Para ler e pensar neste Dia do Trabalho
Às vésperas deste 1º de maio – que mui filhadaputamente este ano cai num sábado – para atender nosso bicho preguiça que bem se amolda a esta cultura de mosaico, eis algumas reflexões político-culturais, minhas e dos outros, entretecidas ao longo de muitas colunas:
"Considerado pela Time (além de El País, Espanha, e Le Monde Diplomatic, França, e não vou nem considerar a News Week, The Economist, The New York, onde o Brasil decolava, de dar crise de urticária na "oposição" para o resto da vida) como o político mais influente do mundo e precisamente por seus programas sociais (contra a fome, educação), presidente Lula se confirma como autor da nova narrativa a que me referi coluna passada e deu tanto pano para mangas. Para quem duvidava, o castigo veio a jato. Lula realmente botou o Brasil no mapa. Quem é artista, escritor, etc. no Brasil - padecendo eternamente de baixa auto-estima -, é minimamente inteligente e enxerga um palmo diante do nariz, tem que estar adorando. Porque o Brasil, suas artes, sua cultura, sua gente, começará a ser visto de outra forma pelo olhar estrangeiro. Imaginem, minha agente literária - que eu não via há meses - acaba de ligar de Frankfurt!" (by myself)
Se o voto mudasse as coisas, ele seria ilegal. (de um filme esquecido)
Os Estados Unidos vivem uma ditadura dirigida por um idiota total que só se ocupa em arranjar dinheiro para sua patota. O demente de Washington lembra Calígula, com a diferença que o imperador romano era mais civilizado. (Gore Vidal about Bush)
A bolsa de valores intelectuais é emotiva e calculista como todas as bolsas. Hoje temos talento, amanhã não. Éramos bons poetas na circunstância tal, mas já agora estamos com o papo cheio de vento; somos demasiado herméticos, demasiado vulgares, nosso individualismo nos perde; ou nosso socialismo; chegamos a dois passos da Igreja, o que nos falta é o sentimento de Deus; nossa prosa é lírica, nossos versos são prosaicos (Carlos Drummond de Andrade, CDA, poeta e terrorista, precursor de todos os outros vindouros e passadouros, uma vez que, desde Elegia 1938, já propunha detonar a ilha de Manhattan)
Um escritor desprovido duma interpretação pessoal e original do Brasil nunca chegou (nunca chegará) a produzir uma grande obra literária. (Silviano Santiago não-sei-onde)
Resta a escrita, paixão perversa do eu (pois é na compulsão pela escrita que o mais baixo, o blogueiro, e o mais alto, Proust, coincidem). É por aí que se pode entender também por que o registro da vivência imediata tornou-se um clichê (mais um) na literatura contemporânea, a começar pela proliferação dos blogs, de São Paulo a Bagdá. (Ítalo Moriconi não-sei-onde)
Estamos sendo a lata do lixo da cultura alheia, recebendo e reciclando dejetos culturais gerados na usina do ócio e do lucro capitalista, que concentra a riqueza e globaliza a pobreza. (...) Enquanto a modernidade operava com o conceito de projeto (o lançar-se à frente), a pós-modernidade se compraz com eventos, instantâneos como fogos de artifício. Produz obras fugazes, confundidas com os detritos do tempo. O brilho é rápido, nascido da improvisação. Ocorre o culto da aparência revisitada de revistas tipo Caras, e a figuração de uma Quem, que não é sujeito, senão um objeto que pode ser metonimicamente trocado por qualquer outro no palco do instante. (...) Os artistas substituíram o pacto com o público por um pacto exclusivo, feito apenas entre seus pares. Não apenas excluíram o público, mas até o hostilizaram. (Affonso Romano de Sant’Anna tb-não-sei-onde)
A diferença entre as duas sociedades (1960 e 2000) é que a de 1960 se conhecia pela “Falsa Consciência” - a consciência envergonhada de suas injustiças e contradições, enquanto a de 2000 se conhece pela “Consciência Perversa” - que não só ignora a desigualdade social, como quer mais é que o Outro se foda ou pior: tem plena consciência das injustiças, contradições e do ponto sem retorno em que se encontra, mas não se importa. (by myself)
Entre 1960 e 1970, a esquerda e o nacionalismo representavam a cultura de massa dominante na América Latina – era a poesia de Pablo Neruda, a música de Mercedes Sosa, o teatro emancipador de Augusto Boal, a pedagogia de Paulo Freire, o cinema novo de Glauber Rocha, o jornalismo revolucionário de Eduardo Galeano. Eram os lendários heróis e mártires do passado e da história recente, de Simón Bolívar a Che Guevara. Quando as juntas militares (Chile, Argentina, Brasil, Uruguai) saíram a campo para arrancar o desenvolvimentismo pelas raízes, fizeram uma declaração de guerra contra toda a cultura. (Naomi Klein, A doutrina do choque)
