agrícola. Depois vem a antropológica. Então vêm outras pérolas mais peroladas ainda. Tipo “Candidato a candidato acusa índio de ser o responsável pelo narcotráfico para destruir a nossa juventude”. “Mas é porque ele virou presidente do país vizinho! Mas também é demais, não é?” - pensarão muitos leitores desses veículos, que adoram o candidato a candidato” – “ter um ex-torneiro mecânico de presidente já é uma barra! Ou ter um ex-tupamaro no outro país vizinho. E imaginem então uma lutadora contra a nossa querida ditabranda de outrora chegar a presidência!”.
Como essa do índio rende juros e juras de amor no mercado desses leitores comprometidos com os jornais dos donos de jornal comprometidos com o candidato a candidato, este vai repetindo a dose, para permanecer nas manchetes: e dá-lhe índio responsável pela coca! Ou cúmplice. Ou corpo-mole, já que, para essa mentalidade, é isso mesmo que índio faz desde que Cabral chegou aqui: corpo-mole. “Depois ainda vem dizer que quer apito! Apito coisa nenhuma, índio quer mesmo é se fingir de morto, como dizia aquele excelente general americano”.
Ah, mas isso não chega. Porque ainda assim o candidato a candidato vai caindo e caindo nas pesquisas. Nem assoprando pra cima ele sobe. Então é preciso por-se mãos à obra para “desconstruir” – “destruir” seria melhor, mas as ogivas nucleares estão proibidas em nosso pais – a candidata do outro lado, porque ao contrário do candidato a candidato ela não é uma candidata a candidata, ela é uma candidata, com programa explícito e o escambau.
“Então venha a nós o vosso dossiê! Ela não fabricou um? Nem tentou? Não tem importância”, pensam alguns dos cartolas do candidato a candidato: “Nós fabricamos um para ela”. Quer dizer: “a gente fabrica a história do dossiê, e gruda nela”. “E venham um, dois, três, muitos dossiês!, como dizia aquele general americano que lutou no Vietnã!”.
E por aí a história se vai. Não sabemos ainda o que vai acontecer. Mas uma coisa certa. Mesmo que ganhe a eleição, quem nasceu pra candidato a candidato, jamais chegará a candidato de fato. Porque para isso é preciso estar à altura do Brasil. Só que o Brasil mudou de lugar e de tamanho. E ele nem aí.
Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior em Berlim.
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