Na exacerbação deste confronto, em que o progresso é uma desgraça e o atraso é uma vergonha, há em Machado de Assis um veio semelhante a Dostoievski, Tchecov, etc. (Roberto Schwarz, As idéias fora do lugar)
FHC concluiu com chave de ouro o que os militares começaram: em cinco ou seis anos, clones malditos dos intelectuais de ontem destruíram o que fora construído ao longo de décadas, transformaram o saldo positivo da balança comercial num “rombo” permanente, estimularam o envio de dólares para o Exterior, elevaram os juros para cobrir os “rombos” criados, privatizaram a troco de banana e com dinheiro público as telecomunicações, os bancos estatais, as hidroelétricas. Com “choques de gestão” quebraram a União, os Estados, os municípios. Destruíram a indústria, a agricultura, o sistema educacional, instituíram o desemprego estrutural. Destruíram mais. Destruíram o sonho, o passado e o futuro: mataram a Alma Nacional. (Aloísio Biondi, A morte da alma nacional)
O Brasil só não é rico porque não quer. Temos de vencer uma certa infantilidade que há no nosso temperamento, uma confusão entre desejo e realidade. O Brasil tem o dever consigo próprio de eliminar as necessidades básicas do ser humano. Mas o Brasil não cumpre isso, os governos não cumprem isso, a nossa sociedade não cumpre isso. Um deputado do PMDB disse ontem que não se escreve história com baioneta ou fuzil. Ao contrário, só se escreve história com baioneta, fuzil ou equivalente, de Júlio César a Robespierre, a Hitler e Stalin. (Paulo Francis, FSP, julho/1983).
"Considerado pela Time (além de El País, Espanha, e Le Monde Diplomatic, França, e não vou nem considerar a News Week, The Economist, The New York, onde o Brasil decolava, de dar crise de urticária na "oposição" para o resto da vida) como o político mais influente do mundo e precisamente por seus programas sociais (contra a fome, educação), presidente Lula se confirma como autor da nova narrativa a que me referi coluna passada e deu tanto pano para mangas. Para quem duvidava, o castigo veio a jato. Lula realmente botou o Brasil no mapa. Quem é artista, escritor, etc. no Brasil - padecendo eternamente de baixa auto-estima -, é minimamente inteligente e enxerga um palmo diante do nariz, tem que estar adorando. Porque o Brasil, suas artes, sua cultura, sua gente, começará a ser visto de outra forma pelo olhar estrangeiro. Imaginem, minha agente literária - que eu não via há meses - acaba de ligar de Frankfurt!" (by myself)
Se o voto mudasse as coisas, ele seria ilegal. (de um filme esquecido)
Os Estados Unidos vivem uma ditadura dirigida por um idiota total que só se ocupa em arranjar dinheiro para sua patota. O demente de Washington lembra Calígula, com a diferença que o imperador romano era mais civilizado. (Gore Vidal about Bush)
A bolsa de valores intelectuais é emotiva e calculista como todas as bolsas. Hoje temos talento, amanhã não. Éramos bons poetas na circunstância tal, mas já agora estamos com o papo cheio de vento; somos demasiado herméticos, demasiado vulgares, nosso individualismo nos perde; ou nosso socialismo; chegamos a dois passos da Igreja, o que nos falta é o sentimento de Deus; nossa prosa é lírica, nossos versos são prosaicos (Carlos Drummond de Andrade, CDA, poeta e terrorista, precursor de todos os outros vindouros e passadouros, uma vez que, desde Elegia 1938, já propunha detonar a ilha de Manhattan)
Um escritor desprovido duma interpretação pessoal e original do Brasil nunca chegou (nunca chegará) a produzir uma grande obra literária. (Silviano Santiago não-sei-onde)
Resta a escrita, paixão perversa do eu (pois é na compulsão pela escrita que o mais baixo, o blogueiro, e o mais alto, Proust, coincidem). É por aí que se pode entender também por que o registro da vivência imediata tornou-se um clichê (mais um) na literatura contemporânea, a começar pela proliferação dos blogs, de São Paulo a Bagdá. (Ítalo Moriconi não-sei-onde)
Estamos sendo a lata do lixo da cultura alheia, recebendo e reciclando dejetos culturais gerados na usina do ócio e do lucro capitalista, que concentra a riqueza e globaliza a pobreza. (...) Enquanto a modernidade operava com o conceito de projeto (o lançar-se à frente), a pós-modernidade se compraz com eventos, instantâneos como fogos de artifício. Produz obras fugazes, confundidas com os detritos do tempo. O brilho é rápido, nascido da improvisação. Ocorre o culto da aparência revisitada de revistas tipo Caras, e a figuração de uma Quem, que não é sujeito, senão um objeto que pode ser metonimicamente trocado por qualquer outro no palco do instante. (...) Os artistas substituíram o pacto com o público por um pacto exclusivo, feito apenas entre seus pares. Não apenas excluíram o público, mas até o hostilizaram. (Affonso Romano de Sant’Anna tb-não-sei-onde)
A diferença entre as duas sociedades (1960 e 2000) é que a de 1960 se conhecia pela “Falsa Consciência” - a consciência envergonhada de suas injustiças e contradições, enquanto a de 2000 se conhece pela “Consciência Perversa” - que não só ignora a desigualdade social, como quer mais é que o Outro se foda ou pior: tem plena consciência das injustiças, contradições e do ponto sem retorno em que se encontra, mas não se importa. (by myself)
Entre 1960 e 1970, a esquerda e o nacionalismo representavam a cultura de massa dominante na América Latina – era a poesia de Pablo Neruda, a música de Mercedes Sosa, o teatro emancipador de Augusto Boal, a pedagogia de Paulo Freire, o cinema novo de Glauber Rocha, o jornalismo revolucionário de Eduardo Galeano. Eram os lendários heróis e mártires do passado e da história recente, de Simón Bolívar a Che Guevara. Quando as juntas militares (Chile, Argentina, Brasil, Uruguai) saíram a campo para arrancar o desenvolvimentismo pelas raízes, fizeram uma declaração de guerra contra toda a cultura. (Naomi Klein, A doutrina do choque)
Na exacerbação deste confronto, em que o progresso é uma desgraça e o atraso é uma vergonha, há em Machado de Assis um veio semelhante a Dostoievski, Tchecov, etc. (Roberto Schwarz, As idéias fora do lugar)
FHC concluiu com chave de ouro o que os militares começaram: em cinco ou seis anos, clones malditos dos intelectuais de ontem destruíram o que fora construído ao longo de décadas, transformaram o saldo positivo da balança comercial num “rombo” permanente, estimularam o envio de dólares para o Exterior, elevaram os juros para cobrir os “rombos” criados, privatizaram a troco de banana e com dinheiro público as telecomunicações, os bancos estatais, as hidroelétricas. Com “choques de gestão” quebraram a União, os Estados, os municípios. Destruíram a indústria, a agricultura, o sistema educacional, instituíram o desemprego estrutural. Destruíram mais. Destruíram o sonho, o passado e o futuro: mataram a Alma Nacional. (Aloísio Biondi, A morte da alma nacional)
O Brasil só não é rico porque não quer. Temos de vencer uma certa infantilidade que há no nosso temperamento, uma confusão entre desejo e realidade. O Brasil tem o dever consigo próprio de eliminar as necessidades básicas do ser humano. Mas o Brasil não cumpre isso, os governos não cumprem isso, a nossa sociedade não cumpre isso. Um deputado do PMDB disse ontem que não se escreve história com baioneta ou fuzil. Ao contrário, só se escreve história com baioneta, fuzil ou equivalente, de Júlio César a Robespierre, a Hitler e Stalin. (Paulo Francis, FSP, julho/1983).
*A escritora paulistana Márcia Denser publicou, entre outros, Tango Fantasma (1977), O Animal dos Motéis (1981), Exercícios para o pecado(1984), Diana caçadora (1986), A Ponte das Estrelas (1990), Toda Prosa (2002 - Esgotado), Diana Caçadora/Tango Fantasma (2003,Ateliê Editorial, reedição),Caim (Record, 2006), Toda Prosa II - Obra Escolhida (Record, 2008). É traduzida na Holanda, Bulgária, Hungria, Estados Unidos, Alemanha, Suiça, Argentina e Espanha (catalão e galaico-português). Dois de seus contos - O Vampiro da Alameda Casabranca e Hell's Angel - foram incluídos nos 100 Melhores Contos Brasileiros do Século, sendo que Hell's Angel está também entre os 100 Melhores Contos Eróticos Universais. Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUCSP, é pesquisadora de literatura, jornalista e curadora de Literatura da Biblioteca Sérgio Milliet em São Paulo.
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